[MATÉRIA] ASCO destaca prevenção e terapias-alvo como principais avanços na área do câncer

Câncer tem que ser combatido em todas as frentes, diz oncologista do Instituto Oncoguia.

Todos os anos a American Society of Clinical Oncology (ASCO), divulga os maiores avanços alcançados contra o câncer no decorrer do ano em termos de prevenção, tratamento, cuidado e qualidade de vida para o paciente. A American Society of Clinical Oncology, a ASCO, é uma organização não-governamental fundada em 1964, que possui metas globais de melhoria no tratamento e prevenção do câncer. Mais de 27 mil oncologistas, representando todas as disciplinas e sub-especialidades, são associados à entidade. Ações envolvendo pesquisa são um dos grandes focos da organização. Essas pesquisas ajudam a criar padrões de tratamento na área do câncer em todo mundo.
 
De acordo com a ASCO, em 2010, os avanços foram significativos não só em relação à descoberta de novas formas de tratamento - em particular, novas terapias-alvo –, mas também no que tange outras áreas da oncologia, tais como os cuidados paliativos.
 
Estudos demonstraram a importância que o cuidado paliativo tem para o prolongamento da vida do paciente com câncer em estágio avançado. Outros estudos ainda abordaram o quanto a atenção do médico a problemas que até pouco tempo atrás não eram considerados relevantes, tais como insônia em pacientes que estão passando por quimioterapia, pode fazer a diferença na qualidade de vida do paciente.
 
"Os resultados principais de acordo com a ASCO demonstram que o câncer tem que ser combatido em todas as frentes, se quisermos que menos pessoas morram dessa doença”, afirmou o Oncologista Clínico e Diretor da Oncologia do Instituto Oncoguia, doutor Rafael Kaliks.
 
O relatório da ASCO começa apontando queda no número de casos novos de câncer registrados nos Estados Unidos. Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças daquele país (CDC), ocorreu uma diminuição de 1% no número de novos casos a cada ano entre o período que vai de 1999 a 2006, além de redução da mortalidade pelos tipos mais comuns de câncer entre homens e mulheres.
 
A causa de para tal êxito pode ser encontrada nos dados do CDC que apontam haver gradual queda nos números do tabagismo nos Estados Unidos desde a década de 1970. Para o Dr. Rafael, o que falta para que o Brasil possa seguir o mesmo caminho dos americanos é o foco na prevenção primária, com grandes campanhas anti-tabagistas e explicativas sobre a importância do sexo seguro, para evitar a disseminação do HPV, por exemplo.
 
"O Ministério da Saúde reconhece que a incidência e mortalidade de câncer de colo de útero, um dos mais evitáveis entre todos os tipos de câncer, estão muito altos, especialmente na região Norte. Com base nessa admissão, lançou um programa para tentar sanar essa tragédia, através de várias ações positivas. É um começo, mas caberá ao governo ainda enfrentar os desafios de maneira regionalizada”, diz ele. "Em uma região de difícil acesso à prevenção secundária, que é o exame papanicolau, fica difícil de entender por que não se considera, regionalmente, a inclusão da vacina para o HPV, que evitaria mais de 90% dos casos de câncer”.
 
O câncer de colo de útero é o segundo tipo de câncer que mais mata mulheres no país e é apenas um exemplo do quanto ainda se tem que avançar em termos de informação, prevenção e infraestrutura que permita a detecção precoce da doença.
 
"Sabemos que é mais fácil conscientizar uma mulher que vive em Porto Alegre ou São Paulo sobre a necessidade do Papanicolaou e da mamografia, do que conseguir que uma mulher que vive à beira de um afluente do Amazonas realize estes testes com a frequência que seria necessária. Tudo é diferente, a percepção do problema, a compreensão da importância da prevenção, a aceitação do parceiro, o acesso aos exames, instituir políticas regionalizadas. O Brasil é praticamente um continente”, afirma Rafael.

Cânceres de difícil tratamento
 
De acordo com o relatório anual da ASCO, em 2010 ocorreram também avanços no que se refere a cânceres de difícil tratamento, tais como de pulmão, pâncreas e melanoma. No caso do câncer de pulmão, foi verificado que pessoas idosas podem obter respostas positivas quando submetidas ao mesmo tratamento padrão dispensado aos pacientes mais jovens. "Cada vez mais se demonstra que a idade cronológica não deve ser um determinante isolado para eliminar da lista uma determinada opção de tratamento”, comenta o doutor Rafael.
 
