Pandemia atrasou atendimento para câncer de mama em 67% de pacientes na América Latina

Um estudo realizado pela organização Americas Health Foundation concluiu que a pandemia de Covid-19 atrasou o acesso a atendimentos ou tratamentos para câncer de mama em 67% dos pacientes de organizações de saúde localizadas em 11 países da América Latina, inclusive do Brasil.

A situação faz com que o prognóstico ocorra de forma tardia, reduzindo as chances de cura e obrigando o emprego de tratamentos mais caros e complicados.

A Folha entrou em contato com o Ministério da Saúde para comentar a situação do Brasil, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.

O levantamento é assinado por médicos dos países que compuseram o estudo: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, México, Panamá, Peru, República Dominicana e Uruguai.

Do Brasil, Fernando Maluf, diretor médico associado do Centro Oncológico da Beneficência Portuguesa, colaborou com o estudo. "O impacto da pandemia de reduzir exames de rastreamento aumentou esse efeito para casos de doenças muito avançadas", resume.

O estudo coletou dados de 102 organizações de saúde. Além delas, 266 profissionais que atuam com oncologia também participaram ao responder questionários e participar de entrevistas junto com os pesquisadores.

O resultado foi que, entre as instituições de saúde, 67% relataram que a maior parte dos pacientes mencionam atrasos na recepção de tratamento ou atendimento médico. Outros 15% relataram que, desde o início da pandemia, não acessaram nenhum tratamento ou atendimento médico relacionados a esse tipo de câncer.

No caso dos médicos, eles indicaram que cerca de 93% dos pacientes já apresentavam um estágio avançado da doença quando o prognóstico foi realizado.

Para Gilberto Amorim, oncologista e membro da SBOC (Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica), as conclusões do levantamento ratificam conclusões parecidas de outros estudos já feitos. Um exemplo é o Radar do Câncer, levantamento realizado pelo Oncoguia que observou uma queda de 50% nas mamografias ao comparar os anos de 2019 com 2020.

Amorim, que não assinou o novo estudo, explica que uma razão da dificuldade de acessar os exames se dá porque houve um período em que consultas e exames eletivos (sem urgência) foram cancelados.

Com o arrefecimento da pandemia, os exames até podem ter voltado aos níveis pré-pandêmicos. No entanto, o número de pessoas que não os realizaram durante o período mais crítico de disseminação do Sars-CoV-2 faz com que haja um acúmulo de pacientes necessitando dos testes.

O resultado é uma pressão no SUS (Sistema Único de Saúde). "O problema é que estamos devendo milhões de exames ao longo desses dois anos de pandemia", resume Amorim.

O IMPACTO DOS ATRASOS
O atraso no diagnóstico é apontado como um dos fatores que pioram as chances de cura de diferentes cânceres, inclusive o de mama. Isso porque o paciente faz o exame para detecção do tumor quando ele já se encontra em um nível avançado.

Além de ter menor chance de cura, o diagnóstico tardio faz com que seja necessário adotar tipos de tratamento mais extremos, algo que é mais caro de ser feito e também que pode deixar mais sequelas no paciente.

Uma paciente ainda no estágio inicial do câncer dificilmente precisará de quimioterapia, sendo necessário a adoção de cirurgias mais simples, explica Amorim. Agora, com um tumor mais avançado, como no estágio 3, é necessário empregar medidas que podem acarretar em um maior número de sequelas, além de representarem um gasto mais caro.

"Tratar uma paciente no estágio 3 está associado com uma maior chance de ela ser mutilada por causa de uma cirurgia radical. Também há maior probabilidade de ela precisar de quimioterapia ou de radioterapia. Tudo isso custa caro", explica Amorim.

Casos avançados de câncer de mama ainda geram um segundo problema: aumento da demanda por atendimento no SUS. Como o sistema não conta com uma grande amplitude para lidar com tumores avançados, a expectativa é que atrasos também podem acontecer no acesso ao tratamento. Isso aumenta ainda mais os riscos de complicações e dificulta a chance de cura.

"Se já existiam filas antes para diagnóstico e começo de tratamento, elas certamente estão maiores hoje", afirma Maluf.

Fonte: Folha de S. Paulo

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