5º Fórum Oncoguia de Câncer de Pulmão
Importâncias e desafios do diagnóstico molecular
O acesso ao teste foi tema central da edição deste ano, realizada em Brasília em parceria com o GBOT.
O que você encontra por aqui:
- O que é o teste molecular e por que ele é importante para o diagnóstico do câncer de pulmão?
- Como é possível realizar o teste molecular hoje?
- Quais são os problemas para o acesso ao teste molecular?
- Por que o paciente de câncer de pulmão precisa se informar sobre o diagnóstico molecular?
“Foi um baque. Você parte do pressuposto que se você tem hábitos saudáveis, você não vai ter a doença. Como eu nunca fumei, achava que o câncer de pulmão era algo que não podia acontecer comigo”, começou Claudia Lopes, voluntária do Oncoguia e paciente com câncer de pulmão estágio IV, durante a abertura do 5º Fórum Oncoguia de Câncer de Pulmão.
O evento, realizado na terça-feira (22/8) em Brasília, foi organizado pelo Oncoguia em parceria com Grupo Brasileiro de Oncologia Torácica (GBOT). Como tema central, o Fórum discutiu o cenário do câncer de pulmão no Brasil, assim como estratégias e soluções para melhorar o acesso ao diagnóstico e tratamentos efetivos.
Ao lado de Iane Cardim, também voluntária do Oncoguia e paciente de câncer de pulmão estágio IV, Claudia usou seu exemplo para introduzir os desafios de diagnóstico do câncer de pulmão no Brasil, que passam por estigma dos pacientes, má formação de profissionais, falta de informação e, principalmente, falta de acesso ágil aos cuidados necessários.
No Brasil, o câncer de pulmão é o terceiro mais incidente em homens e o quarto em mulheres, além de ser o primeiro entre as causas de morte por câncer. Na última década, evoluções e pesquisas desenvolveram testes moleculares sofisticados, biópsias menos invasivas e drogas específicas para cada tipo de tumor. Mas não para todos.
Hoje, cerca de 90% dos cânceres pulmonares são diagnosticados já em estádio avançado. Além disso, poucos conseguem descobrir o “nome e sobrenome do câncer”, como coloca Claudia.
“Meu câncer é um adenocarcinoma de não pequenas células, como o da Iane, mas com uma mutação”, conta. O câncer de Claudia tem uma fusão de genes chamada de EGFR-RAD51. “Estava prestes a continuar o tratamento com imunoterapia e quimio quando recebi o resultado. Isso mudou completamente meu tratamento e minha vida.”
Conhecer o perfil genético do seu câncer possibilitou a prescrição de um tratamento mais personalizado e direcionado para o seu caso. Hoje, Claudia está há cinco anos com a mesma medicação, um tipo de terapia-alvo, e com a doença estável.
“Mas isso só foi possível por um conjunto de coisas. Dentre elas ter acesso, o que infelizmente não é uma realidade para todo mundo. E informação, porque se eu não tivesse conhecimento e procurado uma segunda opinião e saber sobre outras possibilidades, ainda estaria seguindo um tratamento que não é efetivo para o meu caso e que não me daria a qualidade de vida que tenho.”
Um dos exames necessários para se descobrir o perfil do tumor a nível genético é o diagnóstico molecular, não é acessível para grande parte dos pacientes com câncer de pulmão. Os obstáculos de acesso são diversos, passando por problemas econômicos, de gestão pública, de formação de profissionais e educação.
O debate em torno do acesso ao teste genético foi o tema central da primeira mesa de discussão do 5º Fórum Oncoguia de Câncer de Pulmão.
Por que o teste molecular é importante para o diagnóstico do câncer de pulmão?
O diagnóstico molecular é um exame que identifica mutações genéticas específicas presentes nas células cancerígenas. Com ele, médicos podem selecionar terapias direcionadas e inovadoras, aumentando o tempo de sobrevida e melhorando a qualidade de vida dos pacientes.
Segundo um dos palestrantes convidados do Fórum, o oncologista clínico especialista em tumores torácicos e mamários do departamento de Oncologia Clínica do AC Camargo Câncer Center, em São Paulo, Vladmir Cláudio Cordeiro de Lima, o câncer de pulmão não é uma doença única, portanto, as melhores estratégias de tratamento para exigem a identificação correta do tumor.
