[ENTREVISTA] Câncer e Fertilidade
O Oncoguia conversou com Dr. Marcelo Rocha de S. Cruz, Médico Oncologista clínico, Titular do Departamento de Oncologia Clínica do Hospital A.C.Camargo de São Paulo, responsável pela Divisão de Pesquisa Clínica do Hospital A.C Camargo sobre a fertilidade e o tratamento do câncer.
Instituto Oncoguia - Todos os tratamentos oncológicos afetam a fertilidade do paciente?
Marcelo Cruz - Nem todos os tratamentos oncológicos afetam a fertilidade do paciente. A avaliação do risco de alteração na fertilidade deve levar em consideração o sexo e a idade do paciente, o tipo de câncer a ser tratado e qual o tratamento será realizado. A questão da fertilidade é muito diferente entre o homem e a mulher. As mulheres apresentam período fértil desde a primeira menstruação, quando há o amadurecimento do sistema reprodutor feminino, até ao redor dos 45 anos, fase em que a função ovariana e o número de óvulos estão muito reduzidos.
Em geral, acima dos 45 anos de idade a chance da mulher engravidar é menor que 1%. Ao longo da vida, a fertilidade feminina sofre redução continuamente. Assim, uma mulher com 25 anos de idade tem maior chance de engravidar quando comparada a uma mulher de 35 ou 40 anos. Desta forma, uma paciente com câncer de mama com indicação de quimioterapia terá risco aumentado de infertilidade quanto maior a sua idade. O tipo de quimioterapia, ou seja, qual a combinação de agentes quimioterápicos que a paciente irá receber também poderá trazer maior ou menor risco de infertilidade tanto para as pacientes do sexo feminino quanto do sexo masculino.
É importante lembrar também que a quimioterapia age sistemicamente, ou seja, através da sua distribuição por todo o corpo pela corrente sanguínea, a quimioterapia pode chegar até os ovários na mulher ou nos testículos do homem e interferir na formação de óvulos e espermatozóides. Por outro lado, a radioterapia, de modo geral, trará maior risco de infertilidade quando for direcionada para a região dos órgãos reprodutores femininos ou masculinos.
Instituto Oncoguia - Os tratamentos do câncer, em geral, combinam substâncias quimioterápicas e radioterápicas prejudiciais as funções reprodutivas dos homens e das mulheres. Gostaria que o senhor explicasse como e porque isso acontece?
Marcelo Cruz - De maneira geral, as células malignas ou cancerosas apresentam uma característica importante que é a proliferação (ou multiplicação) rápida e desordenada, o que leva ao crescimento do tumor. A quimioterapia e a radioterapia agem justamente interferindo nos mecanismos de proliferação celular dos tumores, causando danos nas células durante a fase de multiplicação celular (conhecida como mitose) fazendo com que estas células sofram morte celular, processo conhecido como apoptose.
Como os óvulos na mulher e os espermatozóides no homem são células em constante multiplicação, a quimioterapia e radioterapia podem também agir na multiplicação destas células, interferindo no seu desenvolvimento e causando alterações na fertilidade. O tratamento oncológico também pode alterar as funções reprodutivas interferindo na atividade das células responsáveis pela produção dos hormônios masculinos e femininos, levando à redução do estímulo para produção de espermatozóides no homem e óvulos na mulher.
Como e em que momento esta questão da preservação da fertilidade deve ser abordada?
A questão da fertilidade deve ser abordada durante a decisão da escolha do tratamento a ser realizado. Estudos realizados nos Estados Unidos mostram que o risco de infertilidade é uma das principais preocupações dos pacientes com câncer e que tal complicação certamente traz grande stress para os pacientes. Porém, esta questão geralmente só se manifesta após o término do tratamento. Isto acontece porque a primeira preocupação do paciente e de seu médico é vencer o câncer e poder viver livre da doença.
Com o diagnóstico cada vez mais precoce do câncer e com as novas técnicas de tratamento as chances de cura dos pacientes são cada vez maiores. Assim, é fundamental que a questão da fertilidade seja abordada o mais breve possível antes do início da terapia, pois caso haja indicação de algum procedimento para preservar a fertilidade este deve ser realizado o mais rápido possível evitando atrasos no tratamento do câncer.
Instituto Oncoguia - Quem é o profissional que deve abordar esta questão?
