Evento do Oncoguia discute acesso a tratamentos oncológicos no SUS

Os obstáculos enfrentados pelos pacientes oncológicos brasileiros no Sistema Único de Saúde (SUS) foi um dos temas discutidos pelo 12° Fórum Nacional Oncoguia. O evento, que ocorreu entre os dias 26 e 29/4 e foi organizado pelo Instituto Oncoguia, tinha como objetivo discutir o tratamento de câncer além do viés da pandemia de Covid-19, que protagonizou os debates nos últimos dois anos. O Fórum ainda apontou para uma sobra no orçamento para tratamentos de câncer no SUS.

Os pacientes com câncer que dependem do SUS, muitas vezes, esperam um longo período para que o medicamento mais efetivo para sua doença seja aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e passe pela avaliação de preço da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). Luciana Holtz, fundadora e presidente do Instituto Oncoguia, observa que “o paciente oncológico aguarda a chegada de novas tecnologias, porque ele sabe que é aquilo que pode garantir sua cura ou o controle da sua doença, permitindo na prática que ele viva mais e melhor. Esse avanço, muitas vezes, já existe e é frustrante demais saber que não são todos que têm acesso a ele”, afirma.

Com a aprovação da Anvisa, para ser disponibilizado pelos planos de saúde o medicamento vai para a análise da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Já no SUS, o medicamento deve ser avaliado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), que tem um prazo de 180 dias, prorrogáveis por mais 90 dias, para concluir o processo.

No Fórum, Silvia, paciente com câncer de mama metastático, relatou que conheceu mulheres que compartilham o mesmo tipo de câncer, mas que não são tratadas com a mesma tecnologia na saúde pública. A paciente faz uso de inibidores de ciclina (CDK), medicamento que foi incorporado pela Conitec em dezembro de 2021 e ainda está dentro do prazo para ser disponibilizado pelo SUS, desde que ele caiba no orçamento destinado a esse tipo de câncer dos hospitais da saúde pública.

O palestrante André Ballalai, diretor de Acesso & Valor da IQVIA, nos Estados Unidos; afirmou que o modelo de financiamento das tecnologias oncológicas foi desenhado em um contexto de duas décadas atrás, quando não se falava em medicina personalizada e terapia-alvo para o tratamento do câncer. “Precisamos pensar em um modelo que reflita o setor oncológico de 2022 e que irá refletir os avanços das próximas décadas, com terapias cada vez mais personalizadas”, diz.

O Fórum também apontou para uma sobra no orçamento para tratamentos de câncer. As tecnologias disponibilizados pelas unidades de saúde são pagos pelo SUS através da Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade (APAC), que estabelece o orçamento para cada tratamento dos diferentes tipos de câncer. Contudo, os hospitais têm autonomia para utilizar o valor da forma que optarem, sem a obrigação de seguir as recomendações mais atuais.

Isso significa que, mesmo com a avaliação positiva da Conitec para a incorporação de um medicamento, o valor da APAC para tratar a doença nem sempre é suficiente para bancar os custos da nova droga e o hospital opta por manter um tratamento mais ultrapassado e menos caro. Nesses casos pode haver, inclusive, uma sobra no orçamento, evidência, apontada no evento, de que essa forma de financiamento deve ser repensada, pois ela pode gerar dificuldade no acesso aos tratamentos e desigualdade dentro de um mesmo sistema de saúde.

Denizar Vianna, ex-secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde e professor associado da UERJ, destacou a importância de haver um orçamento específico para a oncologia, como já ocorre com o HIV. Vianna explicou que cerca de 80% da demanda oncológica do SUS é composta por seis principais tipos de cânceres e que seria possível focar nos tumores mais prevalentes no Brasil para criar um modelo de priorização explícita deles em “mandatos’’ de quatro anos.

O evento também mostrou que os obstáculos para o acesso a uma nova tecnologia podem ser ainda maiores dependendo de qual unidade da rede pública o paciente é atendido. O palestrante Tiago Farina Matos, conselheiro estratégico de Advocacy do Oncoguia, apresentou os resultados de uma pesquisa realizada em 2017 pelo instituto.

O estudo analisou, via Lei de Acesso à Informação, a uniformidade na oferta de tratamento oncológico em mais de 100 unidades habilitadas na rede pública. Os resultados mostraram que cada centro hospitalar dispõe de protocolos diferentes – a maioria segue um padrão abaixo do que é preconizado, alguns estão na média e outros – em menor quantidade – chegam a ficar acima do que é esperado. “Se de 2017 para cá trazemos essa discussão novamente é porque o problema ainda existe. O SUS deveria funcionar como uma espécie de franquia de lanchonete, onde tudo é padronizado. Uma vez dentro do SUS, não deveríamos ter como saber em que estado brasileiro nos encontramos porque o tratamento deveria ser igual em todos os locais. Hoje, infelizmente, é o CEP de uma pessoa que determina sua expectativa de vida”, explicou Matos.

A enfermeira Talita de Souza Matos, da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas, ressaltou que a diferença no atendimento muitas vezes é notada até mesmo em municípios de um mesmo estado, entre cidades próximas. “Já acompanhei pacientes com um mesmo tipo de câncer iniciando o tratamento em menos de 60 dias e outros, em um local quase vizinho, tendo acesso ao mesmo medicamento com um intervalo de tempo bem superior. Muitos deles, inclusive, nem sabem o nome da droga administrada e o que há de disponível no mercado. É preciso haver uma alfabetização da saúde”, diz.

A pesquisa “Percepções da População Brasileira sobre o Câncer”, realizada pelo Oncoguia em parceria com o DataFolha e divulgada durante a abertura do Fórum, mostrou que 63% dos brasileiros escolhem o câncer como doença que deveria ser priorizada pelo governo. Além disso, 42% da população associa a doença a sentimentos negativos, citando a morte com frequência. “Estar bem informado sobre a doença faz toda a diferença, pois quanto mais o paciente tem acesso às informações, mais ele participa do tratamento, questionando e cobrando seu médico e sendo mais bem amparado quando precisa”, conclui Luciana Holtz.

Matéria publicada pelo portal Jota em 16/05/2022.


 

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