ONGs garantem acolhimento e direitos aos pacientes oncológicos
“Somos profundos conhecedores dos problemas dos pacientes. Mas também lutamos pelas políticas de saúde pública e privada no tratamento de câncer.” Esse é o relato da psico-oncologista Luciana Holtz, fundadora da ONG OncoGuia que presta assistência aos pacientes oncológicos desde 2009. O trabalho da organização se firma em três frentes principais: acolhimento e promoção do bem-estar; divulgação de informações de qualidade; e auxílio aos pacientes na garantia de direitos e benefícios, tais como FGTS e o cumprimento da Lei dos 60 dias, por meio da legislação e parcerias institucionais.
Durante a pandemia de covid-19, a atuação das instituições do terceiro setor em defesa do tratamento oncológico precisou ser intensificado ao mesmo tempo que passou por adaptações. Um levantamento mostra que em 2020 a realização de mamografias caiu 40%, cerca de 50 mil cirurgias de câncer pelo SUS foram canceladas e a quantidade de diagnósticos precoces – importante para aumentar as chances de sobrevida e qualidade do tratamento – diminuiu de forma drástica.
O acolhimento ao paciente oncológico
Os profissionais de saúde ligados à oncologia conhecem outra realidade sobre a doença como acesso às boas notícias, relatos de prognósticos satisfatórios e manutenção da qualidade de vida. Essas informações nem sempre chegam aos ouvidos dos pacientes, por isso, ainda há bastante desinformação e desespero diante do diagnóstico. Nesse momento, o acolhimento e a promoção de informação de qualidade se tornam essenciais.
O acolhimento pode ser feito por meio da escuta ativa. O Instituto OncoGuia disponibiliza uma linha de telefone (0800 773 1666) para atender dúvidas e escutar o desabafo dos pacientes e familiares. Além disso, durante a pandemia de covid-19, o Instituto promoveu rodas de conversas entre psicólogos e pacientes oncológicos. A prática teve resultados positivos e, por isso, a ONG decidiu incorporar as rodas de conversa em seu rol de atividades. Para Holtz, “Todo o nosso trabalho é para que o paciente desligue o telefone se sentindo preparado para agir.”
Quando o Instituto percebe que um grupo de pacientes têm queixas semelhantes, surge a oportunidade para a formulação de políticas públicas e pressionar as instituições para garantir os direitos desses pacientes.
Garantia de direitos
A falta de informações e a desmotivação são grandes obstáculos para que os pacientes oncológicos procurem pelos seus direitos. Por isso, existem três etapas para garantir a isonomia (princípio da igualdade) entre os pacientes:
A primeira etapa é mostrar ao paciente que os direitos existem. Assim, os esforços de comunicação ainda são muito necessários.
O segundo passo é entender de fato como o direito é aplicado, e principalmente compreender se a legislação se aplica aos critérios da realidade de cada paciente.
Em terceiro lugar, vem a parte prática: organizar documentação, ligar para o plano de saúde para negociar, procurar uma ouvidoria do hospital ou até mesmo ingressar na justiça.
O processo de advocacy – construção de estratégias para solucionar um problema ou aprimorar uma política pública – começa por promover a informação até a garantia efetiva dos direitos. Nem sempre o paciente oncológico tem condições de saúde física e mental para realizar as atividades sozinhos, assim, o apoio da família e das ONGs é fundamental.
Segundo Holtz, ainda há muita descrença na garantia dos direitos. “Muitos pacientes pensam que não vai dar certo. Eu não vou dizer que é fácil, mas é possível quando acompanhamos e fortalecemos o indivíduo. Temos inúmeras histórias de pacientes que nem precisaram entrar na justiça”, relembra.
Por exemplo, os pacientes em tratamento de câncer têm direito a obter o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). As ONGS cumprem o papel de auxiliar os pacientes na organização de documentos e acompanhamento do pedido, visto que o prazo para o saque pela Caixa Econômica Federal é de 30 dias. A isenção do IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) também é um direito desses pacientes em alguns estados brasileiros. Consulte aqui para verificar se é possível obter esse direito em seu caso.
Oncologia e políticas públicas em saúde
Além do trabalho com cada paciente oncológico, as ONGs desempenham uma função fundamental para a saúde coletiva por meio de consultas e audiências públicas, relatórios técnico-científicos e participação na elaboração de leis. Por exemplo, este ano o Oncoguia contribuiu na consulta pública para inclusão no Sistema Único de Saúde do medicamento crizotinibe – considerado de excelência para o tratamento de pacientes adultos acometidos por um tipo de câncer de pulmão. A Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica e os pacientes aguardam o posicionamento da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) no Sistema Único de Saúde.
A Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale) trabalha há 20 anos para garantir o melhor tratamento e atendimento às pessoas com câncer e doenças do sangue. A instituição mantém o Projeto Vozes, cujo objetivo é ampliar a participação dos pacientes de câncer nas discussões sobre medicações e tratamentos realizadas pelas agências governamentais. Dessa forma, a associação coloca em diálogo a sociedade civil com o Ministério da Saúde, Secretarias Estaduais de Saúde, Agência Nacional de Saúde Suplementar e outras agências reguladoras.
Outro exemplo de trabalho em prol das políticas públicas é o da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama) Recentemente, a Federação lançou um E-book com avaliações técnicas sobre como os gestores públicos devem administrar os recursos destinados ao tratamento e prevenção do câncer de mama. Além de reunir e organizar as ONGs que se preocupam com as neoplasias mamárias, a Femama luta pela inclusão de testes genéticos nos serviços públicos, tratamento multiprofissional para os pacientes e cumprimento da lei de 60 dias.
Fonte: Drauzio Varella
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