“De 60 a 80% dos carcinomas pulmonares de não pequenas células possuem alguma alteração genética para a qual já existe alguma estratégia de tratamento direcionado especificamente para ela e que trará um desfecho para o paciente melhor do que a quimioterapia”, comentou Lima, citando dados da evolução na sobrevida mediana dos pacientes nos últimos anos.
Em 2002, quando todas as possibilidades de câncer de pulmão de não pequenas células eram tratados como uma só doença, a sobrevida mediana era de apenas oito meses, e só dois em cada dez pacientes continuavam vivos após dois anos. Hoje em dia, com o conhecimento que o perfil genético do câncer de pulmão impacta no sucesso do tratamento e com o desenvolvimento de novos medicamentos de terapia alvo, que atingem os genes específicos do tumor, a sobrevida de um paciente que carrega alguma mutação pode superar os nove anos.
Outro ponto importante é que, ao selecionar o tratamento mais efetivo para o tipo de tumor, o paciente também ganha em qualidade de vida. “Hoje vemos não só pacientes vivendo mais, mas vivendo bem, que é até mais importante do que só estender a sobrevida”, disse Lima.
Além disso, o diagnóstico molecular também indica quais tratamentos não são indicados para o paciente. A imunoterapia, por exemplo, não é um tratamento indicado para pacientes com mutações do gene EGFR, como o da Claudia. “Para pacientes que não possuem mutações, a imunoterapia foi capaz de dobrar a sobrevida. Hoje cerca de 25% a 30% dos pacientes estão vivos depois dos cinco anos. Mas para quem carrega alguma alteração genética, ela não funciona ou funciona muito pouco”, disse Lima durante sua apresentação.
Entretanto, no Brasil, o teste molecular não é coberto pelo Sistema Único de Saúde (SUS), dificultando também o acesso para quem não depende exclusivamente do sistema público “porque a maioria dos exames genéticos não são reembolsados pelos convênios e são exames caros”, comentou Lima. Esse cenário, combinado com a falta de tratamentos mais modernos, resulta em cerca de 75% dos pacientes receberem terapias de 20 anos atrás.
Acesso no Brasil: uma cadeia de problemas
Atualmente no Brasil, pacientes conseguem realizar o exame molecular, basicamente, de três maneiras: através de pesquisas clínicas, do próprio orçamento ou de iniciativas conjuntas da indústria farmacêutica.
Um exemplo é o Lung Mapping, projeto fruto da união das farmacêuticas AstraZeneca, Pfizer e Roche, que possibilita o teste para pacientes com câncer de pulmão de não pequenas células avançado subtipo não escamoso. Desde seu início, em 2019, mais de 10 mil pacientes foram beneficiados.
Mas ainda há um longo caminho a percorrer para garantir o acesso ao diagnóstico molecular a todos os pacientes de câncer de pulmão. De acordo com uma pesquisa de 2016 apresentada pela presidente do GBOT, Clarissa Baldotto, mais da metade (54%) dos pacientes no Brasil não são testados. “É uma taxa inferior da que vemos em outros países e, quando são testados, a maioria é apenas para uma ou duas mutações, sendo que existem centenas de possibilidades para o câncer de pulmão”, afirmou Baldotto. O exame de perfil molecular do tumor realizado pelo Lung Mapping contempla até 324 genes relevantes para a conduta clínica.
O que barra o diagnóstico molecular para câncer de pulmão?
Um dos motivos apontado pelos especialistas presentes no Fórum para esse gargalo passa pelo modelo de financiamento de procedimentos oncológicos pelo SUS. “Os valores repassados para os laboratórios realizarem os exames não é o suficiente nem para comprar uma agulha de biópsia”, argumentou Luiz Sérgio Grillo, diretor de Defesa Profissional da Sociedade Brasileira de Radiologia Intervencionista e Cirurgia Endovascular (Sobrice), que participou do Fórum Oncoguia virtualmente.
Segundo levantamento apresentado pelo palestrante, o valor ressarcido pelo Ministério da Saúde para uma biópsia guiada por tomografia é de 97 reais. O procedimento, que envolve a retirada de uma amostra de tecido do pulmão, é essencial para o teste molecular.
Outro entrave na realização do exame passa pelas dificuldades dos médicos patologistas, essenciais nas análises das biópsias e nos testes moleculares. Segundo Clóvis Klock, presidente da Sociedade Brasileira de Patologia (SBP), palestrante do Fórum Oncoguia, hoje, cerca de 30% das amostras resultam em inconclusivas para o teste molecular por mau processamento.
