[MATÉRIA] Falando sobre o câncer com meu filho
O momento gera dúvidas e angústia, mas é muito importante que ‘pais pacientes’ se atentem para essa questão.
Embora muitos pacientes optem por esconder a notícia com a finalidade de proteger os filhos de um possível sofrimento, essa não é uma medida adequada. Crianças são sensíveis e capazes de captar qualquer mudança no ambiente em que vivem e no comportamento das pessoas que as rodeiam.
A Psicóloga, Mestre e Doutora pelo Programa de Psicologia Clínica da PUC-SP e co-organizadora do livro Luto na Infância: Intervenções Psicológicas em Diferentes Contextos, Luciana Mazorra, explica que notícias não ditas tendem a ser muito mais amedrontadoras que aquelas declaradas.
"As crianças são muito atentas. O não dito é mais assustador que o dito, pois a situação ficará retida no seu imaginário”.
A psicóloga orienta o paciente a dar, ele mesmo, a notícia - mesmo que para isso precise de um suporte anterior ou da presença de um familiar ou profissional, como um psicólogo. No entanto, ela alerta sobre a importância do paciente ‘digerir’, elaborar o quanto for possível o diagnóstico, antes de conversar com os filhos.
"O paciente pode estar triste e preocupado. Isso é natural e humano. O que ele não deve fazer é transmitir desespero aos filhos”, diz. Dra. Mazorra acrescenta que o momento da comunicação não deixa de ser educativo: "É importante à criança saber que os pais estão tristes e preocupados, pois isso é humano. O momento da notícia é de educação para os sentimentos”.
Respeitando os limites
A conversa com os filhos sobre o diagnóstico do câncer deve acontecer, mas sempre se respeitando os limites da criança em absorver a informação, sem que repercuta em angústia e dor.
Dra. Luciana explica que além de entender os argumentos emocionais comuns a cada fase da infância, pré-adolescência e adolescência, os pais devem reconhecer o limite colocado por seu filho. "A criança vai tocar no assunto desde que os pais deem abertura. A partir disso, esse paciente precisará ficar atento à criança e perceber aquilo o que ela quer ouvir”.
A enfermeira Eliane Patrício da Silva, 40, residente em Santos (SP), teve câncer de mama em 2011 e, à ocasião do diagnóstico, seus dois meninos eram pequenos. Ela lembra que não falou sobre a doença ao Fernando, na época com dois anos, mas sim ao Eduardo, que tinha seis anos. "Alguns dias depois de receber o diagnóstico, sentei com ele e expliquei: Filhinho, a mamãe está com uma doença aqui no meu peito e para tratá-la e ficar logo boa precisarei tomar um remédio muito forte, que me deixará careca. Mas usarei peruca”.
Eliane lembra que o pequenino respondeu, rindo e curioso: "Careca?! Peruca?!”.
"O fato de ficar careca deixou-o muito intrigado. Acho que ele pensou que eu usaria uma peruca de palhaço, como aquelas que ele conhecia!”. Após retornar da primeira sessão de quimioterapia, o garoto perguntou à mãe: "Cadê a careca, mamãe?!”.
Percebendo que a perda dos cabelos era uma questão importante para Eduardo, Eliane transformou essa mudança fisionômica em algo natural. Chamou a cabeleireira em sua casa para que raspasse os cabelos na frente dos filhos. Por fim, o primogênito achou aquilo normal. "Ele passou a me desenhar sempre linda, colorida... e careca! Mesmo depois que meus cabelos cresceram, continuei careca nos desenhos!”, lembra.
Já o menorzinho, Fernando, não gostava de ver a mãe sem os cabelos. Quando a via sem peruca, dizia: "Toiota (coloca) o cabelo mamãe!”
Em cada fase da vida, uma abordagem
Bebês: Estudos indicam que até mesmo bebês tem algum nível de compreensão e são capazes de perceber quando algo não vai bem no seu ambiente. Mãe e pai podem contar, com carinho, que estão passando por um tratamento médico. "... Meu filhinho, a mamãe está doente, mas está se tratando para ficar bem”.
Até os 6 anos: Nesta fase, a criança ainda não têm muitos argumentos para compreender o que representa uma doença. Mas deve também ser informada, sem muitos detalhes, sobre o período que seu pai ou mãe enfrentará.
