[MATÉRIA] Mesmo com excelência, governo falha em ações básicas no combate ao câncer

A luta de José Alencar contra o câncer foi marcada pela forma aberta com que o ex-vice-presidente falou sobre a doença durante seu tratamento. Ao longo de 13 anos de internações, cirurgias e viagens em busca da cura, Alencar se dizia privilegiado por ter acesso aos melhores profissionais e medicamentos novos — alguns ainda experimentais — e não se esquivava, inclusive, de criticar o sistema público do país, dizendo-se culpado por não poder oferecer aos brasileiros o que tinha. "Sei que todos deveriam ter esse tratamento. Se tivessem, as expectativas de vida seriam outras”, disse, em fevereiro de 2009, ao receber alta após uma operação de 17 horas para a retirada de tumores na região superior do abdômen.
 
Profissionais que trabalham com o câncer e associações de apoio a pacientes e familiares compartilham da visão de Alencar. "É necessário haver uma estrutura adequada. Há ilhas de excelência, mas a realidade no país é muito difícil”, afirma Rafael Kaliks, diretor médico do Instituto Oncoguia, associação de apoio a pacientes com câncer. Faltam acertos também nos procedimentos oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e na autorização para fornecer remédios, segundo o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (Sboc), Anderson Silvestrini. "Alguns tratamentos que ainda não eram oferecidos passaram a ser incorporados no ano passado, mas as drogas chamadas inteligentes ainda estão em uma lacuna.”
Kaliks afirma que pacientes de convênios conseguem ter acesso aos novos medicamentos, diferentemente daqueles amparados pelo SUS. Segundo ele, a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é baseada na segurança e na eficácia dos remédios, mas não garante a incorporação dos produtos nas tabelas de Autorização de Procedimento de Alta Complexidade (Apac) do Ministério da Saúde, que lista os remédios custeados pelo governo. "Faltam velocidade e vontade política”, critica.
 
Pouco acesso

Em meio aos problemas, o Brasil tem conseguido avanços em relação ao diagnóstico e ao tratamento de câncer. No entanto, crescer em números não é suficiente para conseguir reduzir as estatísticas ruins, segundo o diretor-geral do Instituto Nacional do Câncer (Inca), Luiz Antonio Santini. "O país realiza 4 milhões de mamografias por ano. Mas a qualidade da mamografia e o acesso das mulheres aos outros exames de diagnóstico deixam a desejar”, diz. Segundo ele, é preciso fazer um trabalho articulado para melhorar a qualidade dos serviços oferecidos à população. "Não é só uma questão de equipamento. A radioterapia, por exemplo, exige médicos especializados, físicos para cuidar de cada máquina. Fazer novos centros não vai resolver o problema, temos que trabalhar a questão em universidades para formar físicos”, exemplifica Santini.
 
Presidente da Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer (Abrace), Ilda Peliz aponta também um problema logístico. Conseguir diagnosticar e tratar o câncer a tempo no interior do país exige paciência e sacrifício. "Alguns exames só são autorizados diante do diagnóstico, mas as pessoas não conseguem tê-lo. Às vezes, a criança chega a Brasília e já não tem mais o que fazer porque demorou demais”, afirma.

Segundo ela, não há critério predefinido para escolher o estado onde os pacientes serão tratados. "Há crianças do Acre, por exemplo, que podem fazer tratamento em Brasília, mas são encaminhadas para Curitiba. Elas acabam enviadas para locais muito longe de casa e demoram para conseguir voltar, o que prejudica o tratamento devido à distância da família”, critica.

Mais dinheiro

O Ministério da Saúde lançou, em agosto último, um pacote de medidas para incluir tratamentos de câncer, fígado, mama, leucemia aguda e linfoma no Sistema Único de Saúde (SUS), e ampliar o valor pago por 66 procedimentos que já eram realizados.
 
Foram investidos R$ 412 milhões, o equivalente a 25% de aumento no orçamento anual do órgão para o tratamento da doença.

Fonte: Correio Braziliense
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