[MATÉRIA] Câncer Ginecológico nas Regiões Norte e Nordeste: Diagnósticos avançados ainda são realidade

Há 16 anos o Instituto Nacional do Câncer (INCA), compartilha ações desenvolvidas para o controle do câncer no Brasil e a estimativa de novos casos, com o propósito de prover informações que possam subsidiar a compreensão e o conhecimento da doença aos serviços de saúde, centros de pesquisa, universidades etc.

No último documento publicado (Estimativa 2012 – Incidência do Câncer no Brasil), válido para 2012 e 2013, o INCA estimou 520 novos casos de câncer para cada ano, cálculo considerado por especialistas muito aquém do real, já que o Brasil não tem ferramentas eficientes de registros de saúde. Ainda assim, uma breve leitura na publicação é suficiente para se observar a disparidade, entre as regiões do país, de números de casos de cada neoplasia.

Para muitos tipos de câncer, as regiões norte e nordeste aparecem na dianteira, resultado de uma confluência de fatores, o principal deles, a fragilidade financeira dos Estados que compreendem tais regiões. Fatores culturais, geográficos, administrativos e de recursos humanos somam-se ao subinvestimento em saúde – comum em todo o país – compondo um quadro de desigualdade e desrespeito aos direitos em saúde.

O panorama lesivo aclare-se, por exemplo, pela distribuição de hospitais, centros e institutos habilitados pelo Ministério da Saúde para realizar procedimentos oncológicos pela rede pública. Em todo o país, existem 277 Cacons e Unacons. Embora haja unidades em todos os Estados, em alguns deles há apenas um local de tratamento. É o caso do Acre, Amapá, Amazonas e Piauí (fonte: DATASUS).

A distribuição desigual de serviços de saúde repercute em baixo acesso a diagnóstico e tratamentos, casos avançados da doença e altas taxas de mortalidade.

Cânceres ginecológicos norte e nordeste

Dentre os ginecológicos, o câncer de colo de útero (segundo mais comum entre as mulheres, atrás apenas do câncer de mama) se destaca como o primeiro mais incidente na região Norte do país, com 24 casos por 100.000 mulheres. As regiões Centro-Oeste e Nordeste ocupam a segunda posição, com taxas de 28/100 mil e 18/100 mil, respectivamente. O Amazonas lidera a estatística, com 600 novos casos.

Ainda em 1984, o Governo Federal lançou o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher, que propunha do cuidado além do tradicional ao ciclo gravídico puerperal. De lá para cá, o controle do câncer de colo de útero passou a ser prioridade em diversas ações do Ministério.

O Programa Nacional de Combate ao Câncer de Colo de Útero foi lançado em 2005 e estabeleu-se o Siscolo, um sistema de informações para o monitoramento das ações. Em 2011, a Presidente da República, Dilma Rousseff, anunciou o plano de fortalecimento da rede de prevenção e tratamento do câncer de colo de útero. O plano prevê investimentos técnico e financeiro para a intensificação das ações de controle nos Estados e Municípios.

Entre as ações, destacam-se aquelas ligadas a promoção de ferramentas para a prevenção e o diagnóstico precoce: garantia da confirmação diagnóstica e o tratamento das lesões precursoras; a gestão da qualidade dos exames de citopatologia; a qualificação de profissionais de saúde; a comunicação e a mobilização social e o fortalecimento da gestão do programa.

Para o Presidente da regional Nordeste da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), Dr. Eriberto de Queiroz Marques, as ações de educação para a prevenção iniciadas na década de 80 já trouxeram resultados.

"Hoje, qualquer Prefeitura, de qualquer Estado do Nordeste promove estratégias de educação para a prevenção. É possível observar um decréscimo, mesmo que pequeno, no número de casos da doença”, aponta.

O ginecologista especialista em oncologia e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Tocantins, Dr. Florindo Ribeiro Coelho é menos otimista. Afirma que no Hospital Geral de Palmas, o único Unacon de Tocantins, a "grande maioria das pacientes chega para tratamento com a doença em estágios avançados”. Para Dr. Florindo, o quadro é resultado da carência na atenção primária à saúde na região.

Sobre isso, Dr. Eriberto reitera: "Investimento em saúde primária existe. O problema é que não há controle de ações. Quem está na ponta, nos postos de saúde, lá nos municípios distantes e carentes, não tem a mínima noção da real importância da prevenção e do diagnóstico precoce".

O oncologista conta que a SBOC está realizando um "serviço paralelo ao público" na região, promovendo ciclos de encontros e paletras em secretarias de saúde e centros educacionais, para multiplicar informações sobre a importância da qualidade em coleta de exames citopatológicos, HPV, seguimento de casos etc.

