[CÂNCER DE MAMA] Ana Nilce Pettinate

Ana Nilce Pettinate foi diagnosticada com câncer de mama. Ela escreveu este depoimento para o Instituto Oncoguia a fim de dividir sua experiência e, quem sabe, ajudar outras pessoas que estejam passando pelo mesmo que ela.

Leia abaixo a história da Ana.

E agora o que fazer? 

"Sem sonhos, as perdas se tornam insuportáveis, as pedras do caminho se tornam montanhas, os fracassos se transformam em golpes fatais. Mas, se você tiver grandes sonhos, seus erros produzirão crescimento, seus desafios produzirão oportunidades, seus medos produzirão coragem” (Alberto Cury).     

Vou completar dizendo que quem tem ao seu lado pessoas que o amam pode se considerar a pessoa mais feliz do mundo.

Começo o meu relato com a introdução deste autor. 

Eu senti o meu mundo desabar, após receber o diagnostico de câncer que inicialmente era "in situ” numa mama, e depois foi constatado  que o tumor era maligno e havia se tornado bilateral. Em um mês, duas cirurgias, sendo que a última foi para a retirada total e a reconstrução das duas mamas. 

Algo muito agressivo, violento mesmo. IMPACTANTE!

O sabor amargo e cruel do medo penetrou nos becos da minha alma. Dor física, emocional, espiritual - angústia, ansiedade,decepção, erro, perda, estresse, sentimento de culpa, insegurança, vergonha, tudo muito misturado e  novo na minha vida.  

Vivi dias de grandes emoções, com sentimentos turbulentos dentro de mim, sentindo-me pequena demais diante de tantos obstáculos. Eu passei a andar na corda bamba. Nenhum dia era igual ao outro. Não existia rotina. Minha vida se transformou numa grande aventura.  

A memória desorganizada, milhões de informações médicas/cientificas se misturam e se perdem, escuto mas não entendo, vejo mas não enxergo nada. De repente, fiquei cega e surda. Os pensamentos se deslocam da realidade, a consciência mergulha no vácuo da inconsciência. O tudo e o nada se tornam a mesma coisa.  

Viver deixou de ser um fenômeno comum e passou a ser uma aventura complexa e indecifrável.  

Fui  atravessando o território do medo e escalando os penhascos das dificuldades, mas apesar do sofrimento, da angústia, da dor, da incerteza, da insensatez, da tristeza de me ver repentinamente acometida por essa tragédia, eu nunca deixei de acreditar que ISSO era só um susto e que logo tudo isso faria parte do meu passado. Não me faltaram nem fé, nem a esperança de que eu iria sair desta melhor e mais fortalecida do que quando eu entrei.

Paciência tornou-se a palavra chave – "a paciência é amarga, mas seus frutos são doces” (Kant), mas coragem,  a principal. Coragem para seguir em frente, correr riscos, superar obstáculos, atravessar as pequenas pedras do caminho e escalar as grandes montanhas. 

Esse era o desafio – não fraquejar, não desanimar, seguir sempre em frente. Eu sempre fui uma mulher apaixonada pela vida e é essa paixão que passa a ser o combustível  emocional que continuará me impulsionando  a seguir em frente.  

Creio que jamais imaginei um dia passar por tudo isso, logo eu que sempre fui tão saudável, tão precavida, tão dentro dos padrões da normalidade, realizando tudo conforme manda o figurino – sempre trabalhando com prevenção, exames periódicos, alimentação saudável, vida sem sedentarismo, com exercícios físicos diários, não fumante e bebida alcoólica raramente.

Meus planos já estavam traçados:  eu venderia meu apto em BH, mudaria para Cuiabá e viveria  feliz ao lado das minhas filhas e meu neto.  Nada parecia mudar meu sonho ate que surgiu no meu caminho o maior de todos os monstros – um câncer.  E agora, o que fazer? Hoje, existe para mim uma certeza: "quando a gente pensa que sabe todas as respostas, Deus vai lá e muda todas as perguntas”.  Somente ELE  é quem sabe tudo.

Esse diagnostico me fez penetrar no mais intimo do meu ser – minha essência – e gerou um questionamento sobre o significado da vida e sobre o valor da luta. Esse foi o meu momento de luta interior.  E foi neste momento que eu tive que buscar no mais fundo do meu ser, uma força. A essa força eu dou o nome de FÉ – fé em Deus, fé na vida. 

