12º Fórum Nacional Oncoguia - Dia 2 - 27/04/2022

Diagnóstico precoce e informação: elementos para guiar a jornada do paciente 

A priorização do câncer como política nacional passa por uma série de desafios. Com algumas estratégias – como abordado no primeiro dia do 12º Fórum Oncoguia –, é possível, sim, imaginar um cenário em que isso se torne realidade – ou pelo menos leve a uma melhoria substancial. 

Neste contexto, o diagnóstico precoce é um dos pontos principais. Descobrir a doença em estágios iniciais significa ter mais chances de cura. Com o câncer diagnosticado, começa uma jornada em que agilidade e fluxo de informações são pontos-chave para que o paciente avance as etapas sem se perder no sistema.  

Como garantir um diagnóstico ágil e de qualidade?

A jornada do paciente com câncer é bastante complexa. Muitos se perdem por não conhecer os passos e, em um piscar de olhos, um tempo precioso pode passar. Apesar do panorama ser desafiador, há estratégias que podem ser feitas para aprimorar a situação e também cases que já são aplicados para mudar a eficiência do sistema.

“O diagnóstico precoce do câncer, quando ele é descoberto ainda em estágio inicial, possibilita uma conversa aberta sobre cura e tratamentos mais rápidos, baratos e menos agressivos. Atualmente, muitos pacientes ficam perdidos dentro do sistema de saúde, em uma jornada que não tem prazo. É de extrema importância que ele chegue ao diagnóstico o mais rápido possível e que saiba o nome, sobrenome e apelido do seu câncer”. Luciana Holtz, presidente do Oncoguia.

Helena Esteves, coordenadora de advocacy e políticas públicas do Oncoguia, explicou os principais desafios da jornada do paciente com câncer até chegar a um diagnóstico definitivo e as melhorias necessárias para mudar esse quadro, que são:

  • Garantia de boa infraestrutura para a biópsia ser feita de maneira correta
  • Coordenação entre centro cirúrgico e laboratório de patologia e mais oferta de laboratórios (dos 6.000 laboratórios existentes no país, apenas 2.000 atendem ao SUS). 
  • Formação de mais patologistas, profissionais responsáveis pelo diagnóstico definitivo do paciente
  • Cumprimento e acompanhamento da lei dos 30 dias, que estipula prazo para que, a partir da definição da suspeita de câncer, sejam realizados os exames de confirmação 
  • Definição de prazo máximo para obter resultado da biópsia: levantamento informal com a rede Oncoguia apontou que existem pacientes que chegam a aguardar oito meses para saber o resultado do exame 
  • Educação dos pacientes oncológicos, que muitas vezes se perdem no processo e não sabem dos seus direitos, como o acesso ao resultado da biópsia

 Felizmente, já existem cases que estão mudando essa realidade, como apresentou Daniely Voto, diretora executiva do IGCC. Ela destacou projetos realizados pelo City Cancer Challenge para a melhoria da gestão do câncer nas cidades, que foram implementados em Porto Alegre e podem ser replicados em outras cidades.

Um deles, iniciado em março de 2022, dentro do Grupo Hospitalar Conceição – o maior hospital 100% SUS do Brasil – utilizou o câncer de pulmão e o melanoma para testar algumas estratégias para intervir positivamente na jornada do paciente.
 
A primeira delas é qualificar a atenção primária: dentro das 12 unidades básicas de saúde analisadas, foi percebido que é necessário capacitar melhor os profissionais, que muitas vezes não conseguem fazer a leitura correta dos sintomas e comportamentos de risco dos pacientes que procuram atendimento. Eles devem ser devidamente treinados para observar esses fatores e indicar quando um paciente é prioritário e deve ser recebido por um especialista.

Outro movimento estratégico é estabelecer um atalho no caminho do paciente rumo ao diagnóstico e tratamento, melhorando o acesso da pessoa com câncer até o especialista e utilizando ferramentas de tecnologia para isso. Um terceiro ponto é estabelecer processo eficiente de navegação no sistema, analisando o que é eficaz e o que não é.
 