Tocantins - um único equipamento de radioterapia

Enquanto em Tocantins pacientes com câncer de colo de útero são diagnosticadas em estágios, muitas vezes, inoperáveis - em que o tratamento radioterápico pode ser uma das poucas opções terapêuticas - existe apenas um equipamento de radioterapia no Estado, no Cacon de Araguaína. "E o equipamento ainda é utilizado para tratar pacientes de Estados próximos, como o Maranhão", diz Dr. Florindo.

Ação social - Com cerca de 156 mil habitantes, Araguaína é um município localizado no norte de Tocantins. É lá que se localiza o único Cacon do Estado e, também, onde nasceu em 1993 a Associação Pró-Vida, uma entidade sem fins lucrativos voltada à prevenção, diagnóstico e tratamento do câncer de colo de útero. A ONG nasceu por iniciativa de Dona Ely, que após perder o esposo de câncer, voltou-se para o combate à doença.

Ainda na década de 90, a organização passou a fazer busca ativa a mulheres da cidade, áreas rurais, comunidades quilombolas e tribos indígenas da região, com intuito de informá-las sobre a importância da realização de exames de Papanicolaou. "Buscávamos essas mulheres, sempre através de um segmento organizado da sociedade, como uma igreja, uma associação de bairro etc". Na época, lembra Dona Ely, as mulheres nem mesmo sabiam o que era um exame de Papanicolaou, e, para realizá-lo, precisavam dirigir-se à Goiânia.

De lá para cá, além do trabalho de informação para prevenção e busca ativa, a Pró-Vida passou a realizar exames citopatológicos. "Na rede pública do município, os exames ficam prontos em 30 dias. Conseguimos apontar o resultado em apenas 4 dias". As pacientes com exames alterados são seguidas na unidade da Associação e, com o diagnóstico positivo, são direcionadas, geralmente, para o Hospital Araújo Jorge, de Goiânia.

Dona Ely afirma que até hoje, a Associação Pró-Vida já atendeu 100 mil mulheres. Em 2012, por exemplo, a organização diagnosticou o HPV em 963 mulheres entre os 20 e 35 anos e, neste ano, há 4.803 pacientes em tratamento para o câncer de colo de útero encaminhadas pela organização.

Do Norte e Nordeste para o interior de São Paulo

O baixo acesso a tratamentos de cânceres ginecológicos nas regiões norte e nordeste do país, levam muitas e muitas mulheres a migrarem de suas cidades em busca da cura. Em 2011, o Hospital do Câncer de Barretos atendeu 160 mulheres da região norte com cânceres ginecológicos (Colo de útero, ovário, trompas, vagina, mama, corpo do útero e útero). Do nordeste, foram atendidas 150 mulheres.

O coordenador do Programa de Rastreamento do Câncer Ginecológico do Hospital, o ginecologista Dr. Júlio César Possati Resende, explica que as mulheres chegam ao Hospital por iniciativa própria. Aponta também, que uma unidade móvel do Programa visita, anualmente, cidades das regiões norte e centro-oeste. "Nessas ocasiões percebemos uma grande diferença no perfil de casos diagnosticados. Enquanto na região de Barretos encontramos casos em estágios iniciais, lá são diagnosticadas mulheres em estágios avançados. Essas mulheres procuram o nosso serviço já com sintomas, como sangramento e dor".

Para Dr. Julio, o principal problema das regiões norte e nordeste com relação aos cânceres ginecológicos, é socioeconômico. "Outra realidade muito gritante é a falta de acesso a exames de rastreamento. Nós estamos falando de municípios isolados, que não têm estruturado nem mesmo a sua rede primária de atendimento e tratamento. Acredita que estes terão um laboratório para uma leitura de exames com qualidade?", questiona.

Informação, somente em casa

Andreia Alves da Costa, 35, residente em Olinda (PE), tratou o câncer de ovário há 8 anos. A educadora física, proativa nos cuidados a sua saúde e consciente de seus direitos, realizou o tratamento na rede privada, e diz sentir-se privilegiada por isso.

"Embora eu tenha precisado entrar na justiça para ter acesso a exames e quimioterápicos, fui muito bem tratada. Conheci mulheres que se tratavam no SUS e passavam por situações horríveis. De esperarem meses e meses para a realização de um simples exame", lembra.

Andreia diz que não consegue perceber, na sua região, as ações do governo para conscientização sobre prevenção e diagnóstico precoce dos cânceres ginecológicos. Para ela, o único ponto de partida são as orientações que se têm em casa.

"Se uma menina tiver a sorte de ter uma família consciente, aberta e acolhedora como a minha, estará mais pronta para aprender a cuidar de sua saúde".

Às que estão enfrentando agora o diagnóstico, recomenda Andreia: "informe-se, conheça os seus direitos e mude o foco. Não fique pensando somente na doença. Difícil é. Mas a dor passa. Eu estou aqui, não estou?!".
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