Falta de postura ética do perito-médico causa constrangimento aos pacientes

Queixas são recorrentes no Instituto Oncoguia e diretor jurídico aconselha relatar desrespeitos; Perito-médico fala da responsabilidade de atuar nessa função

É comum o Instituto Oncoguia receber reclamações de pacientes sobre a postura médica no ato da perícia do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Todas sempre com o mesmo teor: indiferença ou desrespeito do médico.

De acordo com o perito-médico previdenciário, Dr. Miguel Tabacow, diretor da Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social, "o paciente, quando vai a uma perícia, esquece que aquele não é o seu médico e exige, do perito, a mesma relação médico-paciente que ele tem com seu especialista. E isso não é assim”.

Para o médico, os peritos são muito mal vistos por conta dessa confusão. Além disso, segundo ele, a maioria das pessoas não entende que eles estão ali num papel muito delicado: de liberar dinheiro público.

"Lidamos, todos os dias, com casos de pessoas que querem dar golpes na previdência. Além disso, o segurado também não leva todos os documentos pedidos”.

Entretanto, a maioria dos pacientes (aqueles que realmente precisam) sofre com o descaso de alguns peritos no ato da consulta. Para se ter uma ideia, Arlete Aparecida Camargo Motta Olivé, relata, no Oncoguia, o constrangimento que passou com sua mãe, paciente com linfoma e melanoma, em perícia realizada no dia 03/06/2011.

"Nossa senha era a P0078 e a sala de exames número 47. O médico que nos esperava não se apresentou e também não possuía nenhum crachá de identificação, disse que a porta ficaria aberta, pois a sala pequena não comportava direito a cadeira de rodas. De início pediu a carteira de identidade para conferir os dados no monitor do computador e logo em seguida os documentos que comprovassem a situação de saúde da minha mãe. Apresentamos primeiro o resumo de alta hospitalar da última cirurgia. Assim que pegou o papel nas mãos, o médico, exaltado, disse que aquele papel não servia para nada, pois ele não entendia a letra da médica, que considerava um absurdo e um desrespeito com os colegas, por parte dela, que inclusive tinha o CRM há mais tempo que ele. O homem me devolveu o documento e pediu para que eu o lesse para ele. Tive dificuldade em ler todas as palavras, mas dava para entender qual tinha sido o procedimento cirúrgico.Mesmo assim, o doutor dizia, nervoso, que não tinha jeito. Que teríamos que voltar um outro dia. Foi então que comecei a mostrar todos os outros papéis que estavam conosco, inclusive o pedido de encaminhamento a quimioterapia, pois o médico agora nos dizia que precisava provas de que minha mãe tinha câncer. Questionei essa afirmação, perguntando se mesmo com o encaminhamento à quimioterapia ele desconfiava que não fosse câncer. Ele respondeu que aquele papel poderia ter sido forjado e que em qualquer esquina eu conseguiria um encaminhamento para quimioterapia no meu nome. Inclusive afirmou também que todos os documentos que estávamos apresentando poderiam ser falsos. E balançando o papel na altura do rosto, disse, que aquele processo envolvia dinheiro e o nome dele; e que muitas pessoas eram golpistas.” (Agência da Previdência Social, localizada a Rua Coronel Xavier de Toledo, 290, na região da Praça da República, no centro da Cidade de São Paulo)

Com todo esse constrangimento, Arlete resolveu que iria denunciar o médico que logo foi tentando ajustar a situação. Foi buscar sua supervisora e, depois de 30 minutos, chegou para, segundo Arlete, prestar o atendimento que lhe era cabido.

"Dra. Rejane examinou minha mãe e indicou ao Sr. Eduardo as cicatrizes das duas cirurgias, salientando inclusive que na segunda ainda havia pontos, estava um pouco infeccionada e que o curativo feito sobre as incisões do dreno, retirado um dia antes, ainda vazava. Emocionamos-nos, durante a perícia executada pela médica supervisora, pois ela agiu como o esperado. Educadamente, atenciosamente, gentilmente. Comunicou-nos que deveríamos apresentar apenas mais um documento (a biópsia da última cirurgia) para que a solicitação do benefício ficasse completa. Recomendou que minha mãe fizesse repouso e que o documento faltante poderia ser entregue na agência, por outra pessoa, poupando-a assim de mais uma saída de casa, sem necessidade. Voltamos para casa, com parte do problema resolvido, mas profundamente abaladas e com um sentimento de revolta, que contagiou a todos os outros membros da família e amigos, quando souberam do tratamento recebido por nós por esse médico.”

