[REPORTAGEM] Vivendo com Câncer de Mama Metastático

Dentre as mulheres que se cruzam na rua, andando apressadas para cumprir suas multimissões, há centenas e centenas que se distinguem pela coragem. Coragem para enfrentar mudanças não desejadas, para encarar com otimismo os dias difíceis, para lutar pela vida. São as Marias, Carolinas, Simones, Renatas, Julianas... Dentre elas, muitas que convivem com um câncer de mama avançado, ou metastático.

A palavra metástase, que causa temor a tantos ouvintes, para elas é presença no dia a dia e lhes convida imperativamente a mudar de rotina e de hábitos, a encontrar novos parâmetros para a sua felicidade, a estarem sempre prontas para outra. Outra série de quimioterapias, radioterapias e de exames, outra cirurgia, outra "novidade” indesejada.

A não ser pelas cabeças peladas elas passam indistintas, pois no contexto social brasileiro ainda precisa-se, e muito, compreender as suas demandas, a sua necessidade por atendimento personalizado e sistêmico, os seus desejos e seus medos. Na conversa com essas mulheres, além da esperança nunca abandonada pela cura, e da busca constante pela estabilização da doença, o que se ouve é sobre o preconceito no trabalho e entre o seu grupo social, o sumiço dos amigos e até dos maridos, a indisponibilidade de seus médicos, a falta de acolhimento da equipe multidisciplinar. Altos e baixos emocionais e dificuldades para acessar os tratamentos são também questões que incomodam.

A presidente do Instituto Oncoguia e psico-oncologista Luciana Holtz, diz que as necessidades e os desafios enfrentados por um paciente que convive com câncer metastático são completamente diferentes daquele paciente que descobre o câncer numa fase mais precoce, inicial.

"Diante da noticia da metástase, a paciente vivencia novamente todos os sentimentos surgidos no momento do diagnóstico, em alguns casos de forma dobrada. Num segundo momento, seu foco e sua energia devem se voltar para o controle da doença, sempre buscando qualidade diante dessa nova fase da vida”.

Jussara Del MoralJussara Del Moral, 48 anos, tem sorriso largo e risada prolongada. Funcionária pública, adepta às baladas, às viagens e aos planos para a vida, ela convive com o câncer desde 2006, e com metástases que surgem em períodos intermitentes. Ela conta que quando surgiu a primeira, ela sentiu medo:

"É uma notícia dolorida. Eu senti medo de morrer e comecei a planejar a minha morte”, lembra. Mas passado o impacto deu-se início à reinvenção de si mesma. Encarou e encara a doença de frente. Não deixou de viver, de passear, de trabalhar. Pelo contrário. Como é funcionária do INSS, atende muitas pacientes oncológicas, e afirma que ninguém sai de perto da sua mesa da mesma forma que chegou:

"Olha, eu sou metida, viu?! Mas digo que as ajudo e muito! Consigo transmitir mensagens de esperança, de coragem... tenho certeza que elas saem mais confiantes!”.

No dia em que foi entrevistada, Jussara acabava de sair do hospital, onde passou por cirurgia de uma metástase óssea. A moça estava ansiosíssima para retornar ao trabalho. "Eu quero mais é saber quais são as próximas fases do tratamento, fazer isso tudo logo e voltar a trabalhar, a sair. Eu hein... ficar em casa?”

Mudança de Foco

Uma metástase toma ainda mais conta da vida de uma paciente, que um câncer inicial. Mais consultas, mais exames, mais etapas de tratamento, mais desgaste emocional. Mas não se pode deixar que a doença tome conta da vida, porque a vida é muito maior que o câncer!

Para além dos momentos mais difíceis do tratamento, em que a dor, a fadiga e o cansaço aportam, é muito importante que a paciente encontre seus escapes e encontre-se dentro do câncer. Grupos de apoio, blogosfera, psicoterapia, exercícios físicos monitorados e, porque não, uma nova atividade profissional, condizente com as novas possibilidades do corpo.

"Já vi muitos casos em que o paciente precisou cessar a atividade profissional, mas descobriu outra que lhe dava muito mais prazer. Que lhe completava mais. O câncer não deixa de ser um momento de redescoberta, de olhar para dentro, para si”, lembra Holtz.

Renata BerzoiniPara Renata Berzoini, não há tempo e espaço para o câncer. A descoberta do tumor primário e da metástase ao mesmo tempo vieram quando o Gustavo ainda estava na barriga. Hoje, o bebê e o irmãozinho Henrique tomam conta da casa e da vida de Renata, e ela afirma que nem se lembra de que está em tratamento.

