É por isso que não me pergunto

E você, também já se perguntou (ou pelo menos pensou), "por que eu”?

Afim de evitar a armadilha dessa pergunta tão difícil de ser respondida, recomendo logo de inicio que aceite minha singela sugestão de concentrar-se apenas em como enfrentar a longa jornada de ter que lidar com o diagnóstico de câncer.

Também, não diferente de nos questionarmos sobre essa "fatalidade", a maioria de nós em algum momento ouviu: "Por que isso aconteceu com você?". Confesso que na primeira vez que me confrontei com esta pergunta, minha resposta foi praticamente imediata - "Não quero pensar no porquê. Vou gastar minha energia pensando em COMO lidar com a nova realidade na qual estou inserido".

A mudança em minha vida foi rápida e completa. Em dois meses, passei de uma vida de trabalho ao ar livre e atividades como ioga e pilotar uma motocicleta, para um diagnóstico de câncer colorretal estágio IV. Uma colonoscopia mostrou uma grande massa na área do cólon sigmoide, e a ressonância e a tomografia mostraram uma metástase em meu fígado.

Fiquei intrigado com a mecânica desta doença. Por exemplo, seu potencial de viajar através do sistema linfático do meu corpo. Mas já que EU fiquei doente e não meus dois irmãos ou meu vizinho, recusei-me a especular ou atribuir a culpa em alguém ou em alguma situação.

Onze meses se passaram, nos quais me senti em uma sequência infinita de consultas médicas, exames de imagem, infusões de quimioterapia e cirurgias. Senti também que levaram toda a minha força e foco para por um pé na frente do outro e passar por cada evento, todos os dias. A químio foi particularmente difícil de suportar e meus "cocktails" de medicamentos tiveram que ser ajustados várias vezes, devido à contagem de plaquetas caindo. Felizmente me aposentei um ano antes do meu diagnóstico, então não tive que dedicar minha energia para essa direção.

Decidi abordar minha doença como uma aventura e adotei uma atitude de curiosidade para com todos os implementos médicos e medicamentosos, como os aparelhos de ressonância magnética, os grampos cirúrgicos, ferramentas de ablação a laser e especialmente o desfile de médicos, enfermeiros, residentes e outros profissionais que se tornaram uma parte da "rede" que compõe a minha vida. Quanto mais aceitei essas pessoas e suas ferramentas como seres fascinantes, benevolentes e que tentavam de tudo com tudo o que tinham de melhor ao alcance somente para me ajudar, fui me tornando ainda mais capaz de continuar.

Como outros que tiveram esta doença, sofri as frustrações usuais de ter que lidar com os compromissos e descobrir como pagar a minha parte das contas não cobertas pelo plano de saúde, tudo isso enquanto também lutava para gerenciar os efeitos colaterais da quimioterapia e lidar com a dor pós-cirúrgica que foi maior do que esperado. E mesmo assim, apesar de tudo, fui capaz de manter um certo nível de desinteresse da minha própria situação, ajudado em parte pela meditação e o apoio e compreensão da minha família e amigos.

Estar perto do Oncoguia também tem me dado mais impulso e energia para tudo isso. Acredito que quanto mais retiro da minha própria cabeça todas as tormentas que enfrento e passo a direcionar minha atenção ao que acontece ao meu redor, entendendo a luta de outras pessoas, me torno mais capaz de abraçar a "minha" doença e amar meu corpo com todas as suas fraquezas e forças.   

A verdade é que nunca saberei porque tudo isso aconteceu comigo, mas também confesso que não preciso. Este é o navio que me deram para navegar pelo mundo por mais alguns anos. Pretendo usá-lo com respeito por seus limites e sua assombrosa capacidade de crescer, renascer e se curar.

Texto escrito por H.S
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