[ENTREVISTA] Câncer Genético

O Instituto Oncoguia conversou com a oncogeneticista do Hospital Israelita Albert Einstein sobre aconselhamento genético.
 
O diagnóstico de câncer pode muitas vezes, desencadear uma série de inseguranças, incertezas, dúvidas. Quando o câncer transpõe o diagnóstico individual e passa a ser familiar, o aconselhamento genético se faz presente com o propósito de entender as causas dessa doença.
 
Instituto Oncoguia - O que é o Aconselhamento Genético? Esta pode ser considerada uma nova área da Medicina?

Oncogeneticista - O aconselhamento genético é uma ferramenta da genética clínica que permite ao médico ajudar o paciente a compreender e lidar com os distúrbios genéticos que ocorrem em uma família. Na área de câncer, existe o aconselhamento genético oncológico cuja finalidade é a orientação quanto a riscos hereditários de câncer. O estudo dos tumores hereditários passou a ter um maior impacto na medicina com o advento recente de testes moleculares que permitem a detecção de predisposição hereditária ao câncer em indivíduos sintomáticos e assintomáticos de uma mesma família.
 
Instituto Oncoguia - Quando podemos dizer que um câncer é hereditário?

Oncogeneticista - Quando existem alterações genéticas que aumentam a susceptibilidade ao câncer sendo transmitidas de uma geração para a outra.  Na prática, estas alterações podem ser identificadas quando se observam famílias onde existem vários membros afetados por tumores, sejam eles do mesmo tipo ou não.  Os tumores hereditários também podem ocorrer sem que haja uma rica história familiar de outros afetados e, nestes casos, geralmente ocorrem em idade atípica para o tipo tumoral em questão, ou são múltiplos, multifocais ou bilaterais.
 
Instituto Oncoguia - Qual é a causa desse câncer? Ele é muito frequente?

Oncogeneticista - O câncer hereditário é causado por alterações em genes específicos que controlam o modo como a célula governa a si mesma, genes que controlam, por exemplo, o crescimento e a proliferação celular.  Não é muito freqüente, constituindo cerca de 10% dos tumores, mas esta porcentagem varia de acordo com o tipo tumoral.
 
Instituto Oncoguia - Qual a diferença entre doença congênita e hereditária?

Oncogeneticista - Existem 3 diferenças importantes:

  • Doença congênita, que é aquela com a qual o indivíduo já nasce com ela.
  • Doença hereditária, que é aquela passível de ser transmitida ao longo de várias gerações.
  • Doença familiar, que é aquela que aparece em vários membros de uma mesma família, mas nem sempre se identifica o mecanismo hereditário.

Assim, os tumores podem ser congênitos, familiares ou hereditários.  Os tumores congênitos são aqueles que estão presentes ao nascimento, ou seja, o recém-nascido já o apresenta logo após o parto.  Os tumores familiares são aqueles nos quais se observa uma freqüência maior dos tumores nos membros de uma mesma família, mas não é possível definir um padrão de herança, ou seja, há um agrupamento familiar de tumores, sejam eles do mesmo tipo ou não.  Os tumores hereditários são causados por mutações em genes que aumentam a susceptibilidade ao seu desenvolvimento e estas mutações podem ser transmitidas ao longo de gerações, sendo que o padrão hereditário é conhecido e reconhecidos nas famílias.
 
Instituto Oncoguia - Se eu tiver alguns casos de câncer na minha família significa que eu também poderei ter o mesmo diagnóstico? Se sim, quais os tipos de câncer onde isso é mais comum?
 
Oncogeneticista - É preciso realizar uma avaliação específica para cada família, considerando os tipos tumorais que ocorrem nos vários familiares, a idade de início e o relacionamento familiar entre os afetados para determinar o risco hereditário de desenvolvimento de um tumor, o que é realizado durante uma consulta de aconselhamento genético oncológico.  De uma maneira superficial, pode-se dizer que há o risco de desenvolver câncer quando existem vários afetados na família, mas existem várias considerações que podem alterar este risco.
 
Instituto Oncoguia - Dependendo do resultado de um aconselhamento genético, o que pode ser feito?
 
Oncogeneticista - Depois do levantamento e do estudo da história familiar, define-se se na família há um risco hereditário para o desenvolvimento de tumores, se esta família é portadora ou provável portadora de uma síndrome de predisposição hereditária ao câncer ou se há um agrupamento familiar de câncer.  Algumas vezes, mesmo em pacientes com tumores, mas sem história familiar é possível definir uma predisposição hereditária para o desenvolvimento daquele tumor específico.  Com estas definições, são realizadas orientações quanto ao diagnóstico, prognóstico, tratamento, rastreamento e risco de recorrência.
 
Instituto Oncoguia - Normalmente, neste processo do aconselhamento genético, quais os exames mais solicitados?

Oncogeneticista - Sempre são solicitados os exames anteriores do paciente e de seus familiares afetados, ou relatórios médicos, atestados de óbito, qualquer documentação que comprove o tumor ocorrido.  Muitas vezes são necessários exames clínicos, de imagem ou laboratoriais para diagnosticar alterações que podem ser parte de síndromes específicas. Após a definição diagnóstica, um programa específico de exames que visam o rastreamento e a detecção precoce de tumores é elaborado junto com a família e com os médicos assistentes do paciente.  Em casos específicos, exames genéticos moleculares podem ser solicitados.  Estes exames, no entanto são extremamente caros e de disponibilidade restrita, por isso sua indicação é muito criteriosa.
 
