[PERFIL] O Mundo de Raimundo

Já da porta de entrada do apartamento é possível perceber o mundo que Raimundo construiu, a cachorrinha que anuncia o convidado, a cozinha de onde escapa o aroma da comida, a música clássica que cadencia a emoção, os minicarrinhos feitos à mão e a sacada bem de frente ao imenso verde, transformada em oficina.

"Foi o que fiz com a chegada dessa doença maluca, que está me levando aos poucos. Encontrei minhas terapias ocupacionais”. A cachorrinha, esclarece Raimundo, é para ter a quem cuidar; a cozinha é para com que trabalhar; os carrinhos são para fazer o tempo passar.

"E o computador?”, pergunto, apontando para a máquina no canto da sala. "É de onde me comunico com pacientes do Brasil inteiro através da página Pacientes com Mieloma Múltiplo, do Facebook, e do Blog A Saga dos Pacientes com Mieloma Múltiplo”.

Sim. Raimundo é a matriz de informações e acolhimento aos pacientes acometidos pela doença, além de ser o grande porta-voz de tal grupo de pessoas, ‘brigando’ publicamente pelos direitos a medicamentos na imprensa, na internet, nos congressos, no dia a dia.

Bruzzi, 63, que tem fala e jeito despojado de carioca da gema (embora tenha morado no Rio por 35 anos, mas não seja de lá de nascença) sempre gostou de carros e direção. Mas depois do mieloma múltiplo diagnosticado há 4 anos, os 2 transplantes autólogos de medula óssea e um arsenal de medicamentos que utiliza diariamente, deixou os carrões e passou a construir os minicarros. Ferraris, Porsches, Peruas, Mavericks. Os carrinhos cuidadosamente montados recebem tinta automotiva e ganham vida pelas mãos de Bruzzi.

"Esse Mini Cooper ficará pronto logo mais”.

Já na cozinha, à que uma das filhas, Daniela, atesta a vocação do pai, Raimundo é bom para os pratos salgados. Massas, omeletes, bife de ancho e chorizo. E ele ‘é moleza não’. Quando vai ao açougue comprar a carne, exige que seja cortada diante de si. "Ancho e chorizo são as pontas do contrafilé e as partes mais macias. Por isso eu quero ver o açougueiro cortando, para saber se me dará as partes certas”, diz. "Ah, você sabe que nas diferentes regiões do país os cortes das carnes são diferentes? Em muitos locais no nordeste não se corta a picanha. Fica misturada com a maminha”.

A saga de Raimundo, a descoberta como artesão, cozinheiro e cuidador da cachorrinha começou em 2007, quando uma série de problemas à saúde seguida de uma extenuante peregrinação em consultórios médicos resultou no diagnóstico. Nesse ponto da conversa, Bruzzi fez a pausa para a digressão – falou sobre as inúmeras apostas descabidas de médicos com os quais se consultou para obter o diagnóstico.

"Tive uma dor de cabeça muito forte e um quadro constante de anemia. Disseram que era salmonella. Deixaram-me internado por dias, e eu mesmo me dei alta, à revelia. Depois soube que não é possível se dar um diagnóstico de salmonella sem o exame de fezes”. Por fim, foi uma alergista (e pediatra!) quem solicitou a eletroforese de proteínas à Bruzzi, quando ele a procurou para investigar um angioedema que cismava em aparecer.

Depois do diagnóstico e o encontro com médicos que Bruzzi chama de seus ‘deuses’ e em quem confiou e confia irrestritamente, ele prosseguiu com a construção de seu mundo. Deixou o cargo de diretor financeiro em uma empresa de tecnologia, as viagens que sempre fizera e a vida como sempre fora.

Raimundo diz sem meias palavras acreditar que a sua vida esteja em processo de terminalidade. O último transplante, realizado há poucos meses, não cessou completamente a atuação do mieloma. "O bichinho continua aqui. Agindo”. Conhecedor de seus direitos, contou que assinou há pouco o Testamento Vital, documento que atesta o desejo do paciente sobre os cuidados e tratamentos que quer receber no caso de vir sofrer uma doença grave em estágio terminal.

"O mieloma é muito dolorido no final. Não me permitirei sentir isso de forma alguma”.

Cinquenta e cinco minutos de conversa e a filha de Raimundo passou na sala. Ele agradeceu pela visita ("Imagine Sr. Raimundo. Sou eu quem agradece por me deixar entrar no seu mundo!”, replicou a repórter”) e disse que teria de sair com a menina.

Já de pé, a filha envolveu carinhosamente o pai com um abraço e desligou o aparelho de som. Raimundo passou por sua cozinha, apagou as luzes e recomendou à cachorrinha que se comportasse.

Filha, pai e repórter desceram juntos no elevador com a promessa de um novo encontro, com omelete e bife de chorizo.
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