[ENTREVISTA] Obesidade e Câncer: Existe relação?

A pesquisa Vigilância de fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel 2012), do Ministério da Saúde, revelou um dado alarmante: 51 % dos brasileiros está acima do peso ideal, quando o índice em 2006 era de 43%. O mesmo estudo indicou também que a obesidade cresceu no país, atingindo 17% da população.

Esta é a primeira vez que o percentual de pessoas com excesso de peso é mais que 50% da população brasileira.

E qual a razão do excesso de peso na população brasileira? Existe relação entre a obesidade e o risco de câncer?

Embora a obesidade esteja relacionada a fatores genéticos é fortemente influenciada por hábitos alimentares e sedentarismo e, embora muitos não saibam, é sim um fator de risco importante para o câncer e outras doenças crônicas que vêm, crescentemente, atingindo os brasileiros.

O Portal Oncoguia conversou com a médica endocrinologista e nutróloga, Dra. Vânia Assaly, sobre a relação entre a obesidade e o câncer e a importância vital do país educar a população para a saúde.

A médica explicou qual o conceito de prevenção do câncer relacionado à obesidade e apontou que a estratégia deve ser traçada desde a vida intrauterina de qualquer pessoa:

" Prevenção significa o aumento de nutrientes essenciais e redução de carga glicêmica. (...) reduzir o volume da refeição; comer mais verduras e vegetais coloridos do que guloseimas refinadas; consumir carnes com cozimento lento (...); nada frito, superaquecido ou torrado e pouquíssimo álcool. (...) A boa alimentação que previne a obesidade e o câncer deve começar desde o período intrauterino".

Confira a entrevista e multiplique a informação!

Instituto Oncoguia - Qual a relação entre obesidade e câncer?

Vania AssalyDra. Vânia Assaly - Nós vemos que existe essa questão: enquanto temos a obesidade, temos alguns mecanismos de resistência à insulina presentes (mas não é toda a obesidade que tem resistência à insulina). A obesidade traz dois aspectos, a inflamação e a insulina alta, os dois juntos ou cada um separadamente.

Instituto Oncoguia - Esses são gatilhos para a promoção do câncer?

Dra. Vânia Assaly - Sim. Esses dois elementos são gatilhos para a multiplicação celular e para a promoção de câncer. A obesidade é, então, um fator adicional para a incidência do câncer. Os tumores da parte intestinal, mama e próstata são muito mais incidentes em pacientes com obesidade. Os tumores hormônio dependentes também.

Instituto Oncoguia – Por quê?

Dra. Vânia Assaly - A célula adiposa produz hormônios e modifica os esteroides sexuais, que vão com uma informação trópica somados ao nível de insulina, que é um fator de crescimento. Na obesidade nós temos fígado com sobrecarga de gordura, sistema hepático congestionado, inflamação dos adipócitos e, em geral, alteração na microbiota intestinal, ou composição da flora intestinal (também modificando os metabólitos finais da detoxicação dos hormônios, ou seja, nosso sistema de eliminação de hormônios também sofre). Vale lembrar que temos a microbiota através da amamentação e, na vida, nós vamos modificando-a com as ‘bobagens’ que ingerimos, como o açúcar, o refrigerante (....). Nesse contexto vamos criando uma microbiota viciada, que se alimenta desses elementos e vai fermentando a dieta e trazendo uma modificação na metabolização dos hormônios. Essa obesidade, com microbiota alterada, insulina alta e congestão hepática, traz um conjunto que culmina em modificações promotoras do câncer ou de um sistema que não traz saúde hormonal.

Instituto Oncoguia - Em que consiste a prevenção relacionada a obesidade e doenças neoplásicas?


Dra. Vânia Assaly - A ideia é: o aumento de nutrientes essenciais e redução de carga glicêmica. O que é comer com pouca carga glicêmica? É reduzir o volume da refeição, comendo pouco e mais vezes; comer mais verduras e vegetais coloridos do que guloseimas refinadas (trocar farináceos por vegetais); consumir carnes com cozimento lento, ou seja, carnes brancas, e reduzir o consumo de carnes vermelhas para no máximo uma vez por semana; comer nada frito, superaquecido ou torrado (alimentos inflamatórios) e tomar pouquíssimo álcool, apenas o consumo social (até duas ou três taças de vinho por semana). Vale lembrar, sobre o consumo de frutas, que não se pode abusar, por conta do índice glicêmico alto. São três frutas coloridas ao dia.

