Carta aberta aos diretores da Agência Nacional de Saúde
Em outubro de 2017, a Diretoria Colegiada da ANS criou, por meio da Portaria nº 9314/2017, um grupo de trabalho com o objetivo de discutir e elaborar proposta de aperfeiçoamento, sistematização e organização do processo de revisão do rol de procedimentos e eventos em saúde.
Após coletar contribuições internas e externas - de especialistas em Avaliação de Tecnologias em Saúde e de membros do COSAÚDE - o grupo de trabalho apresentou, na reunião da Diretoria Colegiada de 11/06/18, a Nota Técnica nº 18/2018, contendo minuta de Resolução Normativa (RN) dispondo sobre o processo de atualização periódica do rol.
A presente Carta Aberta aos Diretores da ANS tem como objetivo publicizar a preocupação do Instituto Oncoguia, como entidade representativa dos pacientes com câncer, em relação a três pontos centrais da minuta de RN que será objeto de deliberação da Diretoria Colegiada na sua próxima reunião. Tais pontos, no entendimento deste Instituto, da forma como estão sendo tratados na minuta da RN, atentam contra a principal finalidade institucional da ANS: a promoção da defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde.
1) - Periodicidade da atualização do rol e critério diferenciado para previsão de cobertura de antineoplásicos de uso oral em domicílio
A minuta de RN apresentada pelo grupo de trabalho mantém a periodicidade de 2 anos para atualização do rol. Considerando a rápido avanço dos estudos científicos, esse intervalo se mostra extremamente longo, podendo privar muitos beneficiários do acesso a procedimentos de comprovada eficácia e segurança.
O processo de avaliação de tecnologias no SUS, só para fazer uma rápida (porém necessária) comparação, segundo a Lei nº 12.401/11, deve ser finalizado no prazo de 180 dias prorrogáveis por mais 90 (270 dias no total, na hipótese mais conservadora). Não se justifica, portanto, que a avaliação de tecnologias na saúde suplementar ocorra a cada 730 dias. Já a atualização anual do rol, alternativa proposta pelo Instituto Oncoguia, embora ainda lhe falte a desejada instantaneidade, garantiria, ao menos, o acesso do paciente a procedimentos diagnósticos e terapêuticos com maior celeridade. Ao mesmo tempo, essa alternativa daria previsibilidade para o setor e manteria viável o trabalho da ANS na identificação do índice de reajuste por incremento tecnológico, que também ocorre anualmente.
No caso específico dos antineoplásicos de uso oral em domicílio a regra de cobertura deve ser a mesma conferida aos antineoplásicos endovenosos, isto é, basta ter registro da ANVISA para que a cobertura seja obrigatória (respeitadas as indicações previstas em bula). Subsidiariamente, muito embora esta não se mostre uma opção tão adequada quanto a apresentada acima, consideramos que, no mínimo, as diretrizes de utilização para "Terapia Antineoplásica Oral para Tratamento do Câncer" deverão ser revisadas sempre que uma nova droga receber registro na ANVISA em prazo não superior a 180 (cento e oitenta) dias a partir do registro.
2) - Ampliação dos legitimados a submeter propostas de atualização do rol
A ANS propõe que até 2020 os membros do COSAÚDE sejam os únicos a terem a oportunidade de submeter propostas via FormRol. Até lá, segundo consta na Nota Técnica nº 18/2018, a ANS poderia se estruturar operacionalmente para ampliar a legitimação a qualquer interessado.
O COSAÚDE, sem nenhum demérito, está longe de representar a totalidade dos grupos afetados pelo setor suplementar da saúde e muito menos detém a compreensão real de todas as dimensões técnicas e experienciais das tecnologias em saúde. O capítulo da minuta de RN que trata "Do prosseguimento das Demandas para Análise" já prevê critérios técnicos de conformidade bastante rígidos para processamento da proposta. Esses critérios servem perfeitamente como filtro para impedir demandas desarrazoadas.
Por isso, entendemos que o mais adequado seria abrir, desde já, para qualquer interessado, a possibilidade de submeter novas propostas de atualização do rol, mediante preenchimento do FormRol.
Subsidiariamente, caso a Diretoria ainda entenda que existem restrições operacionais, para a próxima revisão do Rol, poderia ser admitida que pessoas naturais ou jurídicas (entes públicos ou privados; com ou sem fins lucrativos) se habilitassem previamente perante a ANS para participar do processo de submissão de propostas de atualização do rol via FormRol, mediante demonstração de expertise ou representação de segmentos sociais afetados na regulação da saúde suplementar. Esse modelo de habilitações se assemelha ao instituto do Amicus Curiae, previsto no art. 138, do Código de Processo Civil, por meio do qual um terceiro é admitido no processo para fornecer subsídios instrutórios (probatórios ou jurídicos) à solução de causa revestida de especial relevância ou complexidade.