Marcelo Cruz - De acordo com as diretrizes de recomendação da Sociedade Americana de Oncologia (American Society of Clinical Oncology – ASCO) os oncologistas tem a responsabilidade de discutir sobre este tema e informar os pacientes sobre os riscos de infertilidade que o tratamento pode trazer. Este tema deve, portanto, ser conhecido e abordado pelo cirurgião oncológico, pelo oncologista clínico e pelo médico radioterapeuta. Como na maioria dos casos o risco de infertilidade tem relação com a quimioterapia, cabe ao oncologista clínico abordar este tema e orientar o paciente quanto às possibilidades de preservação da função reprodutiva.
Instituto Oncoguia - Quais são os principais métodos utilizados para prevenir a infertilidade do paciente?
Marcelo Cruz - Felizmente esta é uma área em constante desenvolvimento. Existem atualmente vários métodos de preservação da fertilidade já disponíveis e outros ainda são considerados experimentais.
Para os pacientes do sexo masculino na fase pré-puberal que receberão quimioterapia, ou seja, as crianças que ainda não atingiram a maturidade do sistema reprodutor, pode-se utilizar a criopreservação (ou congelação) do tecido testicular. Para os homens na fase adulta utiliza-se a criopreservação do esperma.
Já para as mulheres que receberão quimioterapia, devido às particularidades da fertilidade feminina, existem vários métodos de preservação da fertilidade em fase de estudo. Na prática médica o principal método de preservação da fertilidade para as mulheres que já tem parceiro, ou seja, que são casadas, é a criopreservação do embrião após fertilização in vitro (FIV). Outros métodos de preservação da fertilidade incluem a criopreservação dos óvulos ou de parte do tecido ovariano. Algumas medicações que visam proteger os ovários durante a quimioterapia encontram-se em fase de estudo.
Para as pacientes que farão radioterapia na áreas dos órgão reprodutores a transposição ovariana, ou seja, o deslocamento cirúrgico dos ovários para uma área não irradiada, é uma opção na preservação da fertilidade.
É fundamental esclarecer que as taxas de sucesso dos métodos de preservação da fertilidade dependem muito da idade e do sexo dos pacientes, sendo menores no sexo feminino e com idade superior a 35 anos. A partir destas informações, do tipo de câncer a ser tratado e do tratamento escolhido o médico poderá orientar os pacientes sobre a necessidade de avaliação por um especialista em reprodução humana.
Instituto Oncoguia - Caso a fertilidade do homem/mulher não seja preservada, existem alternativas para que eles possam futuramente ter filhos? Quais?
Marcelo Cruz - Todos os métodos apresentados acima poderão ser úteis para os homens ou mulheres que realizaram tratamento oncológico e apresentaram infertilidade. Por exemplo, o homem que antes da quimioterapia foi orientado pela equipe médica e realizou a coleta e congelação de esperma e poderá utilizar este material para fertilizar sua parceira e ter filhos mesmo se após a quimioterapia ele perdeu a capacidade de produzir espermatozóides.
Da mesma forma, a mulher que teve o número de óvulos reduzidos ou zerados após o tratamento oncológico e realizou a coleta de óvulos ou preservação de embriões poderá se submeter a tratamento para engravidar utilizando este material que foi congelado. Apesar de todas estas opções de fertilização, a gravidez nem sempre é possível. Em caso de insucesso nestes métodos a adoção é uma opção a ser discutida. Tenho pacientes do sexo feminino que, devido a idade e baixas chances de fertilização após o tratamento oncológico, adotaram filhos e é gratificante ver a felicidade destas mães que venceram o câncer e estão realizando o desejo de serem mães.
Instituto Oncoguia - Durante o principal Congresso de Oncologia, ASCO, foi apresentado um estudo mostrando a dificuldade do médico oncologista em abordar temas relacionados à fertilidade e a sexualidade em pacientes com câncer. Qual a sua opinião sobre isso?
Marcelo Cruz - Este é um tema muito importante. Os dados americanos mostram que cerca de 50% dos pacientes homens ou mulheres recebem informações adequadas sobre os riscos de infertilidade. Os estudos sobre novos tratamentos contra o câncer tem como objetivo principal avaliar as taxas de resposta ao tratamento, ou seja, quais as chances destas novas drogas combaterem o câncer e aumentarem o tempo de vida dos pacientes e as possibilidades de cura.
Pouca atenção é dada, portanto na qualidade de vida do paciente após a cura e na questão da fertilidade em especial. E preservar a fertilidade certamente contribui e muito para a qualidade de vida. Acredito que maior esforço deve ser realizado na divulgação de conhecimento sobre o tema fertilidade para os profissionais de saúde envolvidos no tratamento multidisciplinar dos pacientes com câncer.
