[ENTREVISTA] Oncoguia tem novo membro no Comitê Científico

Dr Casali

O Instituto Oncoguia tem um novo membro em seu comitê científico: Dr. José Claudio Casali, oncogeneticista do Hospital Erasto Gaertner, de Curitiba, professor de Medicina da PUC Paraná e autor de livros científicos.

Dr. Casali foi um dos primeiros médicos pesquisadores brasileiros a olhar para a união entre a genética e a oncologia no país, ainda na década de 90, e a aplicar ferramentas para mapeamento de casos hereditários do câncer, de forma a preveni-los ou diagnosticá-los precocemente.

Na conversa com a reportagem do Portal Oncoguia, Dr. Casali, que hoje é o principal porta-voz do conhecimento da oncogenética e da prevenção dos cânceres hereditários no Brasil, em congressos médicos e na academia, falou sobre a sua trajetória na área e conceituou termos que pouco a pouco se tornam mais conhecidos no país, como acompanhamento genético, árvore genealógica e traço genético, entre outros.

Convidamos o leitor a desmistificar a insegurança em torno do aconselhamento genético, apontando que essa é a maneira possível de se encontrar o câncer hereditário em estágio inicial e, com isso, mais facilmente curável. Um traço genético não é fator determinante para o câncer em um indivíduo, explica.

"Os nossos traços genéticos tem interruptores que se pode ligar ou desligar, e o que faz isso é o seu estilo de vida: o que você come; se você tem um bom enfrentamento dos problemas; se mantem seu peso etc.”.

Confira a entrevista, conheça a oncogenética e o novo integrante do Comitê Científico do Instituto Oncoguia.

Instituto Oncoguia: Dr. Casali, fale sobre o seu histórico na Oncogenética

Dr. Casali - Sou médico, tenho uma residência em clínica médica e duas em oncologia, pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA). Quando na residência, me surgiram diversos questionamentos, por exemplo, sobre o porquê de um paciente responder a determinado tratamento e outro, com o mesmo tipo de tumor, não? Por que um paciente com um tumor grande sobrevivia e outro com um tumor muito pequeno, não? Eu comecei a perceber que havia questões biológicas determinantes. Foi então que, no último ano de residência clinica, estive por 3 meses no Memorial Hospital fazendo um estágio e, lá, vi pessoas trabalhando com pesquisa e com a clínica. Voltei decidido a trabalhar na área da pesquisa!

Instituto Oncoguia - E como foi a partida para a área da pesquisa?

Dr. Casali - Em 1998 iniciei uma pós-graduação no Instituto Ludwig, que funcionava no Hospital A.C Camargo e fui orientado por Andrew Simpson, que à época iniciou o projeto genoma do Câncer. O meu projeto era em torno de uma síndrome de câncer hereditário, chamada Von Hippel- Lindau.

Instituto Oncoguia - E nessa época, final da década de 90, qual era o nível de conhecimento sobre os cânceres hereditários no Brasil?

Dr. Casali - Havia desconhecimento entre os médicos e nas universidades não somente da síndrome que estudei, mas todas que causavam o câncer hereditário. Eu rodei várias universidades, clínicas, hospitais atrás de pacientes e eu não conseguia identificar essas pessoas, apesar de saber que existiam. O problema é que os médicos não sabiam fazer o diagnóstico de um câncer hereditário.

Instituto Oncoguia - Nessa época o senhor tinha formação em genética?

Dr. Casali - Não e, por isso, ingressei na Escola Paulista de Medicina para ter a formação em genética clínica. Nesse ínterim, via no A.C Camargo pacientes com diagnostico de câncer com essa história familiar e ampliei a discussão do tema do câncer hereditário naquele espaço. Foi quando o professor Ricardo Renzo Brentani (1937 -2011) me propôs a criação do departamento de oncogenética. No final de 98 criamos o Departamento, que dirigi durante 5 anos. Foi o primeiro serviço de oncogenética em um hospital de câncer na América Latina. Depois fiz doutorado e passei a me dedicar exclusivamente à oncogenética e, na sequência, parti para um pós-doutorado nos Estados Unidos em Farmacogenética.

Instituto Oncoguia - E voltou a convite do INCA?

Dr. Casali - Sim. O INCA me convidou para montar o Banco Nacional de Tumores e DNA, algo inovador e desafiador. A ideia era formar uma estrutura de amostras de tumores que pudessem ser usados para alavancar as pesquisas no Brasil. Iniciei o projeto do zero e fiquei à frente dele por cinco anos, compondo uma Rede Brasileira e Latino Americana de pesquisas.

Instituto Oncoguia - O seu livro, Oncologia Molecular, entra neste período?

Dr. Casali - Em 2005 lancei o livro escrito junto com o Dr. Carlos Gil, com o qual ganhamos o Prêmio Jabuti de Literatura. Neste mesmo período abri consultórios no Rio de Janeiro e São Paulo e continuei dedicado a pesquisas.

Instituto Oncoguia - Fale sobre a criação a sua chegada ao Hospital Erasto Gaertner, em Curitiba.

Dr. Casali - Sim. Fui chamado pelo hospital para montar o serviço de genética em um serviço do Sistema Único de Saúde. Eu tinha, obviamente, vontade de fazer isso em todo o Brasil! Hoje o serviço atende entre 20 e 25 famílias por semana. Hoje sou também professor da graduação e pós-graduação da PUC Paraná e mantenho os consultórios no Rio, São Paulo e Curitiba.

Instituto Oncoguia - A propósito, quantos serviços públicos de oncogenética existem no país?

Dr. Casali - São poucos. Há na Escola Paulista de Medicina (SP), na USP de Ribeirão Preto (SP) e no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, além do Hospital Erasto Gaertner.

