12º Fórum Nacional Oncoguia - Dia 3 - 28/04/2022
Incorporação de tecnologia e acesso: a saúde que queremos e podemos ter
Ao mesmo tempo que a pandemia escancarou inúmeras necessidades na saúde, também acelerou diversos avanços da tecnologia e, com ele, a agilidade em determinados processos. Como conquistar processos mais ágeis e simples em outras questões de saúde, além da Covid-19?
Antônio Britto, diretor executivo da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), jogou luz a essa discussão: “Estamos saindo de uma pandemia que colocou as questões de saúde no centro das preocupações diárias da humanidade, nunca houve tanto espaço para que se refletisse sobre a importância dos autocuidados e do sistema de saúde. Mas agora que a pandemia parece terminar, não se pode fechar essa página, para que a gente aprenda com o que ela nos ensinou dolorosamente. Vimos como a integração entre setores público e privado é fundamental, mas isso não pode acontecer apenas na hora da emergência. Quantos brasileiros não perdem qualidade de vida, ou até mesmo a vida, com os meses de espera pelas consultas, exames e tratamentos?”.
Para ele, o acesso à saúde precisa abranger mais pessoas e mais tratamentos e o financiamento precisa ser adequado para o cenário do câncer avançar.
“A política do país não valoriza a promoção e prevenção, com levantamentos, monitoramentos e combate à obesidade, sedentarismo e tabagismo, por exemplo. O que não fazemos no campo da prevenção gera um número crescente de pessoas com doenças crônicas que, somado ao envelhecimento da população, joga para cima do sistema de saúde uma conta que não fecha e não vai fechar. No Brasil, a gente cuida mais ou menos da doença e muito pouco da saúde, o que torna mais difícil cuidar da doença”. Antônio Britto, diretor executivo da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp)
Como podemos melhorar o processo de incorporações de tecnologias na oncologia
Quando um novo medicamento entra no Brasil, são pelo menos quatro etapas até ele chegar ao paciente. Primeiro ele passa pela ANVISA, que analisa sua segurança e eficácia. Depois, há um processo de definição de preço, seguido pela Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS), que discute se o tratamento deve ser disponibilizado nos sistemas de saúde. Esse processo é feito pela CONITEC, para o SUS, e pela ANS, para o sistema privado. É nesse momento que ocorre uma ampla discussão sobre o medicamento e o que ele significa na vida dos pacientes, caso incorporado.
Há um ponto que permeia todo esse processo e o sistema de saúde em si: o financiamento. Para André Ballalai, diretor de acesso e valor da IQVIA, nos Estados Unidos, “o modelo de financiamento da oncologia no SUS foi desenhado em outro contexto, há cerca de 20 anos. Nesse período, a oncologia tinha um grande arsenal de medicamentos com custo parecido. Naquela época, o financiamento por pacotes, com a APAC, fazia sentido. Mas hoje precisamos repensar esse sistema a partir do momento em que falamos cada vez mais sobre medicina personalizada e terapia-alvo. Temos um Ministério da Saúde capaz de harmonizar e orquestrar esse financiamento”.
Renata Curi Hauegen, diretora de public affairs e acesso à saúde da Prospectiva, aprofundou essa visão de terapias mais modernas e lembrou que o preço é uma barreira de acesso: “Temos terapias cada vez mais sofisticadas e é evidente que o preço pode ser uma barreira na incorporação de novas tecnologias. Isso é um contexto global, que impacta todos os sistemas de saúde, até mesmo de países desenvolvidos”.
Dentro desse contexto, Denizar Vianna, professor associado da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ e ex-secretário de ciência, tecnologia e insumos estratégicos do Ministério da Saúde, trouxe para reflexão se o foco em neoplasias ajudaria no planejamento e previsibilidade orçamentária:
“O incremento das novas tecnologias não acontece na mesma velocidade do aumento da capacidade orçamentária. É fundamental ter mais previsibilidade na oncologia. Não é possível propor o mesmo orçamento para todos os tipos de neoplasias, mas podemos trabalhar com os 6 tumores mais prevalentes do Brasil, que representam 80% da demanda oncológica do SUS. Com a priorização explícita deles, é possível se planejar e usar melhor o orçamento, fazendo o monitoramento tecnológico de novos tratamentos que chegam e são capazes de mudar a história da doença”.
Vânia Cristina Canuto Santos, que atua no Ministério da Saúde como diretora do departamento de gestão e incorporação de tecnologias e inovação em saúde, pontuou a questão da pós-implementação. Para ela, “o monitoramento e reavaliação após a implementação de uma nova tecnologia é uma etapa imprescindível para o desinvestimento e desincorporação. Isso gera a possibilidade de realocar recursos em saúde e manter a sustentabilidade do sistema, que poderá investir em outras tecnologias”.
