Câncer de mama: mais um outubro não tão rosa assim
Entra ano, sai ano e já podemos dizer que temos no Brasil um Outubro Rosa que chegou para ficar. Basta virar o mês que já vemos laços, posts, prédios, lives, tudo bem rosa e repletos de informações sobre a importância de se falar sobre o câncer de mama.
Neste ano, o Outubro Rosa como campanha de conscientização completa 15 anos de mobilização no Brasil. Esse foi o período onde ocorreram os grandes avanços científicos que mudaram completamente o cuidado do câncer de mama. Sabemos muito mais sobre a doença, o que nos permite diagnosticar precocemente e tratar melhor mesmo os casos avançados, o que significa curar mais e oferecer mais quantidade e qualidade de vida para as pacientes.
Entretanto, o país ainda enfrenta um grande desafio: apesar da informação existir, o acesso ao essencial está longe de ser para todas. Hoje vivemos a dura realidade de que soluções que fazem com que o câncer não seja mais uma sentença de morte já existem, mas não chegam para quem mais precisa.
O câncer de mama é o mais incidente no Brasil (sem considerar o de pele não melanoma), mas não recebe a atenção equivalente a esse posto.
De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA), o número estimado de casos novos é de 73.610 para cada ano do triênio de 2023 a 2025. Ele também é a primeira causa de morte por câncer na população feminina no Brasil, em um contexto em que 38% dos óbitos acontecem de forma precoce, ou seja, em pessoas entre os 30 e 69 anos, de acordo com dados do Ministério da Saúde (MS) compilados pelo Radar do Câncer, plataforma organizada e mantida pelo Oncoguia.
Ainda temos o triste dado de que 55% das pacientes iniciam seus tratamentos com a doença em estágio avançado ou metastático. Nessas etapas, a cura do câncer já não é mais possível, sendo recomendado tratamentos de controle e manutenção da qualidade de vida.
E a mamografia?
Um dos fatores que contribuem para a alta taxa de diagnósticos tardios é a adesão ainda insuficiente à mamografia.
A mamografia é o principal meio de detecção precoce do câncer de mama e o MS recomenda o exame a cada dois anos para mulheres entre os 50 e 69 anos. Entretanto, segundo a última Pesquisa Nacional de Saúde (2019), 24% das mulheres nessa faixa etária dizem nunca ter feito o exame.
A adesão é ainda mais difícil quando consideramos os recortes de renda e raça, em que questões como a dificuldade de acesso aos exames e especialistas impedem que mulheres negras e periféricas mantenham sua saúde em dia. Se uma campanha como o Outubro Rosa incentiva o exame, ele precisa estar disponível, certo? Infelizmente isso não é a realidade.
Outra preocupação que precisa de mais atenção é para a falta de equidade também no acesso à informação. Só ter um celular com conexão à internet na mão não garante o acesso à informação correta. A web está lotada com vídeos, posts e mensagens que distorcem os fatos sobre a mamografia e, ao invés de ajudar, atrapalham e geram ainda mais medo, insegurança e desconfiança, principalmente entre as populações mais vulneráveis.
Quem nunca conheceu uma mulher que diz não fazer mamografia por medo de achar alguma coisa? Temos que melhorar, ampliar e personalizar o alcance das mensagens sobre a doença, para além de informar com qualidade, gerar também conhecimento sobre a importância do autocuidado em saúde.
E as leis?
Todas as principais leis que amparam pacientes de câncer de mama no Brasil foram aprovadas nos últimos 15 anos. Podemos destacar as seguintes:
- Lei 11.664/2008 que assegura a prevenção, a detecção, o tratamento e o seguimento do câncer de mama no âmbito do SUS. Também conhecida como “lei da mamografia”, foi um marco para o acesso ao exame pelo sistema público para todas as mulheres a partir dos 40 anos A legislação foi atualizada em 2022, dando mais abrangência para as ações de rastreamento e detecção precoce do câncer na mulher.
- Lei 12.802/2013 que garante a reconstrução mamária logo em seguida à retirada do câncer para pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS)
- De forma similar ao que acontece no SUS, as pacientes de planos de saúde também têm direito à reconstrução mamária, garantido desde 2001 pela Lei nº 10.223. Esse direito foi complementado esse ano com a Lei 14.538/2023, que assegura a troca de implante mamário colocado em virtude de tratamento de câncer sempre que houver complicações ou efeitos adversos.
Há ainda as Leis dos 30 e dos 60 dias, que são de extrema importância para o cuidado ao câncer, não só quando falamos de câncer de mama. A primeira assegura que os exames para confirmação do diagnóstico de câncer devem ser realizados no prazo máximo de 30 dias, contados a partir do início dos sintomas. Já a segunda garante ao paciente com câncer o direito de iniciar o primeiro tratamento no SUS em, no máximo, 60 dias após o diagnóstico da doença.
Todas essas legislações nasceram a partir de uma tentativa de compensar um sistema de saúde que não está oferecendo os cuidados necessários. Sem dúvida nenhuma fazem a diferença, mas ainda não estão sendo totalmente cumpridas na prática.
Por exemplo, dados disponíveis no Radar do Câncer mostram que cerca de 45% das pacientes de câncer de mama iniciaram o tratamento em um período acima dos 60 dias nos últimos três anos.
E o acesso?
Hoje a forma como podemos cuidar de uma mulher com câncer de mama está completamente diferente do que há 15 anos. O ponto é que não estamos garantindo que as novidades e avanços sejam verdadeiramente disponibilizados para aquelas que podem se beneficiar disso.
Além da gravidade dos números, ainda enfrentamos enormes desigualdades para alcançar um cuidado efetivo, que vai desde de dificuldades no acesso à mamografia, a falta de priorização e monitoramento de mulheres com exame alterado, que precisam de seguimento com especialistas e biópsias, culminando na falta de tratamentos corretos para cada tipo de câncer no sistema público.
As pacientes com câncer de mama que dependem do SUS podem estar perdendo a chance de se curarem ou de prolongar seu tempo de vida pela falta de acesso a tratamentos mais eficazes, já incorporados pela Conitec.
Estamos aguardando há mais de 500 dias a oferta dos inibidores de ciclina e outros 200 dias pelo trastuzumabe entansina, por exemplo, que são drogas para o tratamento do câncer de mama metastático e avançado e que já foram aprovados pela comissão. Eles seguem sem previsão de disponibilização pelos hospitais públicos.
Precisamos urgentemente de uma linha de cuidado ágil, transparente e com próximos passos bem alinhados. Diante de uma mamografia alterada, essa mulher tem que ser priorizada e acompanhada, com foco em realizar um diagnóstico precoce.
E, diante do câncer de mama, temos que ter disponíveis tratamentos para todos os estágios da doença, seja com foco na cura ou no controle, que também considerem a qualidade de vida e acesso a um cuidado multiprofissional.
À Ministra da Saúde, finalizo aproveitando esse espaço para pedir, em nome das milhares de pacientes que representamos todos os dias, que olhe com mais atenção para o câncer de mama. É possível mudar essa realidade e salvar muitas vidas.
*Luciana Holtz de C. Barros é fundadora e presidente do Instituto Oncoguia
Artigo publicada na Veja Saúde em 18/10/2023
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