Espera-se que, até o final de 2023, seja feita uma leitura da experiência e apresentação dos resultados, juntamente com uma análise de possibilidades jurídicas e financeiras para sua aplicação à prefeitura, governo estadual e Ministério da Saúde. Daniely também apresentou o Manual da Qualidade na Patologia, desenvolvido e enviado a todos os laboratórios de patologia de Porto Alegre, para que cada um deles possa criar seu próprio manual a partir disso, visando definir normas fixas para os procedimentos de biópsia. 

Biópsias e diagnóstico: prazos, cotas, remuneração e qualidade

A realização de biópsia é um momento de extrema importância para obter o diagnóstico correto e iniciar a terapia mais adequada, no tempo certo. Contudo, o setor sofre com falta de financiamento e equipamentos, além de ter acumulado ainda mais pacientes após a redução de procedimentos durante a pandemia: segundo Luiz Sergio Grillo, diretor do departamento de oncologia da Sobrice, a diminuição foi de cerca de 30%. 

Ele destacou a importância do acesso e do orçamento para a realização de biópsias, assim como a sustentabilidade dentro do processo. “O tratamento precoce é, sem dúvidas, o que vai garantir o melhor resultado e prognóstico. Precisamos melhorar a acessibilidade para atender os pacientes respeitando a lei vigente”.
 
No campo da mastologia, Rosemar Macedo, da Sociedade Brasileira de Mastologia, destacou que, quando há confirmação de um câncer de mama, espera-se que ele tenha sido diagnosticado através da biópsia com agulha grossa, que é o procedimento mais indicado para isso e que poupa a utilização do centro cirúrgico. Contudo, o número de casos para esse tipo de câncer no ano de 2019 indica que 76% dos pacientes chegaram ao diagnóstico sem uso da agulha grossa.

“Em Goiás, onde eu atuo, existem apenas dois centros que podem fazer esse diagnóstico para alguns tipos de sintomas – em casos mais complexos, ele pode ser realizado em apenas um hospital da capital. Sei que no Norte e Nordeste do país o acesso ao diagnóstico é ainda mais difícil. É essencial termos mais fontes de financiamento para o diagnóstico e para comprarmos essas agulhas. Há também todas as dificuldades que acontecem após o procedimento, no percurso ao laboratório, como a qualidade da avaliação e fixação do material, essenciais para fechar o diagnóstico e tomar a boa decisão terapêutica”, analisou o mastologista.

Outro problema destacado por Sandro Martins, oncologista clínica do Hospital Universitário de Brasília, é o tempo que demora para percorrer os estágios: “o trajeto entre a suspeita diagnóstica de câncer e o acesso ao tratamento é uma maratona. O paciente enfrenta dificuldades quando se encontra em um sistema fragmentado, com carência de insumos básicos e essenciais para os procedimentos que irão definir o diagnóstico. Hoje em dia, nos preocupamos com o que vai além do diagnóstico propriamente dito, mas até mesmo a obtenção de material para o simples diagnóstico já tem falhas. Essa má qualidade pode comprometer todo o planejamento terapêutico e a possibilidade de personalizar o tratamento”. 
 
Pascoal Marracini, presidente da Associação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Combate ao Câncer (ABIFICC), concorda com a análise: “A demora é tão grande para ser atendido que muitos pacientes recorrem às clínicas populares. Se houvesse uma integração entre atenção básica e serviços especializados não tenho dúvidas de que haveria mais resolutividade”. 

Rodrigo Guindalini, oncologista clínico e oncogeneticista, conselheiro do Oncoguia, destacou o papel dos testes moleculares e como o acesso a eles deveria ser prioridade. Veja alguns dos principais pontos:

  • “Os tumores não são iguais uns aos outros e às vezes não os tratamos necessariamente com base no local de sua origem, mas analisando as subclassificações baseadas nas alterações genéticas encontradas nele”.
     
  • “Sabemos que cada tumor tem uma trajetória e apresenta em sua composição mutações únicas, com genes específicos. E nesse cenário, conhecendo as informações genéticas, podemos considerar a possibilidade de usar a terapia-alvo como estratégia terapêutica”.
     
  • “Quando tratamos o câncer de pulmão da mesma maneira em todos os pacientes, por exemplo, tínhamos uma taxa de benefícios de 30% – em alguns casos o tratamento até podia piorar o quadro. Hoje sabemos que para tratar esse tipo de câncer é essencial avaliar as alterações moleculares do tumor, definindo uma terapia direcionada para aquele paciente, o que leva a até 70% de resultados efetivos com o tratamento”.

