[ENTREVISTA] Quando o amor supera qualquer barreira, até as mais difíceis
Cristiano namorava Sabrina há 8 meses quando ela recebeu o diagnóstico de um câncer de mama. A notícia trouxe alguns desafios ao casal, que, após um pequeno período de luto e indignação, provou que o amor é essencial e nos ajuda a enfrentar qualquer barreira, até as mais difíceis.
Confira abaixo a entrevista que Cristiano deu ao Portal Oncoguia.
Instituto Oncoguia - Como foi receber a notícia do diagnóstico de câncer de mama da sua esposa?
Cristiano Estrasulas - Não posso mentir, ou ser hipócrita, e dizer que foi tranquilo... Foi uma hecatombe!!! O primeiríssimo pensamento que veio à mente foi o de morte, em seguida o pensamento de preocupação com o tratamento, como seria, dúvidas e mais dúvidas, e, por fim, o ridículo pensamento de preocupação com a parte estética, químio, perda de cabelos, como eu encararia isso?
Instituto Oncoguia - De que forma isso impactou a sua vida? No que pensou, o que sentiu?
Cristiano Estrasulas - Até então, jamais me deparei pensando sobre o câncer de mama... Mal sabia do que se tratava, achava que era coisa de outro mundo, que só acontecia com os outros. No início, inclusive, tencionava a não acreditar, a achar que aquela notícia iria ser desmentida a qualquer momento, e que tudo voltaria ao normal. Tive medo, muito medo, especialmente no início, primeiro, de que a Sabri iria morrer, que estaria com uma sentença de morte de meses; depois o pensamento sobre como eu iria suportar isto, as dúvidas se eu teria capacidade e hombridade para passar por tudo isso! Hoje vejo, claramente, que eu era um completo alienado no que diz respeito ao câncer de mama e suas consequências.
Instituto Oncoguia - E no seu relacionamento?
Cristiano Estrasulas - Nosso relacionamento tinha cerca de 8 meses quando tivemos o diagnóstico de câncer de mama na Sabri. Era um namoro, apesar de intenso, incipiente ainda. A Sabri tinha recém mudado para Passo Fundo (ela era de Bento Gonçalves, namoramos alguns meses na "ponte aérea” Passo Fundo-Bento Gonçalves, até que ela conseguiu colocação profissional em "minha” cidade), mal havia se instalado, e um mês depois, recebemos um baque destes... Confesso que fiquei extremamente abalado... Fui forte no início, dei apoio e suporte, para, logo em seguida, fraquejar e titubear, especialmente diante do início da queda de cabelo. Lembro-me, bem, do meu pavor (de mim, dos meus medos e pré-conceitos, de pensar no que os outros iriam pensar) quando a Sabri raspou os cabelos pela primeira vez... Sou muito autêntico, ela enxergou esse pavor nos meus olhos, aquilo teve um impacto muito forte em nossa relação. Ficamos algumas semanas, cerca de 2 meses, onde eu me via em uma espécie de "limbo”... Não sabia ao certo o que fazer, como fazer, andava perdido dentro de nosso namoro. Creio que, ao mesmo tempo em que me preocupava em dar apoio à Sabri (o apoio formal, de estar ali), me preocupava com minhas reações, com as reações de minha filha ao fato de a Sabri ter recém perdido o cabelo (tenho uma filha de uma relação anterior; ela estava na época com pouco mais de 5 anos). Foi um período cinzento e nebuloso, não sabia ao certo como me posicionar... Creio que, por esse desconhecimento e medo, inconscientemente acabei me afastando um pouco da relação que tínhamos, o que acabou culminando em uma ruptura breve. Mas, já diz o ditado, é quando se perde que se aprende a dar valor... Hoje brincamos que esta ruptura foi fundamental e imprescindível para nos darmos conta do que era nossa relação, do quão especial ela era, do tanto de amor que tínhamos um pelo outro, para efetivamente amadurecermos. A partir da (breve) ruptura, e do imediato "reatamento” do namoro, nossa relação mudou de água para vinho. Entrei de corpo e alma no relacionamento com a mulher que eu amo (e já amava muito na época), e, a partir deste momento, o câncer de mama era só mais um "empecilho” a enfrentarmos, como todos os diversos outros que nós – e todos os casais – enfrentam na vida inteira. O impacto da ruptura foi tão grande, que logo em seguida fomos morar juntos, e, um mês depois, tomei o que foi uma das mais acertadas decisões da minha vida, pedi sua mão (e todo o resto eheh) em noivado. Casamos pouco mais de um ano depois (no dia 16/12/2011), e, desde então (como gostamos de brincar), vivemos nosso conto de fadas de verdade!