Tabacow afirma que os peritos são regidos pelo Código de Ética Médica e atendem como tal. Sobretudo, quando o assunto é benefício do INSS. "Estamos ali para validar ou não um direito e não ter uma relação de afetividade com o paciente.” Entretanto, afirma que o procedimento tem de ser com total cordialidade e respeito, como pede o próprio Código de Ética.

Para Tiago Farina Matos, diretor jurídico do Instituto Oncoguia, situações em que o médico perito age com desrespeito ou pouco-caso devem ser relatados. "Dentro do próprio posto do INSS tem uma ouvidora onde se pode fazer a queixa. Se o paciente não quiser fazê-la no mesmo momento, pode ligar no 135 ou acessar o site da Previdência”.

O segurado também pode fazer sua reclamação direto na Comissão de Ética Médica que existe em alguns postos da previdência. Na capital paulista, por exemplo, a comissão fica em quatro agências do INSS: na Vila Mariana (Sul), no Tatuapé (Leste), no Centro e na Lapa (Norte). O órgão deve analisar os problemas e, quando necessário, procurar as soluções do caso.

Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia, diz que é muito importante a denúncia de casos como este. "Por mais que seja desgastante é de suma importância denunciar atos praticados por alguns peritos que atentam contra a dignidade dos pacientes. Vale lembrar que esses médicos são remunerados pelo governo para que atenda o paciente, que necessita do benefício, com respeito. Nada pode afetar a dignidade humana e a mudança deste comportamento só acontece com a manifestação da sociedade”, finaliza.

O bom perito é aquele que...

  • Não lhe julga.
  • Lhe atende com cordialidade.
  • Lê seus documentos com paciência.
  • O examina com respeito para verificar a patologia.
  • Conversa com o paciente durante a consulta.
  • Estabelece um relacionamento com o paciente durante a perícia.
    (fonte: Código de Ética Médica)

O bom paciente é aquele que...

  • Leva todos os documentos necessários para a perícia.
  • Não impede o exame clínico do médico.
  • Não tenta forjar uma situação para conseguir o benefício.
  • Questiona o perito caso não concorde com sua postura.
  • Relata o abuso do médico às autoridades.

A visão do paciente

Confira abaixo a visão de pacientes que já passaram por situações constrangedoras e desnecessárias na realização da perícia médica. Se você  também já enfrentou problemas, mande um e-mail para [email protected] e nos conte a sua experiência.

A voz do paciente é muito importante para nós! 
 
Depoimentos de Pacientes

1 - Janete Francisca Mendonça

"Olá, meu nome é Janete. No final de dezembro de 2006 depois de muitos vai e vem aos hospitais, fui diagnosticada com câncer Linfoma não Hodgkin.

Na época os médicos me deram menos que seis meses de vida devido a grande quantidade de tumores na parede do meu abdômen. Daí começou todo o processo. É muito difícil escutar um médico dizer que você vai morrer. Mas acreditei que o quadro iria mudar e graças a Deus mudou.

Em uma das minhas idas ao INSS da cidade de Paulista - PE, o médico se levantou e tirou a toca da minha cabeça para ver se eu estava careca - e isso ele fez sem pedir licença. Foi muito constrangedor, porque de uma certa forma você está passando por mentirosa.

Infelizmente para ele não fez diferença todos os documentos que levei comprovando a doença e que eu estava em tratamento quimioterápico. E recentemente, após o transplante de medula, sofri uma queda no hospital e fraturei três vértebras da coluna.

A médica perita simplesmente me deu um prazo de 90 dias para comprovar a real causa da dor na coluna. Para ela não foi suficiente a ressonância magnética comprovando a fratura e o laudo médico relatando toda a minha situação. Isso tudo é muito triste.

Sei que eles têm uma responsabilidade, mas isso não significa que tenham que ser assim tão frios, imparciais. E fico a me perguntar: E SE FOSSE COM ELES? Sei que existem pessoas desonestas e às vezes é impressionante como estas pessoas conseguem se aposentar.

Acredito que se o paciente além de levar o laudo médico, levar também todos os exames, não há necessidade de dúvidas, pois acredito que se pode forjar até um laudo, mas os exames jamais podem ser fraudados. 