Instituto Oncoguia - É mesmo uma proposta de reeducação alimentar, certo Dra. Vânia?


Dra. Vânia Assaly - Eu estou falando aqui em educação ao modelo de desejo para se optar pela saúde e não para a gula. Isso porque, quanto mais se come errado, mais se quer comer errado. E quando se entra no trem da saúde, dificilmente se quer descer!

Instituto Oncoguia - Segundo pesquisa Datafolha encomendada pelo Instituto Oncoguia e a American Cancer Society mostrou que o brasileiro desconhece a relação entre obesidade e câncer, como a senhora acha que se pode sanar este desconhecimento?

Dra. Vânia Assaly - Eu acho que tem melhorado esse nível de conhecimento. Eu, que não sou da área da oncologia, dou aulas na oncologia clínica e na psico-oncologia sobre prevenção, nutrição e medicina personalizada há 5 ou 6 anos. Isso é um elemento que mostra que a conscientização sobre a prevenção vem surgindo hoje. E há outros sinais importantes, como ações da entidade civil, como as de vocês. Nos congressos médicos isso também vem surgindo. Mas é um evento em construção (....) sabemos que a medicina brasileira é pontuada em medicalização. A saúde brasileira não é educadora. Nós somos médicos que tratamos doenças e, com isso, a prevenção é uma área nova na saúde. E saliento que é uma área que dá trabalho! Ela é transdisciplinar.  É por isso que estou aqui, falando com vocês, do Instituto Oncoguia: é uma responsabilidade médica e social que assumo. É desse jeito que plantamos um conhecimento sobre a promoção da saúde.

Instituto Oncoguia - Como a senhora vê o panorama do aumento da obesidade no país?

Dra. Vânia Assaly - A obesidade tem aumentado no Brasil e isso está acontecendo mais precocemente. Nosso papel, em termos de ação médica, de controle de obesidade e diabetes ainda é frustrante. Nos últimos 5 anos a área da endocrinologia tem se mobilizado mais em termos de campanhas. Há também dois programas que vem sendo desenvolvidos pelo Governo Federal, o Meu Prato e o Meu Pratinho, para que se tenha a consciência do 'tamanho do prato' que se deve fazer (esse segue a ideia da Michelle Obama), além da questão do prato colorido. Mas são ideias que estão começando a ser desenvolvidas. O que temos hoje é um panorama muito frustrante.

Instituto Oncoguia - Uma boa alimentação desde a infância é fundamental para o desenvolvimento da criança, a senhora acha que esse é o caminho mais adequado para um futuro com menos obesos no Brasil?

Dra. Vânia Assaly - Sim, com certeza. Mas vou um pouco além: A boa alimentação que previne a obesidade e o câncer deve começar desde o período intrauterino. Grande parte dos tumores acontece por informações de alterações de metilação no período intrauterino. Então, a gestante não pode engordar. Aliás, ela deve comer, se possível, alimentos orgânicos. Uma gestante que ingere muitos alimentos com índices glicêmicos altos, como batata frita, banana frita, pastel (...) não dá! não pode! E na primeira infância a gente planta saúde; isso se chama Janela de Oportunidade para a Construção da Saúde Metabólica. A saúde metabólica do indivíduo determina um potencial maior de não promover tumores.

Instituto Oncoguia - E a adolescência, é também um período determinante para a construção da saúde?


Dra. Vânia Assaly - Absolutamente! Nesta fase se tem aumento de hormônios sexuais (...) e acrescentando-se a isso à insulina alta de uma dieta 'trash' e os poluentes ambientais, tem-se um terreno fértil para o câncer. A adolescência deve ser um foco fundamental de educação em saúde, para que não haja aumento de peso. Com todo esse ambiente hormonal, é a fase onde se pode acordar o potencial genético do câncer.

Instituto Oncoguia - Para terminarmos, qual a diferença entre nutricionista e nutróloga?

Dra. Vânia Assaly - O nutrólogo é o médico que conhece a nutrição e as doenças, em termos de recursos do uso e limite de alguns nutrientes e compostos químicos (por exemplo, a proporção da dieta em determinadas doenças). O nutricionista vai, na prática, prescrever a dieta enquanto o nutrólogo prescreve proporções. Por exemplo, a um paciente com insuficiência renal, diabetes e câncer, nós, nutrólogos, escolhemos a proporção de macro e micro nutrientes e pedimos para que o nutricionista nos dê apoio, indicando os alimentos. É claro que essa parceria é o melhor retrato em termos de eficácia clínica.
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