Instituto Oncoguia - Quais os principais desafios enfrentados durante o diagnóstico e tratamento?
Cristiano Estrasulas - No início, a ignorância e absoluto desconhecimento. Superada esta fase (depois de muita conversa com o médico, pesquisa, sites de Faculdades de Medicina, Centros de Pesquisa, Oncoguia, dentre as inúmeras fontes que existem na internet); e após passarmos a morar juntos, acho que os principais desafios no tratamento eram os períodos em que a Sabri passava mal, com os efeitos das sessões de rádio e quimioterapia. Da primeira vez (no tratamento do câncer de mama), as dificuldades maiores se davam com ela, em vê-la sofrendo e passando mal, nos sintomas pós-quimio, era doído. A sensação de impotência era absurda, pois tudo o que eu podia fazer era ficar ali, auxiliá-la, segurá-la... Passamos um período de graça, onde, após o tratamento do câncer ela usava somente o tamoxifeno, e, quase dois anos após, descobrimos a metástase óssea. O primeiro impacto foi difícil, mas a ignorância não existia mais; passado o pequeno "período de luto” da descoberta, só existia a força e coragem para fazer o que tinha que ser feito. Nesta segunda etapa, creio que disparadamente o mais difícil eram as internações, que ocorriam por 2 a 3 dias a cada 2 semanas, a rotina de hospital, levamos tempo até ajustarmos tudo... Não existe um "correto”, não existe fórmula mágica, tivemos que passar e vivenciar e nos ajustar dia a dia, até acharmos nosso ponto de equilíbrio, o que, graças a Deus, à ajuda da família, amigos e médicos, conseguimos.
Instituto Oncoguia - Qual a importância do apoio do parceiro nesse momento?
Cristiano Estrasulas - Creio que é fundamental e imprescindível. Brincamos, a Sabri e eu, que temos um relacionamento antes de nossa ruptura, e outro depois, porque depois da ruptura (que, como disse, foi fundamental para o amadurecimento), passamos a nos completar. Ela não era aquilo, ela estava (ou está, ainda) com aquilo, e, independentemente do que houvesse, eu estaria ali, junto, incondicionalmente. Conversamos muito, especialmente nos momentos de maior dificuldade, mas tenho certeza que ela sabe que estou e estarei ao lado dela 100% do tempo, porque a amo, com ou sem diagnóstico. Tenho certeza, também, que a confiança e cumplicidade que temos, é um dos pilares do tratamento, e ponto fundamental para que ela tenha tranquilidade para passar pelo mar tempestuoso que é o tratamento.
Instituto Oncoguia - O diagnóstico de alguma forma alterou a intimidade entre vocês?Como vocês lidaram com isso?
Cristiano Estrasulas - No início nos afastou, para, passado o susto inicial, e o breve período de turbulência, nos aproximar infinitamente mais do que antes do diagnóstico. Passamos a nos ver por inteiro, amadurecemos absurdamente, e deixamos de ser apenas um rosto/corpo para sermos seres apaixonados um pelo outro. A Sabri diz algo que representa muito isso, ela fala que vivemos um "encontro de almas”, o que só passou a ser verdade a partir do momento em que nos despimos dos pré-conceitos iniciais de beleza. O incrível disso tudo – e independentemente de nossa intimidade que é a mais profunda possível - é que, hoje, vejo a Sabri como uma mulher muito mais bonita do que quando a conheci, antes do diagnóstico.
Instituto Oncoguia - Altos e baixos emocionais são comuns tanto no paciente, quanto no familiar, como você se cuidou?