Conhecendo as melhores estratégias para diagnosticar o câncer precocemente

O diagnóstico precoce do câncer permite que o paciente tenha mais chances de cura. Para que isso ocorra, é necessário que as estratégias de rastreamento funcionem bem, com profissionais da atenção básica devidamente atentos aos primeiros sintomas e grupos de risco. Além disso, é essencial que as cirurgias e exames diagnósticos ocorram no tempo certo.

“O papel da atenção primária não é apenas rastrear o câncer nos pacientes assintomáticos, mas fazer o diagnóstico precoce naqueles que têm sintomas e auxiliar o paciente diagnosticado a dar início ao tratamento, fazer manutenção de terapia, ajudar na reabilitação e até mesmo oferecer cuidados paliativos, se for preciso. Existe uma imagem de 40 anos atrás de que a atenção primária é apenas a prevenção, quando na verdade ela está envolvida em toda a coordenação, principalmente em um sistema onde o paciente tem dificuldade de acessar, com filas de espera. É preciso que tenhamos uma estratégia sistemática, com maior adesão e cobertura”. Erno Harzheim, professor Medicina Família e Comunidade UFRJ e ex-secretário de atenção primária à saúde do Ministério da Saúde

“Efetividade e equilíbrio entre risco e benefícios dos programas de rastreamento estão ligados à adesão às recomendações de população-alvo e de periodicidade, integralidade da assistência e qualidade do rastreamento”. Arn Migowski, epidemiologista, chefe da Divisão de Detecção Precoce do INCA

Para ajudar nessa maior resolutividade da atenção primária e no correto encaminhamento dos pacientes com sinais e sintomas de câncer, o estado de São Paulo elaborou um Protocolo de alta suspeição do câncer. 

“O documento elaborado no estado de São Paulo, com a Secretaria de Segurança em Saúde e um Comitê de Oncologia, aponta os critérios clínicos e laboratoriais da alta suspeita de um caso oncológico. Sua utilização é importante tanto na função de planejamento, para ser utilizada por gestores, como na função assistencial, auxiliando os profissionais a realizarem o diagnóstico. O documento aponta os quadros clínicos, principais sinais e sintomas para a suspeita, quais exames podem confirmar o diagnóstico e como proceder no encaminhamento do paciente”. Sônia Lanza Freire, coordenadora do grupo condutor de doenças crônicas da SES/SP

Também foi vista a importância do diagnóstico precoce para que as cirurgias oncológicas possam ser mais efetivas e até curativas.   

“A cirurgia oncológica é a principal opção de tratamento dos pacientes com neoplasias sólidas. Uma estimativa global previu que, até 2040, mesmo com a evolução dos tratamentos sistêmicos, a necessidade de realizar o procedimento cirúrgico não vai diminuir e apenas 1/4 dos pacientes com câncer de todo o mundo terão acesso à cirurgia. Sabemos que, hoje, na rede pública brasileira, os centros habilitados já não atingem a meta estabelecida pela Portaria de Assistência Oncológica de realizar 600 procedimentos por ano”. Heber Salvador de Castro Ribeiro, cirurgião oncológico e presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO)

Estratégias para o paciente não se perder no sistema de saúde

São inúmeras as histórias de pacientes com câncer que ficam perdidos, sem saber qual o próximo passo no tratamento. O processo muitas vezes não é transparente e não tem prazos definidos, o que pode resultar em um diagnóstico com o estágio da doença mais avançado.
 
Mônica Strege, paciente e voluntária do Oncoguia, relatou a dificuldade que encontrou para obter seu diagnóstico de câncer de pulmão dentro de um sistema de saúde suplementar. Desde o aparecimento dos primeiros sintomas, ela passou por diversos médicos diferentes, que muitas vezes lhe diziam que ela havia apenas um refluxo. Os sintomas persistiram e pioraram, obrigando Mônica a seguir sua navegação dentro do sistema para finalmente fazer o exame mais adequado para detectar o câncer e iniciar os devidos tratamentos.
 
Para João Marcelo Barreto Silva, coordenador-geral de regulação e avaliação do Ministério da Saúde, não há um dono da fila de espera por exames: “A fila é responsabilidade sanitária do gestor da saúde pública e responsabilidade operacional do conjunto da rede e de estruturas de regulação. Todos são responsáveis em garantir acesso, atendimento de qualidade e transparência à população”. 
 