Acreditar que tudo aquilo iria passar.  Eu sempre me considerei uma mulher de pouca fé e em minhas orações eu pedia a Deus que aumentasse a minha fé. Mas agora, eu tenho a certeza de que a minha fé é muito maior do que qualquer dificuldade que possa aparecer na minha vida. Eu demorei muito a entender que Jesus não prometeu estradas sem acidentes, noites sem tempestades, sucessos sem perdas. Ele prometeu sim, força na terra do medo, alegria nas lágrimas e afeto no desespero.      

Basta estar vivo para correr riscos. Risco de fracassar, de ser rejeitado, abandonado, de não ser compreendido, de ser ofendido, reprovado, humilhado, de ser frustrado consigo mesmo e com o outro, risco de não ser amado e risco de adoecer. 

Ou ficamos presos num casulo com medo dos acidentes da vida ou nos atiramos com audácia, responsabilidade e disciplina na estrada da vida e vamos caminhando e alimentando nossos sonhos, sem deixar  que eles se enterrem nos solos da nossa insegurança e timidez e nos destroços das nossas preocupações. 

A vida tem inevitáveis tempestades. Nem sempre quando elas vêm, dá tempo de nos protegermos com nossos mantos invisíveis, trabalhando nossas emoções para usarmos a nossa  inteligência como paredes e os nossos sonhos como teto para que a nossa "casa” não desabe em cima de nós.

Ás vezes, me vinham pensamentos de que a vida não tinha mais sentido  e um sentimento derrotista assolava meu coração. Mas imediatamente, eu entrava num processo de luta interior, criticava tais pensamentos e reagia e não me permitia tornar escrava desses pensamentos perturbadores. Era uma luta interna onde eu saia da platéia e entrava no palco da minha mente assumindo o papel de atriz principal da minha historia e da minha inteligência.

Entrei num processo de reclusão, parei, me calei, me interiorizei como uma concha e sai de cena. Resolvi dar um STOP INTROSPECTIVO para refletir sobre minha vida e tudo que estava acontecendo ao meu redor. Em vez de me desesperar, eu procurei a voz do silencio. Para mim, a solidão naquele momento, era uma companheira que me remetia a um brinde à reflexão. 

Minha mente estava inquieta, meus pensamentos acelerados e às vezes, pessimistas. Não sou amiga da noite; tive insônia e muitas vezes, me sentia desmotivada. A alegria parecia se despedir de mim como as gotinhas d´água se evaporam no calor.  Mas quando os primeiros raios de sol começavam a surgir, a fé e a esperança tomavam conta de mim, novamente. Muitas vezes, tive vontade de não levantar da cama, mas quando eu me lembrava que o sol brilhava lá fora, eu me sentia corajosa e forte o suficiente para vencer mais "uma fera”.

Voltei-me para dentro de mim mesma e comecei a questionar muita coisa, meus conceitos e preconceitos, meus valores, minha postura diante dessa noticia/sofrimento  e meu estilo de vida. Queria fugir de mim mesma. Mas como? Como me proteger do meu próprio EU?

Minha família e meus amigos estavam perto de mim, mas uma pessoa nunca me abandonou nessa batalha – DEUS. Ele me acompanhou em todos os momentos de incerteza e angústia.

Nunca fui  uma pessoa com tendências depressivas e ai, num domingo, após a saída de todos, eu me vi sozinha. Sentada à mesa, eu chorei. Chorei de tristeza, de solidão e de medo. Mas foi exatamente neste momento que eu resolvi  deixar de ser vitima da minha miséria psíquica e tentar ser a autora ou atriz principal, não sei ao certo, do teatro da minha psique.  Passei a questionar, a não aceitar e a criticar minha dor e meus pensamentos negativos.

Augusto Cury: "Quando o mundo nos abandona, a solidão é superável, mas quando nós mesmos nos abandonamos, a solidão é quase insuportável.”  Eu não podia desistir de mim.  Nessas horas, quando me sentia fragilizada, eu pedia a Deus para estar sempre ao meu lado e me ajudar a seguir em frente não deixando morrer dentro de mim, os meus sonhos para um futuro próximo, a minha alegria de viver e a minha paixão pela vida.

Atualmente, eu tenho um sonho.  É este sonho que está me dando forças para superar toda essa tragédia e a partir desta, eu quero reescrever a  minha historia. Uma nova historia irrigada de prazer e sentido. Não quero fazer deste câncer uma derrota, uma arma para me transformar numa vitima, mas sim, uma lição de vida.

"Às vezes, no decorrer da nossa existência, precisamos fechar ciclos e caminhos e aprender a morrer metaforicamente para aquilo que fomos e renascer para aquilo que desejamos ser.” (Eduardo Shinyashiki)

Que eu consiga preencher a minha alma com renovação e sentir a leveza de ser feliz.
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