Carisi Anne Polankzyk, cardiologista, coordenadora do INCT-IATS, professora UFRGS, pesquisadora e consultora em TDABC e VBHC, avalia que a criação de uma agência única poderia trazer mais celeridade considerando o contexto atual: “A proposta de Agência Única consiste na criação de um órgão independente que combine diferentes atribuições, havendo uma sinergia entre as atividades que hoje são feitas pela Conitec, ANS e CMED. Esses órgãos muitas vezes trabalham com as mesmas informações, como segurança, eficácia e efetividade. Dessa forma, haveria uma diminuição de redundância no processo. A Agência Única teria um caráter técnico e científico, com rigor metodológico, subsidiando o gestor com informações que auxiliam na tomada de decisões. A proposta não atribui à Agência apenas a responsabilidade de incorporar novas tecnologias, mas de avaliar, monitorar e desincorporar, se preciso. O uso de inteligência e análise de dados, com evidências da vida real do paciente, também seriam ferramentas na criação desse órgão ágil e transparente. Se ela vai funcionar eu não sei dizer, mas sei que se não pensarmos e agirmos diferente, não teremos resultados diferentes”.
“Não podemos sacrificar a inovação e é algo positivo que a velocidade de lançamento de novos produtos acelerou, porque tudo que está vindo é para ajudar o paciente e melhorar sua sobrevida. Ninguém melhor do que os médicos e oncologistas para defender isso e definir se esses medicamentos devem ser utilizados e inseridos nos protocolos”. Eduardo Calderari, vice-presidente executivo da Interfarma
Planos de saúde e o acesso ao tratamento mais atual e efetivo
Os pacientes que contam com a saúde suplementar também enfrentam obstáculos para o tratamento do câncer, muitas vezes com necessidade de judicialização para ter acesso a um medicamento já aprovado.
Este foi o caso de Cláudia Lopes, paciente e voluntária Oncoguia. O médico dela indicou uma medicação para tratar seu câncer de pulmão com uma mutação específica. O tratamento, embora já aprovado pela Anvisa, ainda não estava no rol da ANS. A paciente teve de apelar para a judicialização contra o plano de saúde para finalmente ter acesso ao medicamento:
“Hoje minha saúde está estável, mas fico me perguntando como eu estaria se não tivesse começado o tratamento antes dele ser aprovado. Infelizmente, o paciente que já tem um desgaste natural com a doença precisa enfrentar mais uma luta”, conclui Cláudia.
A atualização do rol da ANS é um tema conhecido de quem precisa de tratamento pelo plano de saúde. Carla de Figueiredo Soares, diretora-adjunta da Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos da ANS, lembra que sempre houve o processo de atualização do rol, mas a partir de dezembro de 2018 este rito foi oficializado em manual:
“Isso trouxe transparência. A sociedade pôde entender como é feita a atualização e os processos para isso. A partir desse normativo houve o incremento e aprimoramento desse processo. Trouxemos regras claras, critérios para análise, tempos e movimentos, cronogramas para a sociedade estar ciente de quando e como esses processos ocorrem. Em seguida, observou-se a necessidade de aprimorar mais e buscamos a redução do tempo de atualização e a medida provisória foi convertida na Lei 14.307. Nesse cenário, temos vigentes resoluções que tratam do fluxo e do prazo. No novo rito, a submissão é contínua. A qualquer momento, qualquer pessoa física ou jurídica pode submeter um procedimento para análise da ANS”.
“Acreditamos que um medicamento aprovado pela ANVISA deve estar disponível para todos. E a importância de informar e empoderar o paciente, como faz o Oncoguia, por exemplo, é fundamental e uma questão de cidadania”. Marisa Madi, médica e diretora executiva da SBOC
“Acompanho com otimismo o processo de aprimoramento de incorporação e sei da complexidade que isso envolve. Porém, do ponto de vista do paciente, precisamos considerar a legítima preocupação com a demora. Esse gap existente entre o processo de análise e incorporação e o acesso efetivamente impacta na saúde e traz o próprio conceito de acesso à saúde, de equidade e justiça. Os avanços são notórios, a transparência do processo é vital, mas ainda estamos longe da velocidade”.
Catherine Moura, médica sanitarista e CEO da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale)
“A sensibilidade que a ANS teve em perceber essas necessidades também deve existir no Poder Judiciário, garantindo que o consumidor realize seu tratamento em tempo adequado, com acesso a correspondente prescrição médica baseada em eficácia e critérios clínicos seguros, sem restrições ou problemas para discutir seus direitos”. Marina Paullelli, advogada do programa de saúde Instituto Brasileiro Defesa ao Consumidor (IDEC)
“Como gestores, vemos que não adianta todo o esforço em atualizar o rol e o protocolo seguir engessado. Às vezes, não se trata apenas de não receber o tratamento eficaz e indicado para a patologia. Quando uma nova tecnologia chega, não significa que a antiga não seja boa para um determinado paciente. As tecnologias antigas também podem ser boas. Devemos refletir sobre como ampliar o acesso para uma população que está envelhecendo cada vez mais com um recurso financeiro que é limitado”. Juliana Bush, diretora de previdência e assistência da Capesesp
Expediente
Texto: Carolina Melo
Edição: Natalia Cuminale
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