No caso do câncer de pâncreas, um dos mais difíceis de serem tratados, verificou-se que uma terapia mais agressiva, com base em três quimioterápicos, pode prolongar a sobrevida do paciente. Porém, o Dr. Rafael alerta, "por ser um tratamento altamente tóxico, o ideal é que paciente e médico conversem sobre os prós e contras da possibilidade de se submeter a esse tipo de terapia. Isto não pode ser administrado em qualquer lugar, sem uma estrutura de suporte adequada para eventuais intercorrências”.
 
Para pacientes com melanoma e cujo tumor tem uma mutação específica no gene BRAF, as notícias foram muito boas. Um novo medicamento biológico foi capaz de fazer o tumor metastático desaparecer em 81% dos casos. Embora esse seja apenas um estudo preliminar, ele aponta um caminho que pode ser promissor no tratamento desse tipo de câncer, para o qual hoje há poucas boas alternativas de tratamento além da cirurgia.
 
Segundo Dr. Rafael grande parte das intervenções citadas pela ASCO como avanços estão disponíveis no Brasil. Por outro lado, ele também afirma que a morosidade na aprovação de novas tecnologias e medicações acaba sendo, inevitavelmente, um empecilho para que avancemos ainda mais. Como exemplo dessa morosidade, ele cita o exemplo da vacina contra o vírus HPV, principal fator de risco associado ao câncer de colo de útero.
 
"Com a altíssima incidência desse tipo de câncer entre as mulheres da região norte, eu considero que seria importante que houvesse uma discussão sobre a possibilidade de a vacina ser adotada como estratégia para essa população. Se estratégias atuais fossem boas, não teríamos essa tragédia de mortalidade por uma doença plenamente prevenível”. O custo elevado para implantar tal tratamento parece ser a principal razão para este entrave.

Tratamento personalizado
 
O tratamento personalizado está, na maior parte das vezes, relacionado às terapias-alvo, ou seja, drogas que visam atingir apenas o tumor. Não é só por meio dos medicamentos biológicos que o tratamento tende a ficar cada vez mais personalizado. Outras especialidades, além da oncologia, estão sendo cada vez mais requisitadas para auxiliar na análise do quadro geral do paciente e determinar se ele tem ou não condições de se submeter a determinado tratamento.
 
"Cada paciente merece uma atenção específica, voltada para o seu caso, de forma integral e multidisciplinar”, afirma Fabiana Makdisse, mastologista com mestrado na área de oncologia.
 
Para o Dr. Kaliks, por ser o câncer uma doença que geralmente acomete o idoso, cada vez mais é necessário o apoio do geriatra para avaliar a condição funcional do paciente. "A idade cronológica isoladamente não tem relação com a tolerância a diversos tratamentos. Funcionalidade, presença de outras doenças, utilização de outras medicações, tudo isto entra no cálculo sobre tolerância do idoso a um determinado tratamento”, completa ele.
 
Entretanto, enquanto por um lado os avanços parecem intensos, por outro, alguns problemas básicos ainda persistem. "Pacientes tratados pelo SUS geralmente reclamam não saber quem é seu médico. Com a grande rotatividade de médicos frequentemente o cuidado é delegado a residentes com pouca assessoria dos preceptores. Acontece de o residente acabar cuidando do paciente por um ou dois meses, até que entre outro residente e por aí vai. Essa falta de continuidade, atrelado à falta de um responsável que conheça o paciente e seja reconhecido por ele, esse é um grave problema”, diz Dr. Rafael.

Cuidados paliativos e qualidade de vida
 
A área de cuidados paliativos para o paciente com câncer é uma das que mais se desenvolve atualmente. No Brasil, grandes hospitais e serviços de oncologia vêm incorporando equipes especializadas nesse tipo de cuidado. Segundo o relatório da ASCO, um estudo constatou que, entre pacientes que sofriam de câncer de pulmão, aqueles que receberam cuidados paliativos viveram significativamente mais e ainda apresentaram menos dor, menos depressão e raramente passaram por tratamentos caros, agressivos e infrutíferos no final da vida.
 
Para o Dr. Rafael Kaliks, essa publicação demonstra mais uma vez o imenso papel de uma adequada abordagem dos cuidados paliativos. Ele faz questão de ressaltar ainda que cuidados paliativos não são apenas para pacientes terminais, mas são um auxílio necessário para ajudar todo paciente a passar pelo tratamento da melhor maneira possível e, por isso, está diretamente relacionado à qualidade de vida.
 
À medida que profissionais especializados estão atuando para ajudar na redução das dores dos pacientes, dar uma orientação nutricional adequada ou ainda ajudar em sua mobilidade (caso dos fisioterapeutas, por exemplo) ou em seu bem-estar psicológico (psicólogos e psico-oncologistas), os pacientes só têm a ganhar em qualidade de vida, o que, em última instância, poderá se traduzir na ampliação de seu bem mais precioso: a vida.
 
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