[ENTREVISTA] Um olhar sobre a Pesquisa Clínica em oncologia no Brasil
O Instituto Oncoguia conversou com o oncologista e pesquisador do Rio Grande do Sul, Carlos Henrique Barrios, sobre o panorama da pesquisa clínica em oncologia no Brasil e os desafios para torná-la um efetivo instrumento de acesso dos pacientes a tratamentos. Para o pesquisador, estamos em período de amadurecimento e, em muito, a responsabilidade é dos próprios investigadores: "As pessoas começam a estimular-se de forma individual (...) buscam meios de criar uma estrutura que lhes permita ter acesso a protocolos clínicos”. Sobre o acesso de pacientes a pesquisas clínicas, o número restrito de centros e a sua localização geográfica – estão geralmente localizados nas cidades com maior densidade demográfica – são desafios importantes. "O acesso a informações também é. Muitas vezes, até os investigadores têm dificuldades em saber quais pesquisas estão sendo realizadas no país. No entanto, iniciativas estão sendo criadas para isso”, afirma.
Instituto Oncoguia - O Dr. Ricardo Brentani (ex-presidente da Fapesp) disse em entrevista à Revista Onco& pouco antes de falecer, que "desde o primeiro mandato do FHC o investimento em ciência nunca deixou de existir” e que o país estaria investindo 1,5% do PIB em pesquisa. Concorda com a colocação? É possível verificar avanços especificamente em oncologia?
Carlos H. Barrios - Isso pode até ser verdade, mas não tenho dados. O que posso garantir é que esse investimento é insuficiente para as necessidades do país. Do ponto de vista prático, existe uma necessidade muito maior de investimento em pesquisa do que está se fazendo no momento. Certamente a área de pesquisa está absolutamente desprovida de suporte estatal e, embora haja iniciativas para melhorar essa situação, nenhuma dessas realmente está sendo suficiente.
Instituto Oncoguia - Sobre a formação do oncologista brasileiro. Ouvimos muito que há poucas faculdades no pais que contemplariam cursos de oncologia. A formação médica em oncologia pode ser um entrave à pesquisa no país?
Carlos H. Barrios - Eu acredito que não e que, na realidade, podemos observar uma importante evolução na formação médica no Brasil. Há 20 anos, muitas escolas não tinham cursos de oncologia formal, e hoje praticamente todas as faculdades (se não todas) contemplam esta área. O médico brasileiro sai da faculdade com noções de oncologia, e isso é obvio dada a importância da doença do ponto de vista de saúde pública. Eu acredito que existam residências espalhadas por todo o país, com a natural concentração em cidades de maior densidade populacional. Os médicos, de forma geral, estão distribuídos inadequadamente, mas isso pode estar mudando. No Rio Grande do Sul, por exemplo, percebemos uma migração de oncologistas de Porto Alegre para todo o interior e, com isso, poucas cidades do estado não têm um oncologista clínico formado.
Instituto Oncoguia - Sobre a disponibilidade do conhecimento. Como avalia que estamos?
Carlos H. Barrios - O acesso às informações por via eletrônica faz com que praticamente em qualquer lugar estejamos aptos a nos atualizar de forma instantânea, diferente do que acontecia até pouco tempo atrás, quando os conhecimentos atingiam os oncologistas com meses de atraso. Do ponto de vista da formação do oncologista brasileiro, isso tem ajudado muito. Em minha opinião, estamos entre os melhores da América Latina.
Instituto Oncoguia - A partir dessa evolução na formação médica, se podemos assim dizer, é possível observar um aumento no número de pesquisas realizadas em território nacional, que tenham projetos originários do país?
Carlos H. Barrios - A reposta é não. Eu acho que existe um processo de amadurecimento. Se verificar historicamente a pesquisa clinica no Brasil (e incluo a área da oncologia aqui), verá que ela tem um tempo relativamente curto, de mais ou menos 15 anos - data da primeira regulamentação nacional. Outro aspecto é que antes da regulamentação, o número de centros de pesquisa e de investigadores interessados na área eram muito pequenos, e a expansão é recente (diria, nos últimos 5 anos). As pessoas começam a ver exemplos e a estimular-se de forma individual; perguntam-se sobre o que podem fazer, como podem fazer e, então, buscam meios de criar uma estrutura que lhes permita ter acesso a protocolos clínicos. Só depois de participar de protocolos clínicos é que a pessoa terá condições de estruturar as suas próprias ideias e implementá-las. Há muitas ideias e projetos, mas o problema é como um investigador, sem sustentação econômica, pode levar projetos em frente. Estamos em um processo intermediário.