Cristiano Estrasulas - Sempre fiz terapia, assim como a Sabri, o que nos auxiliou como suporte para enfrentar as dificuldades não só normais da vida como desta situação especial. Daí, e com o tempo, compreendi que não adiantaria me dedicar de corpo e alma à Sabri, e simplesmente esquecer de todo o resto, pois eu acabaria por definhar, e, por consequência, deixaria de ter condições de dar o apoio e suporte que ela também necessita. Entendi que era importante que eu me cuidasse, tanto no aspecto físico quanto no psicológico, para poder ser o apoio integral dela, quando e se precisasse. Por exemplo, no período em que ela passava internada 3 dias a cada duas semanas, no início eu passava o tempo todo no hospital com ela, mal acomodado, dormindo em sofás ou poltronas, acreditando que assim estava ajudando. Percebemos que eu não fazia essa diferença toda, e, pelo contrário, me definhava fisicamente, deixava o escritório de lado (sou advogado, e é de onde vem boa parte do rendimento que nos dá sustento), justo em um ambiente em que ela tinha médicos e enfermeiros quando precisasse. Passamos a dosar esse acompanhamento, até encontrarmos o equilíbrio. Também busquei e busco, desde sempre, o que nas palavras de minha terapeuta são "pequenas clareiras”, momentos de individualidade, pequenos momentos de lazer no meio de tanta dificuldade, que me auxiliam a manter a higidez mental extremamente necessária para acompanhar o amor da minha vida nessa caminhada. Afinal, não poderei prestar qualquer auxílio se eu não estiver bem. Os altos e baixos são coisas da vida, mas, quando detectamos os "baixos”, através de muita conversa buscamos o quanto antes dele escaparmos, rumo – se não aos "altos” – à subida do humor e da estabilidade emocional e psicológica.
Instituto Oncoguia - Você teria alguma orientação ou dica para dar para os maridos que estão na mesma situação?
Cristiano Estrasulas - Só tenho a minha experiência, nada além disso; logo, nem poderia orientar alguém que passa ou começa a passar por uma situação parecida com a minha. Mas se eu pudesse ressaltar alguns aspectos que, vejo, facilitaram a nossa vida após o diagnóstico, falaria nestes: (I) exerci o amor, incondicional, de olho no olho, independentemente de aparência física. Amar alguém saudável e bonita, é fácil, mas o amor de verdade se percebe quando a outra pessoa mais precisa de você, quando ela se depara com um diagnóstico terrível, e você chora com ela por alguns (poucos) dias, sacode a poeira, ergue a cabeça, e decide que vocês (ambos) irão seguir em frente, haja o que houver; (II) decidi aspectos práticos, situação profissional, finanças, pois o baque é inevitável. Muito poucos estão efetivamente preparados para uma situação deste tipo, mas a forma como você passa a encará-la faz toda a diferença; (III) cuidei de mim, me permiti momentos felizes (sou motociclista, e uma das grandes paixões são passeios de moto, o que me dá um "gás” extra quando preciso), mesmo quando passamos por fases pesadas (e difíceis) do tratamento. Se você não estiver bem, acredite, não poderá fazer seu melhor para sua companheira; (IV) cri, e me fiz acreditar que minha esposa é, verdadeiramente, o amor da minha vida, mesmo quando o cabelo caiu, quando os hormônios e corticoides do tratamento a fizeram ganhar peso, quando o humor variou do Everest à mina de carvão em segundos, quando a libido chegou a zero, e quando nada mais a contentava. Lembre-se, que isto é uma fase, e irá passar, como tudo na vida. Acima de tudo, lembre-se de que ao seu lado está a mulher que você ama, e que se eventualmente ela está em uma destas situações desfavoráveis, isto se deve ao tratamento, e não ao que ela é de verdade. E vai passar!
Acho que é por aí, nós maridos não temos tanta eloquência e facilidade de intimidade quanto as meninas (vide os grupos e blogs delas), mas, se alguém estiver em situação parecida, e não encontrar qualquer auxílio no texto acima, não hesite em me contatar, ficarei feliz se puder ajudar em algo mais.
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