A habilitação de pessoas ou entidades comprovadamente capazes de contribuir tecnicamente qualificará o processo de atualização do rol. Por outro lado, se apenas os membros do COSAÚDE puderem submeter propostas, o processo será marcado pela sua pouco transparência, com uso de membros do COSAÚDE como intermediários de outras entidades com tanta ou maior capacidade de atuação protagonista no processo.
3) - Abrangência do escopo da Consulta Pública
A proposta apresentada pela ANS desvirtua a finalidade do instituto da Consulta Pública, ao estabelecer que as contribuições dela originadas devem se restringir "à minuta da RN e os procedimentos e eventos em saúde objeto da proposta”. Ou seja, ninguém poderia apresentar, na ocasião da Consulta Pública, novas propostas de atualização do Rol.
O receio da ANS é que apareçam propostas desarrazoadas que só tumultuariam o processo de avaliação pelos técnicos da agência. Esse receio seria facilmente eliminado com a reabertura do FormRol no mesmo prazo da Consulta Pública. Assim, a sociedade em geral poderia se manifestar no formulário padrão da Consulta Pública e os interessados com expertise técnico fariam novas contribuições por meio do FormRol.
As Consultas Públicas de revisão do rol têm se mostrado, ao longo do últimos anos, a melhor ferramenta para a sociedade levar ao conhecimento da agência reguladora seus anseios, demandas e expectativas. Deve-se, portanto, garantir que a sociedade se utilize da Consulta Pública para pleitear e justificar a atualização do rol com tecnologias eventualmente não solicitadas nas fases iniciais do processo, ainda que, para novas propostas, a ANS exija o adequado preenchimento do FormRol, por qualquer interessado, mediante cumprimento dos critérios técnicos de conformidade.
Diante das preocupações e propostas acima apresentadas, espera este Instituto que a Diretoria Colegiada da ANS, ao deliberar sobre a Nota Técnica nº 18/2018, determine a adequação da minuta de RN, antes de ser posta em Consulta Pública, para o fim de (a) reduzir a periodicidade da atualização do rol, com regras diferenciadas para o caso dos antineoplásicos de uso oral em domicílio; (b) ampliar os legitimados a submeter propostas de atualização do rol; e (c) garantir que o escopo da Consulta Pública permita a proposição de novas avaliações de tecnologias.
Após coletar contribuições internas e externas - de especialistas em Avaliação de Tecnologias em Saúde e de membros do COSAÚDE - o grupo de trabalho apresentou, na reunião da Diretoria Colegiada de 11/06/18, a Nota Técnica nº 18/2018, contendo minuta de Resolução Normativa (RN) dispondo sobre o processo de atualização periódica do rol.
A presente Carta Aberta aos Diretores da ANS tem como objetivo publicizar a preocupação do Instituto Oncoguia, como entidade representativa dos pacientes com câncer, em relação a três pontos centrais da minuta de RN que será objeto de deliberação da Diretoria Colegiada na sua próxima reunião. Tais pontos, no entendimento deste Instituto, da forma como estão sendo tratados na minuta da RN, atentam contra a principal finalidade institucional da ANS: a promoção da defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde.
1) - Periodicidade da atualização do rol e critério diferenciado para previsão de cobertura de antineoplásicos de uso oral em domicílio
A minuta de RN apresentada pelo grupo de trabalho mantém a periodicidade de 2 anos para atualização do rol. Considerando a rápido avanço dos estudos científicos, esse intervalo se mostra extremamente longo, podendo privar muitos beneficiários do acesso a procedimentos de comprovada eficácia e segurança.
O processo de avaliação de tecnologias no SUS, só para fazer uma rápida (porém necessária) comparação, segundo a Lei nº 12.401/11, deve ser finalizado no prazo de 180 dias prorrogáveis por mais 90 (270 dias no total, na hipótese mais conservadora). Não se justifica, portanto, que a avaliação de tecnologias na saúde suplementar ocorra a cada 730 dias. Já a atualização anual do rol, alternativa proposta pelo Instituto Oncoguia, embora ainda lhe falte a desejada instantaneidade, garantiria, ao menos, o acesso do paciente a procedimentos diagnósticos e terapêuticos com maior celeridade. Ao mesmo tempo, essa alternativa daria previsibilidade para o setor e manteria viável o trabalho da ANS na identificação do índice de reajuste por incremento tecnológico, que também ocorre anualmente.