Dos 6 aos 9 anos: A criança têm mais acesso à informação. Também, é quando surpreende os pais com os inúmeros ‘porquês’. É importante que a informação seja dada de forma clara e que os pais estejam preparados para responder perguntas que possam ser feitas, sobre o tratamento, a possibilidade e até a impossibilidade de cura. Pré-adolescentes e adolescentes: O diálogo deve ser aberto e irrestrito. A doença do pai ou da mãe atinge o paciente do ponto de vista pessoal, pois ele sabe que também poderá passar por aquilo um dia. A sinceridade nas palavras é fundamental, para que o filho não se sinta traído, enganado. |
A enfermeira oncológica de São Paulo (SP), Katia Caparroz de Souza, 41, foi diagnosticada com câncer de mama em 2007, quando seu menino, Pedro, tinha apenas 3 anos e meio de idade. Ela lembra, que passado o choque inicial da notícia, contou ao pequeno que passaria por um tratamento e se mostrou aberta para esclarecer quaisquer dúvidas que surgissem. "Contei que estava dodói, que teria que tomar alguns remédios e que meu cabelo cairia”, diz. A enfermeira lembra que algumas vezes Pedro perguntou: "Mamãe, o seu dodói está doendo?”, questionamento que foi respondido sempre com naturalidade.
Para Katia, o momento do tratamento inaugurou uma relação de amizade e cumplicidade entre os dois, e que hoje, passados quase 6 anos, divide tudo com Pedro - dentro de sua possibilidade de compreensão. "Conversamos sobre tudo. O Pedro faz parte da minha vida, inclusive dos momentos tristes”.
Atenção aos sinais
O ‘cenário’ da doença em casa, pode repercutir em quadros de tristeza e depressão nos filhos, e é importante que os pais estejam atentos a alguns sinais. Perda ou aumento de apetite significativos, transtornos do sono, hiperatividade, isolamento dos grupos, agressividade, tendência a machucar-se, baixa imunidade são algumas das situações que a criança pode apresentar.
Dra. Luciana orienta os pais a conversarem com a criança sobre os comportamentos apresentados: "Sente com o filho e dialogue. Pergunte... será que você está preocupado por que o papai está doente?. Conte o que está fazendo para melhorar, mas sempre agindo com a verdade. Se não há possibilidade de melhora, não diga que há”, orienta.
Caso os eventos continuem a acontecer, a ajuda profissional pode ser indicada.
Papai, eu vou cuidar de você
Gabriel tem 3 aninhos de idade. É filho de Dr. João Paulo Cechinel Souza, 31, médico e residente em São Paulo. Dr. Cechinel foi diagnosticado com adenocarcinoma de células sudoríparas em 2010, e hoje está passando por tratamento. O médico conta que ele e a esposa não chegaram a conversar com o pequeno sobre a doença, no entanto, Gabriel está ciente da situação e participa do tratamento do pai.
"Por diversas vezes o Gabriel nos acompanha nas consultas. Ele me diz: ‘papai, vou cuidar de você. Você vai melhorar”, relata. Dr. Cechinel afirma, que essa participação representa uma importante ajuda, um estímulo para ele. "É mais uma motivação para a minha melhora”.
O carinho, o amor, o apoio emocional dos filhos, são ‘combustíveis’ importantes aos pacientes. Para Dra. Luciana, à criança, sentir que está ajudando o pai em um momento de fraqueza também é muito positivo. "A criança sente-se útil por ajudar. Isso é bom, inclusive, para a sua autoestima”, explica.
Em muitos casos, é possível que os pais precisem da ajuda prática dos filhos no momento do tratamento, para cuidar da casa, auxiliar com irmãos mais novos, etc. Nestes casos, a psicóloga pontua: "Pequenas ajudas são válidas e às vezes necessárias. Mas não devem representar uma sobrecarga à criança”.
Falar com cuidado e carinho
Além de impactar o paciente, o diagnóstico do câncer atinge também as pessoas ao seu entorno, principalmente aquelas com quem o vínculo é maior, como os filhos. Embora administrar a situação de dialogar sobre o assunto seja desafiadora, com amor, cumplicidade, cuidado e carinho, é possível fazer isso sem dor e traumas.
Se está passando por este momento agora, reserve um tempo para refletir, elabore o quanto possível o seu diagnóstico e chame seu filho para conversar. As palavras ditas certamente lhe trarão alívio. A você e a ele!
Saiba mais
A escola, uma aliada
Informar a escola e os professores sobre o diagnóstico do câncer é também uma conduta importante no período pós-diagnóstico. Isso por que, é possível que a criança apresente mudanças no comportamento e queda de rendimento em decorrência da situação que está enfrentando. A escola poderá ser um ‘aliado’ do paciente nesse período, transmitindo informações sobre o dia a dia da criança aos pais e até acolhendo-a de forma especial, quando houver necessidade.- Conitec abre consulta pública para o rastreamento de CCU
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