Instituto Oncoguia - Sabemos que esta é uma área ainda muito nova no Brasil, quais são os lugares aonde este trabalho vem sendo realizado?

Oncogeneticista - Existem poucos locais no Brasil onde este estudo é realizado.  Atualmente está sendo criada uma rede de câncer familiar nacional que visa à identificação, a estruturação e a integração destes vários serviços.  Já existem 13 serviços estruturados em 8 cidades do Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Ribeirão Preto, Belém, Salvador, Brasília, Goiânia)
 
Instituto Oncoguia - Como é o trabalho de um oncogeneticista?

Oncogeneticista - A oncogenética é uma união entre a genética e a oncologia.  O oncogeneticista trabalha com o paciente e com sua família, levantando toda a história familiar do paciente de pelo menos 3 gerações acima e todas as abaixo, e identificando os portadores de tumores ou alterações genéticas que possam ser relevantes.  Destes indivíduos, buscam-se através dos familiares, informações mais detalhadas, como a idade de início, o local de início e o tipo do tumor apresentado.  Informações sobre exposições ambientais, modo de vida e vícios também são coletadas, tentando-se excluir causas ambientais comuns que possam concorrer para a etiologia dos tumores familiares.  É um trabalho minucioso e detalhado, feito em parceira com as famílias que devem fornecer o maior detalhamento possível das informações e buscar os comprovantes necessários para a maior exatidão possível.
 
Instituto Oncoguia - E o que podemos esperar dele?

Oncogeneticista - O aconselhamento genético oncológico visa somar esforços à equipe multidisciplinar para diagnóstico, manejo, redução de riscos e detecção precoce de pacientes com síndromes de predisposição hereditária ao câncer ou agrupamentos familiares de tumores.
 
Instituto Oncoguia - Você acredita que num futuro próximo a genética irá permitir estabelecer que tipo de câncer cada pessoa pode ter?  Diante desta constatação, o que poderá ser feito?
 
Oncogeneticista - A genética molecular é uma área em rápido crescimento e tende a ganhar cada vez mais espaço.  Já existem alguns kits comerciais que avaliam a presença de mutações ou polimorfismos freqüentes na população que podem determinar uma susceptibilidade alterada ao câncer.  Ainda são testes caros, com interpretação difícil, mas a tendência é que melhorem de qualidade.  No entanto, ainda vai algum tempo para que se tornem acessíveis a uma parcela grande da população.  Estes testes poderão determinar uma susceptibilidade aumentada, mas a avaliação clínica oncogenética sempre será fundamental para a determinação de riscos específicos.
 
Instituto Oncoguia - Para que possamos orientar os nossos leitores, quais são as pessoas que devem procurar ajuda de um especialista para realizar o aconselhamento genético?

Oncogeneticista - Aquelas pessoas que apresentam muitos familiares com o mesmo tipo de tumor ou tumores diferentes, pessoas ou familiares de pacientes com tumores em idade jovem, multifocais, bilaterais ou múltiplos, com tipos histológicos raros ou em associação com alguma doença genética ou malformação.
 
Instituto Oncoguia - Quais as informações necessárias que devem ser levantadas na nossa história familiar?
 
Oncogeneticista - Na consulta oncogenética, buscamos informações sobre todos os indivíduos de 3 gerações acima do paciente e de todas as gerações abaixo, tais como nome, idade e número de filhos.  Dos familiares que tiveram câncer, necessitamos mais detalhes, tais como idade de início do tumor, local de início, tipo histológico, evolução e idade do óbito.  Idealmente, documentos que comprovem estas informações auxiliam na precisão diagnóstica e devem ser levantados pelas famílias.
 
Instituto Oncoguia - Sabemos que hoje algumas mulheres diante de uma probabilidade alta de ter o câncer têm optado por retirar as glândulas mamárias e ou tomar medicamentos orais para evitar o aparecimento do câncer. Qual a sua opinião a respeito disso?
 
Oncogeneticista - Primeiro é preciso entender a origem e o tipo de risco aumentado para câncer de mama.  Algumas síndromes predispõem somente a um aumento de risco para câncer de mama, outras aumentam o risco para câncer de mama e ovário e outras aumentam o risco para vários tipos de tumores malignos.  É preciso que o paciente esteja a par e rastreie estes outros tumores.  Especificamente para o tumor maligno da mama, existe a opção de realização de exames periódicos específicos para detecção precoce de alterações, existe a possibilidade do uso de alguns medicamentos orais e de cirurgias redutoras de risco.  Os exames devem ser realizados periodicamente e serem interpretados por médicos que atentem para o risco aumentado, para a melhor interpretação de qualquer alteração.  Eles devem ser mantidos mesmo se a paciente usar um medicamento oral ou realizar uma cirurgia redutora de risco.  Os medicamentos são de uso contínuo e podem ter efeitos colaterais, é preciso que a paciente os entenda e aceite, além de colaborara tomando a medicação por um longo período, uma vez que não há benefícios para aquelas que usam os medicamentos eventualmente.  As cirurgias redutoras de risco reduzem o risco, não são cirurgias cujo objetivo principal é a estética e devem ser indicadas criteriosamente.  Todas as alternativas são válidas, o mais importante é a paciente entender que há um risco aumentado e que existem alternativas para modificar este risco, mas a colaboração e a persistência são fundamentais para que novos casos de tumores malignos sejam evitados na família.

Esforce-se para conhecer a história da sua família, isso pode ser importante pra você!
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