Instituto Oncoguia - O que todo paciente com câncer deve saber sobre a sua fertilidade?
Marcelo Cruz - Todo paciente deve ser orientado sobre os riscos de infertilidade relacionados ao tratamento que receberá. Diante do diagnóstico do câncer e de acordo com o tipo de câncer e sua gravidade deve-se certamente pesar os riscos e benefícios do tratamento. Infelizmente, nem todo paciente com câncer poderá se beneficiar dos métodos de preservação da fertilidade, mas é fundamental que este tema seja abordado para que no futuro não surjam dúvidas que possam geram stress e ansiedade na vida dos pacientes.
Instituto Oncoguia - Mais alguma orientação e informação que ache importante?
Marcelo Cruz - Com o diagnóstico precoce e as novas armas contra o câncer, aumentam também as chances de cura. Desta forma, é fundamental que a questão da fertilidade seja abordada com os pacientes em idade fértil que após o tratamento terão uma longa vida pela frente, com muita qualidade. Todos os profissionais de saúde que lidam com pacientes com câncer devem estar preparados para orientá-los em relação à fertilidade.
Instituto Oncoguia - Todos os tratamentos oncológicos afetam a fertilidade do paciente?
Marcelo Cruz - Nem todos os tratamentos oncológicos afetam a fertilidade do paciente. A avaliação do risco de alteração na fertilidade deve levar em consideração o sexo e a idade do paciente, o tipo de câncer a ser tratado e qual o tratamento será realizado. A questão da fertilidade é muito diferente entre o homem e a mulher. As mulheres apresentam período fértil desde a primeira menstruação, quando há o amadurecimento do sistema reprodutor feminino, até ao redor dos 45 anos, fase em que a função ovariana e o número de óvulos estão muito reduzidos.
Em geral, acima dos 45 anos de idade a chance da mulher engravidar é menor que 1%. Ao longo da vida, a fertilidade feminina sofre redução continuamente. Assim, uma mulher com 25 anos de idade tem maior chance de engravidar quando comparada a uma mulher de 35 ou 40 anos. Desta forma, uma paciente com câncer de mama com indicação de quimioterapia terá risco aumentado de infertilidade quanto maior a sua idade. O tipo de quimioterapia, ou seja, qual a combinação de agentes quimioterápicos que a paciente irá receber também poderá trazer maior ou menor risco de infertilidade tanto para as pacientes do sexo feminino quanto do sexo masculino.
É importante lembrar também que a quimioterapia age sistemicamente, ou seja, através da sua distribuição por todo o corpo pela corrente sanguínea, a quimioterapia pode chegar até os ovários na mulher ou nos testículos do homem e interferir na formação de óvulos e espermatozóides. Por outro lado, a radioterapia, de modo geral, trará maior risco de infertilidade quando for direcionada para a região dos órgãos reprodutores femininos ou masculinos.
Instituto Oncoguia - Os tratamentos do câncer, em geral, combinam substâncias quimioterápicas e radioterápicas prejudiciais as funções reprodutivas dos homens e das mulheres. Gostaria que o senhor explicasse como e porque isso acontece?
Marcelo Cruz - De maneira geral, as células malignas ou cancerosas apresentam uma característica importante que é a proliferação (ou multiplicação) rápida e desordenada, o que leva ao crescimento do tumor. A quimioterapia e a radioterapia agem justamente interferindo nos mecanismos de proliferação celular dos tumores, causando danos nas células durante a fase de multiplicação celular (conhecida como mitose) fazendo com que estas células sofram morte celular, processo conhecido como apoptose.
Como os óvulos na mulher e os espermatozóides no homem são células em constante multiplicação, a quimioterapia e radioterapia podem também agir na multiplicação destas células, interferindo no seu desenvolvimento e causando alterações na fertilidade. O tratamento oncológico também pode alterar as funções reprodutivas interferindo na atividade das células responsáveis pela produção dos hormônios masculinos e femininos, levando à redução do estímulo para produção de espermatozóides no homem e óvulos na mulher.
Como e em que momento esta questão da preservação da fertilidade deve ser abordada?
A questão da fertilidade deve ser abordada durante a decisão da escolha do tratamento a ser realizado. Estudos realizados nos Estados Unidos mostram que o risco de infertilidade é uma das principais preocupações dos pacientes com câncer e que tal complicação certamente traz grande stress para os pacientes. Porém, esta questão geralmente só se manifesta após o término do tratamento. Isto acontece porque a primeira preocupação do paciente e de seu médico é vencer o câncer e poder viver livre da doença.
