[MATÉRIA] Marcadores Tumorais e o Tratamento Personalizado do Câncer de Pulmão

O tratamento oncológico vem se sofisticando nas últimas décadas, e cada vez mais, conseguimos tratar pacientes de maneira mais individualizada, isto é, com medicações com maior chance de eficácia, e com menor risco de toxicidade.

A promessa de tratamentos individualizados já foi feita pela ciência há mais de uma década, a partir do maior conhecimento da genética dos tumores e do desenvolvimento de ferramentas que permitem classificar tumores com base em alterações moleculares. Esta melhor classificação dos tumores, atrelada ao desenvolvimento de terapias que alvejam determinadas proteínas nestes tumores ou em uma fração deles, constitui a chamada Medicina Personalizada, que apesar de incipiente, já vem promovendo importantes avanços no tratamento de diversos tipos de câncer.

Em relação ao câncer depulmão, enquanto há duas décadas o patologista conseguia apenas dizer, com base em uma biópsia olhada ao microscópio, que se tratava de um câncer de pulmão de pequenas ou não-pequenas células, hoje a avaliação patológica pode envolver uma extensa caracterização adicional, que pesquisa a presença ou ausência de determinadas mutações, cuja importância reside no fato de preverem a utilidade de determinadas terapias-alvo.

Marcadores Tumorais

Marcador tumoral era o termo que se usava para designar determinadas proteínas detectadas no sangue, e que por serem produzidas por tumores, podiam ser usados para avaliar se havia piora da doença (mais marcador tumoral) ou melhora dela (menos marcador). Um marcador, o PSA, também era e continua sendo utilizado como meio de detectar precocemente a presença de câncer de próstata, quando ele está elevado.

Mais recentemente o conceito de marcadores tumorais passou a incluir a presença de determinados genes ou proteínas no próprio tumor, e que poderiam prever uma agressividade maior (marcadores prognósticos) assim como a resposta a determinados medicamentos (marcadores preditivos).

Assim, nos dias atuais, temos utilidade diversa dos vários marcadores tumorais: no rastreamento, quando uma pessoa apresenta alto risco de ter determinado tipo de câncer; no diagnóstico, quando a presença do marcador é indicativa de doença; no monitoramento, para pontuar se o tratamento está sendo eficiente, na detecção de recidivas, para ajudar o médico a identificar um possível retorno da doença, antes mesmo que apareça em exames de imagem. E por último, na previsão de prognóstico e na função de preditivos de resposta a determinado tratamento.

No câncer de pulmão - Os marcadores tumorais preditivos e prognósticos já descobertos são representados por mutações genéticas e estão (ou não) presentes nos tumores do tipo denominado Adenocarcinoma de Pulmão (que faz parte da familia dos tumores de Não Pequenas Células).

Tais marcadores tumorais preditivos, embora estejam presentes em uma minoria dos casos de câncer, têm desempenhado um importante papel no tratamento dos pacientes, pois predizem uma alta taxa de eficácia de determinadas terapias-alvo, que ‘atacam’ alvos específicos da doença e, portanto, são muito mais eficazes que as quimioterapias convencionais.

A partir dos Testes Moleculares que pesquisam mutação do gene EGFR, presença de translocação produzindo o oncogene EML4-Alk, o médico pode descobrir se o paciente apresenta no seu tumor o alvo para prescrever uma terapia-alvo. Estas medicações, orais, ainda não estão disponíveis de maneira ampla em nosso meio, devido ao custo, mas certamente são muito custo-efetivas se considerarmos o tratamento de quem tem o alvo no tumor.

Que pacientes podem realizar o teste molecular?

O Diretor Científico do Instituto Oncoguia, Rafael Kaliks, explica que quanto mais significativa à história de tabagismo, menor a probabilidade da presença de uma destas mutações, mesmo se considerarmos apenas os casos de Câncer de Pulmão de Não Pequenas Células de tipo histológico Adenocarcinoma. "Em um paciente fumante, quase certamente a doença foi causada pelo tabaco, e não por uma destas mutações genéticas. Por isso, não faz sentido solicitarmos o teste para absolutamente todos os casos de câncer de pulmão”.

Segundo o oncologista, pacientes mulheres que nunca fumaram são as que têm a maior probabilidade de se beneficiarem desta investigação: "Essas pacientes apresentam entre 60 e 70% de chances de ter uma mutação preditiva de resposta a estes tratamentos.”, afirma. "Vale aqui deixar claro que o tratamento do câncer de pulmão, mesmo que haja presença destes alvos, somente será curativo se envolver a cirurgia com retirada do tumor. Estas terapias-alvo não substituem de maneira nenhuma a cirurgia, mas se somam ao arsenal terapêutico para a doença incurável”.

Os marcadores tumorais do câncer de pulmão e os tratamentos disponíveis

A mutação genética mais comumente desenvolvida por pacientes com Adenocarcinoma é a EGFR (Receptor do Fator de Crescimento Epidermal), presente em 7% a 10% dos casos, para qual já há medicações aprovadas pela ANVISA no país. Para pacientes com estas mutações, já há inclusive drogas de segunda geração, possívelmente mais eficazes ainda, que deverão ser aprovadas para comercialização nos próximos anos. Apesar desta aprovação da ANVISA, o problema ainda é o custo, já que se trata de medicações caras, não incorporadas no SUS, e não cobertas pela maioria dos convênios, já que se trata de medicações orais.

Há dois anos, relata Kaliks, apresentou-se outro alvo molecular, decorrente de uma mutação que sobrepõe o gene EML4 com o ALK, produzindo um oncogene EML4-ALK. Este marcador também tem uma terapia-alvo disponível (fora do Brasil) com grande chance de produzir respostas importantes, que controlam a doença mesmo metastática.

Por último, há três meses foi publicada outra descoberta, de que pacientes com translocação do gene ROS-1, podem beneficiar-se da mesma medicação usada pelos pacientes com gene EML4-ALK.

Kaliks comenta: "nenhum desses medicamentos trazem a cura, mas aumentam o tempo de vida livre de progressãoda doençae a qualidade de vida do paciente, pelo menor grau de toxicidade quando comparado com quimioterápicos tradicionais e graças à via de administração oral”.

Hoje, as terapias alvo desenvolvidas a partir dos marcadores tumorais no caso do câncer de pulmão, focam na doença metastática. Mas, assim como ocorreu quando da descoberta dos quimioterápicos tradicionais, estas terapias-alvo mais eficazes passarão a ser usadas mais precocemente (na adjuvância pós-operatória, por exemplo), assim como já ocorre em outras neoplasias.

É fundamental que o paciente pergunte ao seu oncologista se é um candidato à realização de testes moleculares para a identificação dos marcadores tumorais preditores de resposta a estas terapias-alvo. Somente a pro-atividade do paciente poderá proporcionar uma chance de ter acesso aos melhores tratamentos, seja entre aqueles já aprovados, seja a aqueles ainda em pesquisa.
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