Comunidade LGBTQIAP+ é quase invisível para estudos sobre câncer

Cerca de 19 milhões de brasileiros adultos, o equivalente a 12% da população, se declaram assexuais, lésbicas, gays, bissexuais e transgênero, informa levantamento da Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Estadual Paulista (UNESP). Deste total, três milhões de indivíduos se identificam como transgêneros e de gênero não binário, o que corresponde a 2% da população. Apesar desses números, há pouca literatura sobre a incidência de câncer na população LGBTQIAP+.  “A maioria das pesquisas não aborda a identidade de gênero e a orientação sexual”, afirma a oncologista Sabrina Chagas, da Oncologia D’Or.

A falta de informações resulta no desconhecimento dos riscos de câncer específicos desta comunidade, na dificuldade de criação de estratégias de prevenção e na inadequação das diretrizes do tratamento. A mastologista Maria Júlia Calas, da Oncologia D’Or, lembra que as terapias podem variar segundo o grupo de pessoas abrangido – seja por questão de gênero ou etnia. “A inexistência de dados pode limitar a eficácia dos protocolos de tratamentos”, diz a médica.

Por causa da escassez de estudos, os médicos muitas vezes não estão atentos às peculiaridades da população LGBTQIAP+, que já enfrenta barreiras sociais, culturais e econômicas para ter acesso aos serviços de saúde, seja no rastreio, diagnóstico, tratamento e seguimento do câncer.  Com medo do preconceito, muitas dessas pessoas não fazem exames preventivos, resultando no diagnóstico tardio, no tratamento da doença em fase avançada e na morte prematura do paciente. “A inclusão depende de medidas para  conscientizar e  educar os profissionais de saúde a fim de reduzir o estigma que cerca esta comunidade”, destaca Maria Júlia Calas.

Além das barreiras no acesso aos cuidados de saúde, a comunidade possui fatores de risco já conhecidos que aumentam sua vulnerabilidade ao câncer como o alto consumo de tabaco e álcool, a obesidade e falta de atividade física. Estudo realizado com base na Pesquisa Nacional de Saúde mostrou que a prevalência dos homens gays no uso diário de tabaco e no uso nocivo de álcool supera em quase três vezes à dos heterossexuais. A prevalência das lésbicas no consumo excessivo de álcool e uso diário de tabaco é maior do que nas heterossexuais.

Tipos de câncer

Existem alguns tipos de câncer que ocorrem de forma desproporcional na comunidade LGBTQIAP+.  Entre eles estão os resultantes de doenças sexualmente transmissíveis como o Vírus do Papiloma Humano (HPV), que é  um fator de risco para o desenvolvimento de  tumores no ânus e no colo do útero e pode ser prevenido com a vacina.

Suspeita-se que o uso de hormônios para a afirmação de gênero pode elevar o risco de cânceres hormônio-dependentes, como o de mama, na população transgênero. Um estudo holandês avaliou por 33 anos 2.260 mulheres trans (sexo masculino atribuído no nascimento, identidade de gênero feminina) e por 15 anos 1.229 homens trans (sexo feminino atribuído no nascimento, identidade de gênero masculina). Foram identificados 15 casos de câncer de mama em mulheres trans -  uma incidência menor do que nas mulheres cisgêneros. A maioria dos tumores tinha origem positiva para receptores de estrogênio e progesterona. Nos homens trans, foram registrados quatro casos de câncer mama, inferior ao esperado em mulheres cisgêneros.

Na falta de diretrizes formais, a mastologista Maria Julia Calas realizou um estudo de revisão6 para apresentar propostas de rastreio do câncer de mama na população transgênero. A literatura descreve o processo de triagem para homens trans com tecido mamário natal ou residual, de acordo com as diretrizes atuais para mulheres cisgênero. Já para a população transgênero feminina, o rastreamento mamográfico é indicado após cinco anos de uso hormonal, mas sem consenso em relação à idade de início e término desta triagem.

Nos Estados Unidos, um estudo mostrou a incidência maior de câncer colorretal em áreas com maior densidade de homens bissexuais e de lésbicas. Esse fato não se verificou em homens gays e mulheres bissexuais. A pesquisa usou dados populacionais da Califórnia para estimar a relação de câncer de pulmão. Em áreas com densidade populacional de homens gays e mulheres bissexuais houve maior incidência da doença. O número de casos de câncer de pulmão foi menor em regiões com grande população de homens bissexuais e lésbicas. 

Acolhimento

A oncologista Sabrina Chagas acredita que o preparo dos profissionais de saúde em  lidar com  a comunidade LGBTQIAP+ é fundamental para que esses pacientes deixem de ser “invisíveis para a saúde pública” e façam o rastreio e, quando necessário, o tratamento contra o câncer. “Tanto o acompanhamento como o rastreio relacionados ao câncer têm de ser contínuos, o que exige que o paciente volte sempre à unidade de saúde”, afirma a especialista.

 Ela destacou um estudo norte-americano, cujos autores sugerem medidas para as equipes clínicas melhorarem os cuidados com essa população, como a criação de um ambiente acolhedor com dicas visuais indicando o apoio do setor à comunidade, coleta de dados sobre a orientação sexual e identidade de gênero para propiciar cuidados individualizados e uso de linguagem inclusiva para compreensão das relações familiares e rede de apoio dos pacientes.

Fonte: Oncologia D'Or/Divulgação

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