No caso específico dos antineoplásicos de uso oral em domicílio a regra de cobertura deve ser a mesma conferida aos antineoplásicos endovenosos, isto é, basta ter registro da ANVISA para que a cobertura seja obrigatória (respeitadas as indicações previstas em bula). Subsidiariamente, muito embora esta não se mostre uma opção tão adequada quanto a apresentada acima, consideramos que, no mínimo, as diretrizes de utilização para "Terapia Antineoplásica Oral para Tratamento do Câncer" deverão ser revisadas sempre que uma nova droga receber registro na ANVISA em prazo não superior a 180 (cento e oitenta) dias a partir do registro.
2) - Ampliação dos legitimados a submeter propostas de atualização do rol
A ANS propõe que até 2020 os membros do COSAÚDE sejam os únicos a terem a oportunidade de submeter propostas via FormRol. Até lá, segundo consta na Nota Técnica nº 18/2018, a ANS poderia se estruturar operacionalmente para ampliar a legitimação a qualquer interessado.
O COSAÚDE, sem nenhum demérito, está longe de representar a totalidade dos grupos afetados pelo setor suplementar da saúde e muito menos detém a compreensão real de todas as dimensões técnicas e experienciais das tecnologias em saúde. O capítulo da minuta de RN que trata "Do prosseguimento das Demandas para Análise" já prevê critérios técnicos de conformidade bastante rígidos para processamento da proposta. Esses critérios servem perfeitamente como filtro para impedir demandas desarrazoadas.
Por isso, entendemos que o mais adequado seria abrir, desde já, para qualquer interessado, a possibilidade de submeter novas propostas de atualização do rol, mediante preenchimento do FormRol.
Subsidiariamente, caso a Diretoria ainda entenda que existem restrições operacionais, para a próxima revisão do Rol, poderia ser admitida que pessoas naturais ou jurídicas (entes públicos ou privados; com ou sem fins lucrativos) se habilitassem previamente perante a ANS para participar do processo de submissão de propostas de atualização do rol via FormRol, mediante demonstração de expertise ou representação de segmentos sociais afetados na regulação da saúde suplementar. Esse modelo de habilitações se assemelha ao instituto do Amicus Curiae, previsto no art. 138, do Código de Processo Civil, por meio do qual um terceiro é admitido no processo para fornecer subsídios instrutórios (probatórios ou jurídicos) à solução de causa revestida de especial relevância ou complexidade.
A habilitação de pessoas ou entidades comprovadamente capazes de contribuir tecnicamente qualificará o processo de atualização do rol. Por outro lado, se apenas os membros do COSAÚDE puderem submeter propostas, o processo será marcado pela sua pouco transparência, com uso de membros do COSAÚDE como intermediários de outras entidades com tanta ou maior capacidade de atuação protagonista no processo.
3) - Abrangência do escopo da Consulta Pública
A proposta apresentada pela ANS desvirtua a finalidade do instituto da Consulta Pública, ao estabelecer que as contribuições dela originadas devem se restringir "à minuta da RN e os procedimentos e eventos em saúde objeto da proposta”. Ou seja, ninguém poderia apresentar, na ocasião da Consulta Pública, novas propostas de atualização do Rol.
O receio da ANS é que apareçam propostas desarrazoadas que só tumultuariam o processo de avaliação pelos técnicos da agência. Esse receio seria facilmente eliminado com a reabertura do FormRol no mesmo prazo da Consulta Pública. Assim, a sociedade em geral poderia se manifestar no formulário padrão da Consulta Pública e os interessados com expertise técnico fariam novas contribuições por meio do FormRol.
As Consultas Públicas de revisão do rol têm se mostrado, ao longo do últimos anos, a melhor ferramenta para a sociedade levar ao conhecimento da agência reguladora seus anseios, demandas e expectativas. Deve-se, portanto, garantir que a sociedade se utilize da Consulta Pública para pleitear e justificar a atualização do rol com tecnologias eventualmente não solicitadas nas fases iniciais do processo, ainda que, para novas propostas, a ANS exija o adequado preenchimento do FormRol, por qualquer interessado, mediante cumprimento dos critérios técnicos de conformidade.
Diante das preocupações e propostas acima apresentadas, espera este Instituto que a Diretoria Colegiada da ANS, ao deliberar sobre a Nota Técnica nº 18/2018, determine a adequação da minuta de RN, antes de ser posta em Consulta Pública, para o fim de (a) reduzir a periodicidade da atualização do rol, com regras diferenciadas para o caso dos antineoplásicos de uso oral em domicílio; (b) ampliar os legitimados a submeter propostas de atualização do rol; e (c) garantir que o escopo da Consulta Pública permita a proposição de novas avaliações de tecnologias.