Instituto Oncoguia - Como foi a sua experiência pessoal?
Carlos H. Barrios - Comecei com somente uma coordenadora, por volta de 1996, e na medida em que o Brasil passou a participar de estudos clínicos, passamos a desenvolver experiências e foi possível ampliar a equipe. Criamos condições de programar projetos próprios. Eu acho que isso é uma questão de evolução. Digo que nos próximos anos veremos cada vez mais projetos de pesquisa gerados e dirigidos por investigadores brasileiros nas publicações internacionais. Hoje a maior parte dos projetos têm patrocínio da indústria farmacêutica, mas esta certamente é uma das metas que devemos alcançar em conjunto: desenvolver projetos que sejam próprios, que respondam às nossas próprias perguntas. Acredito que isso irá acontecer.
Instituto Oncoguia - Diversos hospitais de ponta do país criaram seus Centros de Ensino e Pesquisa na última década. Esse movimento é parte do desenvolvimento da pesquisa no país e repercute na qualidade da pesquisa nacional na área de oncologia?
Carlos H. Barrios - Sem dúvida nenhuma. Eu não chamaria isso de movimento, que em minha opinião aconteceria de forma integrada. Mas isso está ‘pipocando’ por uma questão de interesse e possibilidade.
Há algo importante nesse aspecto histórico, que tem de ser destacado: Até agora, o desenvolvimento da pesquisa clínica no Brasil tem sido fundamentalmente concentrado no interesse, no estímulo e na disposição do investigador. O apoio institucional é praticamente inexistente na maior parte dos lugares. Mas é fundamental a participação institucional neste cenário, e isso está começando acontecer.
É a experiência de centros de pesquisa mais maduros que estimula a entrada de outros agentes e instituições no processo. Nós temos estimulado e apadrinhado vários centros de pesquisa espalhados por toda a região sul (...) facilitamos o treinamento e orientamos nos processos, e eu acredito que essa seja parte da função dos centros já estabelecidos.
Instituto Oncoguia - Falando agora sobre a pesquisa clínica como promoção de acesso a tratamento para pacientes brasileiros. Quais sãos os desafios que os profissionais, os centros de pesquisa e os próprios pacientes encontram?
Carlos H. Barrios - O desafio mais prático é a falta de acesso à pesquisa de forma geral, porque não existem suficientes centros disponíveis no Brasil. Somente para dar um exemplo, o número de centros de pesquisa (não só de oncologia) na América Latina (no Brasil deve ser semelhante) é de aproximadamente 2 para cada milhão de habitantes; esse número nos Estados Unidos é um para cada 82! Mas certamente estamos em uma situação evolutiva. Parece que existe um alinhamento, uma confluência de interesses, que vai se ajustando com o tempo (muito pelo esforço dos centros mais desenvolvidos) e terá repercussão positiva. Consequentemente o acesso à pesquisa será mais fácil. Hoje os centros de pesquisa estão localizados nas capitais, o que dificulta o acesso do paciente, mas isso deverá mudar também.
Instituto Oncoguia - Além do número restrito de centros de pesquisa e sua localização geográfica há outras dificuldades?
Carlos H. Barrios - O acesso a informações. Muitas vezes, até os investigadores têm dificuldades em saber quais pesquisas estão sendo realizadas no país, no entanto existem duas iniciativas que estão tentando resolver essa situação. A primeira delas é a Plataforma Brasil, em o Estado pretende cadastrar todas as pesquisas que estão em andamento para deixar as informações à disposição dos profissionais da saúde que, eventualmente, possam encaminhar seus pacientes; isso, obviamente, dá muito mais transparência para esse processo. A outra, da qual tenho participado, é para o desenvolvendo de um site: Ofereceremos os contatos de centros de pesquisa para que os médicos e os pacientes possam pleitear participação. Estamos enfrentando algumas dificuldades do ponto de vista prático, mas temos a convicção de que dentro dos próximos 1 ou 2 anos colocaremos a ferramenta à disposição dos médicos e, mais importante, da população.
Instituto Oncoguia - Sobre a aceitação, tanto da classe médica quando da população em geral, em relação à pesquisa clínica. Ainda há a percepção de que participando de pesquisa, o paciente seria uma cobaia...
Carlos H. Barrios - Temos que criar uma mentalidade na população, médica e em geral, de que quando se enfrenta um problema como o câncer, temos sim que discutir os tratamentos convencionais, mas devemos refletir e nos perguntar se há alternativas de investigação que repercutam em melhores resultados. Eu sei qual é o tratamento convencional, mas será que esses resultados são os melhores? Será que não há nada que está sendo estudado que possa dar ainda mais chances de sucesso no tratamento? Precisamos afastar o preconceito de que o projeto de pesquisa serve para usar o paciente como animal de laboratório.