Um grande abraço Janete.

2 - Ana Rosa Ortiz

Eu, Ana, descobri no ano passado que estava com câncer melanoma spitizoide de coxa. Foram retirados todos os linfonodos da virilha e para tanto foram feitos três cortes: na virilha, barriga e perna, tudo na perna direita, linfadenectomia inguinal direita por apresentar metástase em linfonodo sentinela. O corte na coxa deu infecção hospitalar, abriu um buraco que cabia uma mão... A barriga infeccionou.

Passei por perícia médica no dia 14 de outubro, estava com ferida aberta, o Dr. mandou que eu abrisse o curativo, ele olhou e concedeu o benefício até 31/07/2011. Dia 21/07/2011 passei por perícia com uma Dra. sem crachá que não falou o nome.

Minha perna ficou sequelada, inchada, dói dia e noite. Tomo tramal direto, a perna pesa, eu travo, uma dor insuportável... Passa apenas quando tomo injeção. Tenho que ficar de repouso pois não tenho circulação, além de dois quelóides grandes do dreno que doem muito. Tem dia que não consigo tirar o pé do chão do peso que fica a perna...

A perita nem leu a carta de meu médico, falou que não era nada esse inchaço, que não tinha nada e que eu levasse para firma o papel. Ela foi muito mal educada e me cortou o benefício, marquei outra pericia dia 26/07/2011, agora passei por um perito super mal educado, mostrei todos os exames, ele olhou com pouco caso, zombou de mim, dei na mão dele a cópia autenticada do cartão de deficiente pois tenho dificuldade de me locomover, não posso andar de ônibus, não dá nem para subir a rua de casa a pé pois travo e a dor é terrível!

Ele simplesmente jogou na mesa o documento falou que não tinha direito de ter o cartão pois não sou deficiente... Fiquei acabada, super mal...O tipo de câncer que tenho é raro, não faz quimioterapia nem radioterapia.

Tirei 11 pintas das costa e ele falou que eu não tinha nada e mandou eu pegar o papel lá fora do consultório falando que estou apta para trabalhar.

Como só fico deitada e sentada não dá para fazer serviço em casa, assim, uma irmã minha vai duas vezes por semana em casa para limpar para mim. Estou indignada, pois é grave e a dor é intensa e os peritos zombam de mim.

Como posso voltar ao trabalho se nem de casa saio andando pois não dá? Até quando os peritos do INSS vão fazer isso? Como pode um perito fazer tanto descaso?

Desde já agradeço por poder contar o que estou passando! Moro em Sorocaba e a agência do INSS fica na Av. Itavuvu.

Nenhum perito fala o nome, temos que respeitar eles e eles nos desrespeitam, tratam a gente extremamente mal.

Desde já agradeço por poder falar sobre o meu caso. Tenho todos os documentos. Faço exames cada três meses pois esse tipo de câncer pode aparecer a qualquer momento.

Obrigada, Ana Rosa

3 - Meire Aparecida Nogueira

Me chamo Meire e tenho câncer de mama com metástase. Também já passei por perícia médica. Minha primeira vez foi chata, mas o problema é que mesmo comprovando tua incapacidade, eles olham pra você de um jeito como se o que está passando fosse culpa tua, tanto que o primeiro perito disse que eu estou apta a trabalhar, se tivesse jamais entraria com esse pedido de auxilio doença.

No meu caso é mais complicado porque eu nunca contribui com o INSS, só agora to começando a pagar, ai fica mais difícil, tanto que também fica difícil pagar direitinho, sou dependente e não é justo.

Agora sem poder trabalhar fica muito difícil minha situação, é triste tudo isso, sei que não sou a única nessa situação, mas quando você é honesto essas coisas se complicam mais. Mas quem sabe uma hora eu consiga esse benefício, tenho fé em Deus.

Olha nessas idas e vindas da perícias, muitas pessoas relatam esse problema no INSS, essa falta de senso dos médicos peritos, não são todos mas alguns que querem ser maioral. Eu passei por uma perícia já vai completar 2 meses, até agora não tive resposta alguma, ligo lá e eles falam "espera que eles vão mandar a carta" e assim vai, só que enquanto isso temos que comer, beber, pagar nossas contas que por sinal estão todas atrasadas e assim vamos levando a vida.

Obrigado por esse espaço. Me chamo Meire, tenho 37 anos, sou uma batalhadora na luta contra o câncer.

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