[ARTIGO] Ampliação de tratamento do câncer no SUS?
Ampliação de tratamentos do câncer no SUS?
É louvável o aumento de recursos destinados a tirar de um atraso inaceitável o tratamento para diversos tipos de câncer na nossa população. Como maior provedor de atenção médica no Brasil, qualquer melhoria na atenção médica no SUS tem um grande impacto na saúde de 80% da população brasileira. O avanço na área da oncologia tem permitido que diversos países no mundo reduzam a mortalidade pelo câncer, e mais ainda o impacto negativo da doença na qualidade de vida das pessoas. Estes avanços são incorporados rapidamente na saúde privada em nosso País, mas devido ao alto custo, falta de decisão política e problemas gestão a sua incorporação no SUS não vem ocorrendo. Deste modo, acabam existindo dois mundos diferentes de oportunidades de cura e qualidade de tratamento nos setores público e privado. O nítido atraso na incorporação de novos tratamentos pelo SUS tem levado a iniciativas locais de ampliação de recursos disponibilizados por alguns governos dos estados, como no caso de São Paulo com a criação da APAC paulista.
Neste contexto, o novo aporte de recursos federais que atualiza o reembolso para diversos procedimentos no SUS e cria condições de oferecer novas drogas mais eficazes em todo o território nacional, é um grande passo. A incorporação de tecnologias a um custo bastante inferior àquele que é pago pela medicina privada demonstra também que atrelado ao imenso número de usuários do SUS, o Ministério da Saúde detém um grande poder de negociação com os laboratórios. Avaliando cuidadosamente os valores atualizados, notamos, porém, que eles limitarão significativamente a incorporação de diversos tratamentos já com eficácia comprovada.
Paralelamente à atualização dos valores pagos pelo SUS para diversos tratamentos, uma nova iniciativa vem objetivando melhorar a qualidade do tratamento nas diversas áreas médicas. Um conjunto de diretrizes de tratamento para diversas doenças vem sendo apresentado para consulta pública há 2 anos, e agora começa a abordar as doenças oncológicas. Assim, no dia 26 de Agosto foram colocadas em consulta pública 5 diretrizes de tratamento para alguns tipos de câncer. Em um avanço sem precedentes, o que se propõe nestas cinco diretrizes está muito próximo do tratamento oferecido para estas doenças em países desenvolvidos. Lamentavelmente, porém, não constam desta lista inicial de doenças oncológicas(?) as duas de maior incidência na população brasileira, o câncer de mama nas mulheres e o de próstata nos homens. Esta omissão (mesmo que temporária) é mais grave no caso de câncer de mama, onde novos avanços ocorridos há mais de 5 anos e que proporcionam maior sobrevida às pacientes ainda não foram contemplados pelo SUS. Um outro aspecto crítico nestas diretrizes é a completa ausência da menção de um problema central, que consiste nos atrasos para o diagnóstico, na demora entre o diagnóstico e a cirurgia, no imenso atraso entre a indicação e o início do tratamento radioterápico, e no atraso entre a cirurgia e o tratamento sistêmico. Mais do que qualquer tratamento inovador, o que determina o prognóstico da maior parte dos cânceres é a rapidez e excelência no tratamento cirúrgico. Sabemos que um dos maiores gargalos na atenção oncológica no SUS é a falta de centros de tratamento radioterápico (mais de 100.000 pacientes deixam de receber o tratamento anualmente, com consequências catastróficas). As diretrizes deveriam não só citar a indicação de radioterapia mas deveriam também estabelecer padrões aceitáveis de intervalos entre as diversas fases do tratamento oncológico (cirurgia, radioterapia, quimioterapia), e estabelecer a obrigatoriedade da disponibilização de radioterapia nas diversas regiões do país.
Se avaliarmos as diretrizes em consulta neste momento, veremos que ao praticar os tratamentos nelas contidos, os custos do tratamento serão bastante maiores que aqueles previstos na lista atualizada da APAC. Resta a pergunta: quem pagará a conta desta diferença?
Como o tratamento oncológico está longe de depender para seu sucesso apenas da incorporação de tecnologias, é necessário que em paralelo ocorra a valorização dos profissionais que trabalham no SUS, e que haja um contínuo treinamento de todos estes profissionais quanto às rápidas mudanças que vêm ocorrendo na oncologia. Assim, torna-se premente que o processo de aprovação de tecnologias e habilitação de profissionais seja muito mais dinâmico, e que deixe de depender de grandes pacotes que podem demorar 10 anos para ocorrer (como no caso atual).
O Oncoguia apóia toda medida que traga avanços na atenção oncológica, desde a prevenção, passando pelo tratamento anti-tumoral até os cuidados paliativos de pacientes terminais, e o novo pacote do Ministério da Saúde é um avanço. Aproveitamos para cobrar celeridade na abordagem de outro grave problema que limita o acesso de pacientes a tratamentos inovadores: a lentidão na aprovação de estudos clínicos pela CONEP. Aproveitamos também para cobrar uma ação mais efetiva e enérgica para desestimular o uso de tabaco pela população, já que o cigarro é o maior causador de câncer.
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