Instituto Oncoguia - Qual o panorama da oncogenética no país hoje?

Dr. Casali - Tenho sido o porta-voz desse conhecimento em congressos, cursos, etc, e esse espaço vêm se ampliando. A mídia contribui de forma importante com esse processo, levando oncologistas a incorporarem o conhecimento. Isso porque, a própria população passa a questionar os médicos: Meu câncer pode ser hereditário? Existe diferença na forma de tratar?

Instituto Oncoguia - Podemos dizer que a oncogenética é um mecanismo de prevenção do câncer?

Dr. Casali - Com certeza. Mas hoje uma das maiores dificuldades que enfrentamos é a falta desse reconhecimento, de que a oncogenética é uma forma inteligente de se fazer prevenção. As estratégias de prevenção promovidas pelo Ministério da Saúde não consideram o câncer familiar, mas esporádico (que corresponde a 90% dos casos). São recomendações que levam em conta os fatores ambientais e o envelhecimento da população.

Instituto Oncoguia - Como se faz o diagnóstico do câncer hereditário? Há necessidade de testes de DNA?

Dr. Casali - As pessoas pensam que sim, que depende apenas do teste de DNA, mas só o diagnóstico do câncer familiar e das orientações que você dá em termos de prevenção, já trazem tranquilidade para a família. O teste do DNA é uma sofisticação, que, é claro, definirá muitas coisas. Mas a ferramenta mais importante é desenhar a árvore da família, a árvore genealógica, e orientar que programa que esse grupo de pessoas deverá seguir. Já existem diversas linhas de orientação.

Instituto Oncoguia - O Senhor fala então em avaliação oncogenética?

Dr. Casali - Sim. É quando se faz árvore genealógica daquela família. Para isso, o paciente deverá informar ao oncogeneticista que pessoas da família tiveram câncer, com qual idade, de quais tipos (...). Se já houve morte, apresentar o atestado de óbito e o resultado da biópsia ou do exame anatomopatológico. A partir do diagnóstico da síndrome, será sugerido o aconselhamento genético.

Instituto Oncoguia - O que é aconselhamento genético?

Dr. Casali - É uma ferramenta do geneticista, um processo de comunicação de riscos futuros, de recorrência do quadro de câncer na família. Isso vem acompanhado de uma estratégia de prevenção que inclui investigação genética e intervenção (testes de DNA). Quando eu falo em intervenção é um programa de rastreamento que pode incluir exames ou até chegar ao ponto de se fazer cirurgias preventivas, como aconteceu, por exemplo, com Angelina Jolie.

Instituto Oncoguia - O senhor entende que a ideia da busca por um oncogeneticista pode causar medo nas pessoas?

Dr. Casali - Hoje, uma das barreiras que a pessoa encontra ao procurar um geneticista e saber um pouco mais da herança genética é o medo de descobrir alguma coisa. A pessoa diz (...) por que vou procurar, mas se eu achar? Mas é exatamente isso! É melhor achar! Pois estaremos achando numa fase em que o inimigo é mais frágil. E sabemos que em oncologia o diagnóstico precoce é fundamental. O geneticista entra na vida dessa família quase como um membro, e passa a deixar as pessoas mais seguras em termos de enfrentamento. Eu digo sempre: vamos enfrentar o risco (...) é melhor que enfrentar o câncer!

Instituto Oncoguia - Então o impacto do aconselhamento é apenas inicial?

Dr. Casali - Sim, pois com informação a pessoa perde os medos. A informação traz às pessoas a sensação de risco real. E não a fantasia. Às vezes eu pergunto para os pacientes...qual o seu risco em termos de probabilidade de ter um câncer. Eles dizem: de zero a 10 é 9.

Instituto Oncoguia - Qual é a chance de um membro de determinada família receber um traço genético que predispõe ao risco do câncer?

Dr. Casali - A chance da pessoa receber um traço genético é de 50%. Depois do teste de DNA é que se verifica esse refinamento do risco. O teste é feito de preferência naquela pessoa que teve o câncer, que servirá de controle positivo para toda a família. A partir desta pessoa você procura em outros membros da família que não tiveram câncer, se nasceram com esse traço. A pessoa que tiver o traço será a candidata a passar ao programa de rastreamento. A genética tem uma aplicação prática muito importante hoje, porque conseguimos a partir dela mudar o filme da família.

Instituto Oncoguia - Mas se a pessoa tiver o traço genético, terá necessariamente o câncer no futuro?

Dr. Casali - Não. Os nossos traços genéticos tem interruptores que se pode ligar ou desligar, e o que faz isso é o seu estilo de vida: o que você come; se você tem um bom enfrentamento dos problemas; se mantem seu peso etc. Então, mesmo as pessoas que têm um alto risco por causa de questões familiares, podem atenuá-lo ou até evitar que ele se manifeste, apenas modificando o estilo de vida. Nós temos todo um programa de rastreamento voltado ao traço genético que foi detectado, de forma a fazer diagnósticos precoces. Isso muda completamente a vida da pessoa.

Instituto Oncoguia - Quais são as limitações enfrentadas pela oncogenética hoje?

Dr. Casali - A primeira, é que precisamos de maior conscientização dos médicos, para que indiquem determinados pacientes ao aconselhamento genético. Outras são da própria estrutura familiar. Famílias pequenas, meios irmãos, filhos únicos, adoções (...).

Instituto Oncoguia - Por fim, quem deve procurar um aconselhamento genético oncológico?

Dr. Casali - Pessoas com um caso de câncer na família com menos de 40 anos; que têm 3 casos de câncer entre parentes próximos do mesmo lado da família, do mesmo tipo ou de tipos diferentes (isso em qualquer idade), ou que tenha dois casos de câncer na família, um deles com menos de 50.
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