Com o diagnóstico cada vez mais precoce do câncer e com as novas técnicas de tratamento as chances de cura dos pacientes são cada vez maiores. Assim, é fundamental que a questão da fertilidade seja abordada o mais breve possível antes do início da terapia, pois caso haja indicação de algum procedimento para preservar a fertilidade este deve ser realizado o mais rápido possível evitando atrasos no tratamento do câncer.
Instituto Oncoguia - Quem é o profissional que deve abordar esta questão?
Marcelo Cruz - De acordo com as diretrizes de recomendação da Sociedade Americana de Oncologia (American Society of Clinical Oncology – ASCO) os oncologistas tem a responsabilidade de discutir sobre este tema e informar os pacientes sobre os riscos de infertilidade que o tratamento pode trazer. Este tema deve, portanto, ser conhecido e abordado pelo cirurgião oncológico, pelo oncologista clínico e pelo médico radioterapeuta. Como na maioria dos casos o risco de infertilidade tem relação com a quimioterapia, cabe ao oncologista clínico abordar este tema e orientar o paciente quanto às possibilidades de preservação da função reprodutiva.
Instituto Oncoguia - Quais são os principais métodos utilizados para prevenir a infertilidade do paciente?
Marcelo Cruz - Felizmente esta é uma área em constante desenvolvimento. Existem atualmente vários métodos de preservação da fertilidade já disponíveis e outros ainda são considerados experimentais.
Para os pacientes do sexo masculino na fase pré-puberal que receberão quimioterapia, ou seja, as crianças que ainda não atingiram a maturidade do sistema reprodutor, pode-se utilizar a criopreservação (ou congelação) do tecido testicular. Para os homens na fase adulta utiliza-se a criopreservação do esperma.
Já para as mulheres que receberão quimioterapia, devido às particularidades da fertilidade feminina, existem vários métodos de preservação da fertilidade em fase de estudo. Na prática médica o principal método de preservação da fertilidade para as mulheres que já tem parceiro, ou seja, que são casadas, é a criopreservação do embrião após fertilização in vitro (FIV). Outros métodos de preservação da fertilidade incluem a criopreservação dos óvulos ou de parte do tecido ovariano. Algumas medicações que visam proteger os ovários durante a quimioterapia encontram-se em fase de estudo.
Para as pacientes que farão radioterapia na áreas dos órgão reprodutores a transposição ovariana, ou seja, o deslocamento cirúrgico dos ovários para uma área não irradiada, é uma opção na preservação da fertilidade.
É fundamental esclarecer que as taxas de sucesso dos métodos de preservação da fertilidade dependem muito da idade e do sexo dos pacientes, sendo menores no sexo feminino e com idade superior a 35 anos. A partir destas informações, do tipo de câncer a ser tratado e do tratamento escolhido o médico poderá orientar os pacientes sobre a necessidade de avaliação por um especialista em reprodução humana.
Instituto Oncoguia - Caso a fertilidade do homem/mulher não seja preservada, existem alternativas para que eles possam futuramente ter filhos? Quais?
Marcelo Cruz - Todos os métodos apresentados acima poderão ser úteis para os homens ou mulheres que realizaram tratamento oncológico e apresentaram infertilidade. Por exemplo, o homem que antes da quimioterapia foi orientado pela equipe médica e realizou a coleta e congelação de esperma e poderá utilizar este material para fertilizar sua parceira e ter filhos mesmo se após a quimioterapia ele perdeu a capacidade de produzir espermatozóides.
Da mesma forma, a mulher que teve o número de óvulos reduzidos ou zerados após o tratamento oncológico e realizou a coleta de óvulos ou preservação de embriões poderá se submeter a tratamento para engravidar utilizando este material que foi congelado. Apesar de todas estas opções de fertilização, a gravidez nem sempre é possível. Em caso de insucesso nestes métodos a adoção é uma opção a ser discutida. Tenho pacientes do sexo feminino que, devido a idade e baixas chances de fertilização após o tratamento oncológico, adotaram filhos e é gratificante ver a felicidade destas mães que venceram o câncer e estão realizando o desejo de serem mães.
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Marcelo Cruz - Este é um tema muito importante. Os dados americanos mostram que cerca de 50% dos pacientes homens ou mulheres recebem informações adequadas sobre os riscos de infertilidade. Os estudos sobre novos tratamentos contra o câncer tem como objetivo principal avaliar as taxas de resposta ao tratamento, ou seja, quais as chances destas novas drogas combaterem o câncer e aumentarem o tempo de vida dos pacientes e as possibilidades de cura.
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