"Ah... você já viu, né? Com bebê em casa, não há chance para o câncer. E como estou fazendo radio, vou todos os dias para a região da Avenida Paulista. Saio do Hospital e passeio, relaxo, ando por lá...”

Preconceito – Embora o tempo e a vida estejam tomados pelas crianças que habitam seu mundo e os brinquedos espalhados pela casa, Renata sabe que esse tempo passará e já se prepara para encontrar uma nova ocupação. Ela diz que teme o preconceito:

"Por que vão dar o emprego a uma pessoa que pode morrer? Esse é meu maior problema. Ser aceita socialmente”.

A declaração de Renata tem tom de pesar, que logo se dissipa com uma nova perspectiva: "Mas eu estou seriamente pensando em voltar a estudar! A estudar psicologia!”.

Jusciane Ferreira do Santos, 36 anos, que iniciou a jornada de tratamento do câncer aos 29, diz que hoje não faz mais planos, mas busca viver cada dia amparada por uma fé sem limites.

"F. F. F.: Força, Foco e Fé, sempre!”.

De fato, Jusciane é de palavras e semblante fortes. Ela diz imperiosa, que não aceita o fato de que o câncer pode levá-la. "Eu luto com coragem, pois sei que o câncer está no meu sangue. Pode sempre voltar. Tenho que conviver com isso”. Ela conta que a presença da psicóloga em sua vida e de sua família é mais que fundamental para a manutenção da sua força, foco e fé.

"Mas há dias que são muito difíceis. Hoje chorei muito, pois terei que trocar a químio. Justo agora que meu cabelo estava voltando a crescer. Mas é assim... bola pra frente!”

Câncer, Metástase e Atividade Física

Quem olha para Silvania GonçalvesSilvania Gonçalves, 35 anos, não diz que está em tratamento de metástases ósseas. A jovem mãe, que chama os três filhos de "minhas bênçãos”, é educadora física e tem verdadeira paixão pela malhação e continua exercitando-se apesar do tratamento.

"Sempre, sempre pratiquei atividades físicas. Exercícios com peso, musculação, caminhada, dança, ginástica localizada (...). Tudo o que desse tempo para fazer! Comecei o tratamento em dezembro e o médico sugeriu que eu parasse”.

A moça não aceitou a verdade do médico e passou a pesquisar a interlocução entre o câncer e a atividade física. Mesmo à revelia, voltou para a academia!

"Voltei, mas faço tudo bem de leve. Cuido da minha postura, diminuí bastante o peso e exclui determinados exercícios da rotina”. E não é só isso. Ela ainda está fazendo caminhadas com uma amiga e pilates.

Silvania afirma que a atividade física é pressuposto fundamental para a sua vida além do câncer. "Eu tinha muitas dores, mas semanas depois de voltar aos exercícios elas simplesmente se foram. Antes de retomar minha rotina, eu ficava perdida em casa. Dormia muito. Hoje estou disposta, animada e em convívio social”.

Antes que a presente reportagem fosse escrita, Silvania escreveu para a repórter contando que o médico havia liberado a atividade física.

Para multiplicar informações sobre câncer e atividade física, Silvania criou a página OncoFitness no Facebook e é por esta via que se comunica com pacientes de todo o país. "Sei que ajudo muitas pessoas assim. Isso me faz uma pessoa melhor”.

O Câncer de Mama Metastático no Contexto Brasileiro

O Brasil precisa avançar e amadurecer muito em sua forma de atender as pacientes brasileiras com câncer de mama metastático. Nesta fase da doença, o tratamento multidisciplinar tão importante no contexto do câncer se faz ainda mais fundamental. Além do mais, de forma que a doença estará cada vez mais presente no país, cada indivíduo deve refletir sobre a forma como está olhando para um paciente próximo de si. Mulheres com câncer de mama metastático são especiais. Especiais pelas demandas do corpo e pelos impactos inerentes a trajetória de tratamento.

Especiais, pois se destacam entre milhares, por sua luta pela vida.

Como diz o diretor científico do Instituto Oncoguia, Dr. Rafael Kaliks, "Muito mais importante que uma nova terapia, é o apoio psicossocial e o acolhimento da equipe médica e de quaisquer pessoas que convivam com a paciente”.
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