Entenda a importância do apoio psicológico para os pacientes com câncer

É duro, mas necessário constatar: o mundo não para em função da pessoa com câncer. A vida ordinária, as relações, os compromissos continuam. Abre-se um tempo suspenso e a pessoa é subitamente assombrada. A morte, sigilosa, embora certa — adormecida para nos permitir viver sem a angústia paralisante de confrontá-la —, de repente, aparece clara e violenta. O momento que se inicia com o diagnóstico e perpassa o tratamento e a fase de recuperação impõe uma série de mudanças práticas. Há muitas decisões a serem tomadas sobre tratamentos, possíveis cirurgias e recuperação. É muito para lidar. Mas uma parte que muitas vezes é deixada de lado é o aspecto psicológico — como administrar as emoções que acompanham o diagnóstico, tratamento e a recuperação?

Faz muita diferença contar com escuta, apoio e o direito ao resguardo. O resguardo, a propósito, maior ou menor em cada caso, é fundamental para a tomada de consciência e elaboração dos conflitos surgidos. O fortalecimento emocional do paciente com câncer parte da necessidade de um certo recuo inicial, da garantia de sua intimidade preservada. É delicado encontrar o equilíbrio entre a necessidade de freiar certos aspectos da vida, em virtude do tratamento, e a vontade de prosseguir com outros projetos, preocupações e desejos — que também podem fornecer vigor e ânimo. Mas é apenas no espaço onde a pessoa se sente segura para expressar seus medos e inseguranças que ela poderá encontrar sentido, conforto e fortalecimento em meio ao turbilhão que atravessa. A troca, portanto, só pode ser producente se partir de uma vontade, não de uma imposição.

Recentemente, a cantora Preta Gil revelou que se ausentaria das redes sociais para focar em seu tratamento — ela descobriu um câncer no intestino no começo do ano, e vem se tratando desde então. “Queria começar esse texto dizendo que estou doente e não me refiro ao câncer. Estou doente emocionalmente“, ela escreveu. “Eu decidi que preciso me ausentar das redes sociais e mergulhar mais fundo na minha cura emocional e espiritual, pois sinto que essa dor está atrapalhando meu processo de cura do câncer.” O relato de Preta Gil lança luz não apenas sobre os possíveis efeitos nocivos das redes — que, embora sociais, produzem e mascaram solidões — na saúde mental das pessoas, mas também sobre a importância de discutirmos a saúde mental no contexto do câncer.

Dentre os pontos a serem discutidos, a primeira e mais elementar pergunta é: as pessoas diagnosticadas com câncer que precisam de ajuda com problemas emocionais estão sendo identificadas e suficientemente apoiadas? Parte do problema é que as queixas e os sintomas emocionais são frequentemente desprezados A depressão costuma ser subdiagnosticada em pessoas com o diagnóstico, porque muitos pensam: “Bem, claro, você está deprimido. Você tem câncer”. Entendem a depressão como esperada e natural, ou priorizam o tratamento do câncer, deixando de lado aspectos que lhes parecem menos importantes no momento. Mas esquecem de notar que os problemas psicológicos também merecem atenção, e, em alguns casos, requerem tratamento. Além do mais, endereçar e eventualmente tratar adequadamente cada caso repercutirá no fortalecimento do paciente para o enfrentamento da doença.

É preciso insistir: o impacto emocional do câncer deve ser levado tão a sério quanto os efeitos físicos. Receber o diagnóstico de câncer e passar pelo tratamento é uma experiência de mudança de vida que pode deixar marcas psicológicas por anos. Quando combinado com os efeitos colaterais físicos do tratamento e as dificuldades de tentar manter a vida o mais normal possível, o impacto emocional torna-se ainda maior. Também pode ser difícil para os parentes, parceiros e amigos quando alguém próximo a eles é diagnosticado. Eles talvez não saibam o que dizer, como ajudar ou lidar com os próprios sentimentos.

Em alguns casos, frente ao risco de recaídas, o acompanhamento do paciente é necessário por períodos longos. Ele precisará lidar cronicamente com a questão e será especialmente testado quanto a sua resiliência. Pacientes deveriam contar com um programa consistente de apoio psicológico e psiquiátrico ao longo da vida. Apesar disso, o nosso atual sistema de saúde está longe de fornecer o nível de ajuda especializada necessária para apoiar as pessoas que lidam com o câncer.

Uma paciente recebe o diagnóstico de câncer. Ela diz ao médico que está com muito medo, medo de não sobreviver, que não dormirá à noite, que precisa conversar com alguém. O médico lança um olhar intraduzível, como se ela tivesse falado em português arcaico — “o hospital não oferece um serviço de aconselhamento; você quer pílulas para dormir?” No segundo caso, um paciente em quimioterapia revela à família que não vê mais sentido no tratamento, que desistiu de tentar, que não vai cooperar, faltará às consultas, não se alimentará, não realizará atividades infrutíferas. É corpo mole, a família pensa. Pede que reaja, que seja maduro e deixe de criancice. Os pacientes têm algo em comum: ambos deveriam contar com escuta e suporte adequado em saúde mental.

Embora sentir medo, tristeza e ansiedade sejam respostas normais frente a uma experiência estressante e potencialmente ameaçadora, há casos em que o sofrimento emocional demanda uma atenção especial. É importante, sobretudo, atenção ao desenvolvimento de transtornos psiquiátricos.

Um estudo de revisão, publicado em 2020 pela revista científica Molecular Psychiatry, demonstrou que depressão e transtorno de ansiedade estavam relacionados a maior incidência, menor sobrevida e maior mortalidade por câncer. Sofrimento psicológico (sintomas de depressão e ansiedade, sem diagnóstico) também foi relacionado a maior mortalidade e pior sobrevida, embora não ao aumento da incidência. Os resultados sugeriram que a depressão e a ansiedade podem ter um papel na causa e um impacto na evolução do câncer, embora não seja possível descartar a potencial causalidade reversa. Existe ainda a hipótese de que o aumento de substâncias inflamatórias, em decorrência do câncer, poderia contribuir para o desenvolvimento de depressão. A relação entre transtornos mentais e câncer parece envolver, portanto, para além de fatores psíquicos, mecanismos complexos e inter-relacionados também biológicos.

Contudo, isso não deve servir como um horizonte autopunitivo para o paciente que se culpa pelo surgimento da doença. Pensar o que poderia ter feito ou deixado de fazer, acusar suas próprias emoções negativas, o estresse psicológico, identificando neles a razão ou piora da condição física. Cobra-se cruelmente quanto à necessidade de permanecer equilibrado e positivo ao longo de todo o tratamento. Trata-se de um recurso de autoflagelação que, além de não oferecer respostas mais acuradas, acabam levando a resultados indesejáveis. É possível encontrar ânimo e confiança, com lucidez e compassividade.

Fonte: Vogue

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