Tiago Farina Matos, conselheiro estratégico de advocacy do Oncoguia, lembrou que “em 2016, o Oncoguia apresentou uma sugestão de Projeto de Lei no Congresso pedindo pela transparência nas filas de espera, para o paciente ter conhecimento de quando e onde será atendido e toda a sociedade poder acompanhar essa fila. A sugestão virou um Projeto de Lei em 2018 e inspirou outros projetos”.

Na avaliação dele, a transparência permite que todos conheçam o problema: “Considerando que o conhecimento está disperso na sociedade, o fato de conhecer o problema permite que mais pessoas tenham condições de avaliar, cobrar melhorias, fiscalizar abusos e propor melhores soluções. A transparência não vai resolver o problema por si, mas sem ela é difícil fazer qualquer coisa para resolvê-lo. Nenhuma política pública nasce perfeita, mas a transparência permite que a gente encontre e visualize as falhas para que a sociedade cobre os gestores e os gestores conheçam suas dificuldades”.

Linhas de cuidado, plano de saúde, telemedicina e navegação do paciente

A implementação de linhas de cuidado de doenças crônicas não transmissíveis pode evitar gargalos no sistema de saúde e auxiliar no rastreio e tratamento do câncer. Karoliny Evangelista de Moraes Duque, assessora da coordenação-geral de prevenção de doenças crônicas e controle do tabagismo do Ministério da Saúde, destacou alguns pontos neste contexto.

Para Kátia Audi Curci, coordenadora de Indução à Melhoria da Qualidade Setorial ANS, não é só no sistema público que o paciente se perde nas etapas do processo. Isso também ocorre na saúde suplementar. Por isso, na visão dela, “a coordenação do cuidado tem um papel fundamental na organização e acompanhamento do fluxo de referência e correspondência, ferramentas essenciais para a continuidade do processo”.

Segundo ela, esse fluxo de informação e a confiança na relação médico-paciente são primordiais: “Os profissionais devem sempre manter o paciente e seus familiares atualizados sobre sua condição de saúde e de tratamento, estimulando sua educação, empoderamento, autoconhecimento e participação ativa na tomada de decisões. Outro aspecto importante é o estabelecimento de vínculo entre o profissional de saúde de referência e o paciente, pois a confiança é um fator indispensável para que haja adesão ao tratamento proposto e participação nas decisões junto à equipe. Para que a comunicação ocorra de forma eficaz, é essencial que a linguagem seja compreensível, pois em muitos casos o paciente se perde pela falta de clareza nas informações”.

Outro ponto que pode contribuir para que o paciente siga as etapas dentro do sistema é a telemedicina. Carlos Pedrotti, gerente médico do centro de telemedicina do Hospital Israelita Albert Einstein, lembrou que essa nova tecnologia, recém-regulamentada em caráter definitivo, tem dois usos principais. 

Um é a teleinterconsulta: ao invés do médico da atenção básica encaminhar o paciente fisicamente ao especialista, ele traz o especialista para a realização de uma consulta tripla. Isso evita que o paciente se desloque ainda mais e reduz o tempo da consulta. Um experimento com essa ferramenta em pontos de atendimento na região Norte de São Paulo mostrou que, em 95% dos casos, houve resolução do problema sem que o paciente precisasse ir até o especialista. 

Outro é o atendimento direto: é possível resolver situações de baixa complexidade consultando-se diretamente com o médico pela plataforma online, evitando que ele procure o pronto socorro e, dessa forma, deixando o sistema mais livre aos que necessitam mais dos cuidados presenciais.

Ainda, a figura do navegador de pacientes pode ajudá-los a entender o sistema de saúde e dar o próximo passo.

"Harold Freeman: A navegação de paciente é um processo em que um indivíduo, chamado navegador de pacientes, guia as pessoas com diagnóstico ou suspeita de alguma doença crônica, ajudando-as a navegar pelos sistemas de saúde”. Daniele Castelo Branco, gestora da Associação Nossa Casa

Expediente 
Texto: Carolina Melo
Edição: Natalia Cuminale

Clique aqui e assista à íntegra do primeiro dia do 12º Fórum Nacional Oncoguia.

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