O debate sobre o impacto climático dos tratamentos do câncer

Um artigo publicado no início deste mês no Journal of Clinical Oncology, periódico da Sociedade Asco (Oncologia Clínica Sociedade Americana, sigla em inglês), trouxe uma reflexão urgente e necessária: “Por que devemos e como podemos reduzir a toxicidade climática do tratamento do câncer”?

Escrito por cientistas da Irlanda e da Holanda, o texto apresenta dados importantes sobre o setor de saúde e a necessidade do uso mais racional dos recursos naturais para redução do seu impacto ambiental.

Recentemente, escrevi neste Poder360 sobre a relação entre a poluição e o desenvolvimento de diversos tipos de câncer, especialmente tumores de pulmão. Evidências neste sentido estão cada vez mais claras. Mas o que os pesquisadores europeus trazem agora é uma reflexão sobre as implicações de toda a cadeia produtiva da saúde para o meio ambiente. Há uma inversão de raciocínio bastante provocativa, que não podemos ignorar. 

Os efeitos climáticos da saúde são inegáveis. A própria Asco, por meio do seu Grupo de Trabalho sobre Mudanças Climáticas, fez as contas e mostrou que os serviços de saúde representam mais de 5% das emissões globais de gases de efeito estufa. 

Segundo o artigo, tais serviços “são responsáveis por 4,4% das emissões desses gases, além de contribuir significativamente para outros poluentes”, da fabricação de medicamentos, embalagens e transporte até o armazenamento de dados, resultando em poluição e doenças, incluindo o câncer.

Por isso, os autores defendem que os profissionais de saúde e especialmente os oncologistas, neste caso, adotem práticas de sustentabilidade em benefício do paciente, do sistema e de todo o planeta. Somos descritos como não meros espectadores das mudanças climáticas, mas parte ativa delas.

Como um exemplo promissor de uma transformação de paradigma citam o NHS (Serviço Nacional de Saúde) do Reino Unido, pioneiro em adotar um compromisso de emissões líquidas zero. Uma das iniciativas de destaque é a campanha “Escolha com Sabedoria”, que busca reduzir procedimentos desnecessários.

O artigo indica estratégias como “espaçamento entre consultas, troca de medicamentos intravenosos por opções orais e a redução de doses” para diminuir o rastro de carbono associado aos tratamentos. Sugere, ainda, mudanças como “a promoção de dietas à base de plantas, que têm menor impacto ambiental e já são recomendadas nas diretrizes de saúde”. 

Outra medida citada é a adoção da telemedicina, que evita deslocamentos e permite um melhor acesso ao atendimento. Muitas destas práticas, inclusive, fariam muito sentido para a realidade brasileira. Sabemos que nosso sistema público de saúde enfrenta desafios como a falta de recursos e diagnóstico tardios que levam a tratamentos mais onerosos, além da grande extensão do nosso território. 

A adoção de práticas mais sustentáveis e, no caso brasileiro, até mais racionais poderia mudar de forma significativa o cuidado do câncer no país. Temos uma grande oportunidade de implementar tais práticas agora, com uma nova Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer, que necessita de regulamentação urgente. 

A sustentabilidade, em suas mais diversas facetas é, sem dúvida, uma das principais questões para o futuro da saúde. Precisamos de uma ciência que coloque a qualidade de vida do paciente em 1º lugar, sem esquecer que a preservação do planeta é condição indispensável para a vida.

Fonte: Poder 360

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