“A amostra tem que ser bem manuseada. Nem todos os laboratórios têm material para a coleta e meios de armazenamento adequados”, disse. Caso a amostra não passe pelos procedimentos corretamente, perde qualidade para a definição exata do tumor.
Os problemas não param por aí. Seguindo uma cadeia de obstáculos, os especialistas também levantaram a falta de formação de profissionais.
Há uma distribuição desigual de médicos capacitados no país. Segundo Klock, o número de patologistas no Brasil está abaixo do que preconiza a Organização Mundial de Saúde (OMS), de 2,4 patologistas para cada 100 mil habitantes. “No Brasil, a média é de 0,76 médicos por 100 mil habitantes, com alguns estados com taxas ainda inferiores, o que impacta na velocidade das biópsias e do início do tratamento”, avaliou. Em média, no Brasil, o resultado da biópsia sai em 50 dias, o que ultrapassa o limite de 30 dias imposto por lei (13.896/2019).
Por outro lado, a presidente do GBOT apresentou uma pesquisa conduzida pelo Grupo em que 49% dos oncologistas dizem não solicitar o teste molecular completo a seus pacientes. “Entre os motivos apresentados estavam o acesso ao exame, a demora para o resultado e, o que mais nos incomodou, é por não saberem interpretar o painel completo”, ressaltou Baldotto.
A formação profissional também é um problema no começo da jornada do diagnóstico. Segundo Luciana Holtz, presidente do Oncoguia, o médico sai mal formado da universidade para diagnosticar o câncer. “Mais de 60% dos pacientes com câncer de pulmão tem que passar por dois ou mais médicos para fechar o diagnóstico porque vários especialistas – como pneumologista, otorrino, clínicos gerais, alergistas – demoram para suspeitar de câncer”, afirmou.
Para o paciente, esse cenário torna a jornada do diagnóstico tão longa e desafiadora que a confirmação da doença chega a ser recebida de forma otimista. “O paciente sente até um alívio quando recebe o diagnóstico porque agora sabe o que é que há um tratamento”, afirmou Holtz.
Conhecimento como aliado
Uma das formas de melhorar a realidade do paciente que vive com o câncer de pulmão é a difusão de informação e conhecimento para o paciente. Para as voluntárias do Oncoguia, a informação sobre os testes genéticos e a relação disso com melhores prognósticos e aumento da qualidade de vida tem que chegar ao paciente também.
“Temos que confiar nos médicos, obviamente. Mas, principalmente no SUS, a gente não pode botar a nossa vida na mão deles porque eles estão limitados. O que passamos para outros pacientes é ‘você precisa agir, você precisa se informar, correr atrás’”, ressaltou Claudia Lopes. Ela e Iane, como voluntárias do Oncoguia, ajudam a informar pacientes de câncer de pulmão e a dar luz e esperança diante de um diagnóstico difícil e cheio de estigma.
“O câncer não é uma sentença de morte, mas é preciso que o paciente se empodere de sua própria história”, acrescentou Iane Cardim.
O 5º Fórum Oncoguia de Câncer de Pulmão também abordou as possíveis soluções para o acesso ao diagnóstico e novidades que estão melhorando a realidade do câncer de pulmão no Brasil e no mundo. Assista a transmissão completa na TV Oncoguia.
Minimizar as barreiras de acesso aos tratamentos requer participação de qualidade
O papel do poder público, sociedades médicas e de pacientes para suprir as lacunas de acesso a diagnóstico e tratamentos foram temas de debates no 5º Fórum Oncoguia de Câncer de Pulmão.
A programação do 5º Fórum Oncoguia de Câncer de Pulmão deu destaque à soluções para diminuir os entraves de acesso aos tratamentos, complementando a parte da manhã do evento.
Fernando Maia, Coordenador-Geral da Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer, como representante do Ministério da Saúde (MS), disse que um dos primeiros passos é dar atenção às políticas de prevenção. “Nunca vamos dar conta dos casos de câncer de pulmão se não atacarmos as causas”, disse Maia, que enfatizou que o MS pretende atualizar e ampliar o programa antitabagismo.
“É um programa bastante exitoso, mas que ficou estagnado por alguns anos. Pretendemos retomar e incluir novas ameaças, como os dispositivos eletrônicos de fumar, que claramente têm que ser combatidos.”