Instituto Oncoguia - Então, hoje não há mesmo um local que concentre as informações.... O que é que podemos sugerir aos pacientes que nos solicitam informações a esse respeito?
Carlos H. Barrios - Hoje não temos esse espaço, de fato. O que eu recomendaria para um médico ou paciente (e isso é o que eu faço, já que participo da mesma limitação com meus pacientes) é telefonar para os centros que estão fazendo pesquisas para perguntar se existe alguma em andamento, e que o paciente possa participar, buscar nesses centros de referência outros contados (...) e por aí vai. A busca neste momento tem que ser pontual. Do ponto de vista prático a alternativa é essa.
Instituto Oncoguia - Então, vamos lá: pesquisas clínicas desenvolvidas em centros brasileiros podem ajudar os nossos pacientes?
Carlos H. Barrios - Sem dúvida nenhuma! O motivo fundamental pelo qual eu comecei a fazer pesquisas foi a possibilidade de poder oferecer a pacientes alternativas de tratamento, que eles, de outra maneira, não teriam acesso. Um exemplo: se eu tenho um paciente de um bairro periférico de Porto Alegre, da Zona Norte ou da Restinga, ele pode levantar de manhã, pegar dois ônibus para chegar ao hospital da PUC e ter acesso a tratamento, acompanhamento, exames e medicações como se estivesse (exatamente como se estivesse) no Memorial Sloan Kettering-Center em Nova Iorque (...), sem tirar ou colocar nada! O manejo deste paciente de pesquisa clinica é absolutamente idêntico. Só esse exemplo deixa claro que oferecemos em pesquisa clínica o que há de melhor para o cuidado dos pacientes com câncer. Isso é uma garantia absolutamente motivadora ao que fazemos.
Instituto Oncoguia - Algum outro benefício da pesquisa clínica aos pacientes oncológicos brasileiros que considere importante destacar?
Carlos H. Barrios - Sim. Um segundo aspecto fundamental é que as instituições que fazem pesquisa clínica, sem dúvida nenhuma, melhoram os processos de assistência aos pacientes que não estão participando da pesquisa. Melhora-se o processo da radiologia, do laboratório, da internação (...) cria-se procedimentos operacionais que vão ‘respingar’ em melhor registro, calibração de material e equipamentos; uma centena de coisas que melhora, simplesmente, pois o centro está realizando pesquisa clínica. É um benefício absolutamente importante.
Instituto Oncoguia - Ouvimos muito que o ambiente burocrático brasileiro é um empecilho para a realização de pesquisas e que a CONEP não estaria cumprindo o seu papel. Como avalia a atuação da CONEP, pensando no acesso do paciente oncológico brasileiro à pesquisa?
Carlos H. Barrios - Primeiro, eu não acho que possa ser dito que a CONEP não está cumprindo seu papel. Não é isso. Para poder fazer essa análise precisamos considerar algumas coisas. Primeiro, estimativas dos últimos anos mostram que atividades de pesquisa clínica global representam um negócio de 1 bilhão e 400 mil dólares. É um valor extremamente importante e esse foco deve ser observado.
A necessidade regulatória é absolutamente mandatória. Em todos os países do mundo elas existem e servem para garantir a segurança do paciente (...). Isso é universal. A legislação brasileira nesse sentido é alinhada aos mais seguros e éticos padrões que possamos ter em qualquer lugar. Entretanto, em países como os Estados Unidos, França e Espanha, desde que uma pesquisa é apresentada para a regulamentação até que ela seja aprovada, normalmente leva-se um período de 1 a 3 meses, quando no Brasil, a mesma avaliação leva de 10 a 14 meses. A pergunta que eu faço é: será que somos mais éticos que os outros países? A resposta certamente é não. O problema está na implementação dessa regulamentação, na burocracia, que faz com que a demora aconteça. E isso tem consequência. Perdemos a competitividade, pois o tempo que os estudos ficam abertos no Brasil é menor! A CONEP está sim cumprindo a sua função, mas não é da forma ideal, principalmente em termos de prazos. O número de pessoas que está encarregado de lidar com este tipo de processo regulatório, ao meu ver, ainda é insuficiente para dar conta do volume de trabalho. Esse é um dos pontos (não é o único) que precisa ser trabalhado. Comentei do volume imenso de recursos que podemos receber, mas o acesso a ele dependerá da nossa capacidade de atender às pesquisas da melhor maneira possível.
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