Em relação ao rastreamento do câncer de pulmão, Maia afirmou que um amplo estudo deve ser realizado para a implantação de uma diretriz nacional. “Precisamos determinar de maneira clara se o rastreamento é custo-efetivo no Brasil, para quem ele seria recomendado e em que contexto”, afirmou. “Temos evidências que apoiam essa abordagem, mas há discordâncias na literatura. O Ministério está aberto para fazer esse debate à luz das evidências científicas”.
Sobre isso, Gustavo Prado, pneumologista e coordenador da Comissão de Câncer da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), convidado do Fórum Oncoguia, ressalta que o rastreamento precisa entrar nos novos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para câncer de pulmão, atualmente em avaliação pelo MS. Esses documentos estabelecem critérios e melhores condutas para o diagnóstico e tratamento do câncer de pulmão.
Já sobre a incorporação do teste molecular pelo SUS, Maia levanta outro obstáculo. "Não temos como incorporar o teste sem incorporar também o tratamento subsequente. Temos que fazer isso de forma casada, não trabalhar de forma isolada”. Para Maia, ainda há muito o que fazer para que o acesso ao diagnóstico molecular seja maior. “Temos que ter uma programação em saúde, definir quais pacientes precisariam do teste, onde estão e quais são os equipamentos de saúde necessários. Isso tudo considerando que o cenário do Brasil é ruim, de pouca disponibilidade e com complexos problemas estruturais”.
Por fim, Maia também informou que o Ministério da Saúde, em uma parceria com o Instituto Nacional do Câncer (INCA), está trabalhando em um novo material para melhorar a detecção precoce do câncer de pulmão. O material servirá para capacitar médicos da Atenção Primária a reconhecer quais sinais e sintomas devem levar a uma suspeita de câncer e quando encaminhar para uma atenção especializada. O coordenador não deu uma previsão de quando esse material estará disponível.
Participação: experiências de pacientes e especialistas são essenciais para a incorporação de novas tecnologias no SUS
A participação popular nos processos de incorporação de novas tecnologias no SUS também foi discutida pelos especialistas presentes. De acordo com Clarissa Baldotto, os mecanismos de participação da sociedade não são acessíveis. “Eu fiz um exercício de buscar as consultas públicas para câncer de pulmão em andamento como se eu fosse uma paciente interessada em participar. E tive muita dificuldade para achar informação nos sites oficiais” comentou.
O desafio não é apenas para o público leigo. “Até oncologistas que não acompanham as novidades de câncer de pulmão com muita frequência tem dificuldades. As informações estão espalhadas, não se complementam”, contou Baldotto.
Para Luciana Holtz, presidente do Oncoguia, isso dificulta que depoimentos importantes sejam considerados para novas incorporações. “Se o especialista não está lá para dizer ‘isso tem que entrar porque faz muita diferença’, nada adianta”, disse Holtz que enfatizou a necessidade de incentivar a participação de médicos e pacientes nas Consultas Públicas (CPs) da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS).
O Oncoguia trabalha para capacitar pacientes interessados em participar em CPs, tanto para facilitar o acesso às consultas, como para potencializar o depoimento. “Uma das estratégias que usamos é incentivar o paciente a não viver o processo no automático. Conhecer o nome do medicamento que usa, como ele funciona, como o paciente teve acesso e quais as melhorias percebidas e realmente vividas ajuda muito”, afirmou Holtz.
Na visão dos especialistas convidados do Fórum, cada frente pode contribuir para uma oferta de tratamento mais contemporânea. “As sociedades médicas, por exemplo, podem contribuir com uma camada a mais de conhecimento para ajudar na decisão de incorporar ao não um procedimento ou medicamento”, disse Gustavo Fernandes, oncologista clínico e membro da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC).
Por exemplo, o oncologista disse que a SBOC avalia fazer parcerias para incluir estudos de custo-efetividade nas análises feitas pela sociedade para contribuir com as discussões da Conitec. “A gente que está no atendimento clínico não vê custo, a gente vê melhora, vê qualidade de vida. Mas o custo-efetivo é essencial para a análise de incorporação e deve ser considerado. Por isso pensamos em uma colaboração”, finalizou.
O 5º Fórum Oncoguia de Câncer de Pulmão pode ser assistido na íntegra pelo canal TV Oncoguia, no Youtube.
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