Por que o diagnóstico precoce do câncer é um desafio?

Uma estratégia fundamental para o sucesso do tratamento do câncer é detectá-lo precocemente, antes que se espalhe e quando é mais fácil removê-lo. Entretanto, a realidade é que alguns tipos de câncer continuam sendo difíceis de detectar antes que estejam em fases mais avançadas. 

Por exemplo, mais de 80% dos casos de câncer de pulmão no Brasil são diagnosticados em estágio avançado, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca). “No SUS, 86% dos pacientes descobrem a doença nas fases avançadas e metastáticas e não têm acesso a tratamentos novos, efetivos e que prolongam suas vidas com qualidade”, enfatiza Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia. Estatísticas parecidas se repetem para o câncer de ovário, de cérebro, fígado, entre outros.

Um artigo publicado pela Escola de Medicina de Harvard, intitulado ‘Podemos detectar o câncer mais cedo?’, diz que, tradicionalmente, os médicos tentam encontrar traços precoces do câncer com exames de imagens de alta tecnologia, amostras de tecido e exploração cirúrgica. 

Mas nem sempre essas técnicas são suficientes. Muitas vezes, elas só conseguem detectar o câncer tarde, quando já não é mais possível alcançar a cura. Além disso, os procedimentos podem ser muito invasivos, o que dificulta o diagnóstico em pacientes com maior idade ou que tenham comorbidades.

Então, o lógico a se fazer é procurar outras estratégias. Menos invasivas e que possam encontrar tumores mesmo que eles sejam apenas um minúsculo amontoado de células. Certo? 

A resposta seria sim, se o lógico a se fazer também não fosse um grande desafio. 

Por exemplo, o artigo da Harvard aponta que uma abordagem menos invasiva é procurar sinais de câncer no sangue. Os tumores liberam células cancerígenas no sangue que, em teoria, podem ser detectadas mesmo em cânceres em estágios iniciais. Mas, normalmente, essas células estão presentes em quantidades tão pequenas que encontrá-las "é como procurar uma agulha no palheiro", afirma o artigo. 

Outro meio, seria procurar por proteínas que tumores muito iniciais também liberam, como o antígeno específico da próstata (PSA), que podem ser detectadas no sangue a fim de encontrar o tumor precocemente. No entanto, de acordo com o artigo, encontrar proteínas tumorais no sangue ainda não trouxe avanços significativos na detecção precoce do câncer.

Desafios sociais também são entraves no diagnóstico precoce

Enquanto esperamos que as novas tecnologias se desenvolvam a ponto de melhorar a detecção precoce do câncer. Somamos alguns outros desafios importantes, como a falta de acesso a consultas e exames. 

De acordo com a pesquisa “Percepções e prioridades do câncer nas favelas brasileiras”, realizada pelo Instituto Oncoguia em parceria com o instituto de pesquisa Data Favela (Instituto Locomotiva), 70% dos moradores de favelas no país inteiro relataram que enfrentam dificuldades para prevenção e diagnóstico de câncer. Demora em realizar agendamentos de exames (82%) e no acesso a instituições de saúde (69%) foram os principais obstáculos apontados pelos entrevistados. 

“Sem médicos e exames que garantam esse cuidado na porta de entrada do sistema de saúde estamos gerando uma bola de neve difícil de ser manejada. Pessoas com sinais e sintomas de câncer não conseguem ser assistidas e assim a doença avança”, ressalta a presidente do Oncoguia. 

Isso não ocorre só no Brasil. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), problemas parecidos dificultam o diagnóstico precoce em todo o mundo. Como: 

  • a falta de conscientização sobre o câncer entre o público; 
  • conhecimento insuficiente sobre os sintomas do câncer e/ou seguimento adequado do diagnóstico nos serviços de saúde primários; 
  • acesso limitado e baixa acessibilidade financeira e/ou qualidade dos serviços de diagnóstico e tratamento (listas de espera, erros no diagnóstico, burocracia administrativa, caminhos de encaminhamento pouco claros, etc.);
  • e as diversas barreiras logísticas, financeiras e psicossociais que impedem os pacientes de acessar rapidamente os serviços de saúde para o diagnóstico do câncer.

Ainda assim, detectar o câncer em estágio inicial salva vidas. Encontrar um tumor quando ele não é muito grande e não se espalhou dá mais chances para um tratamento de sucesso e é o objetivo de diversas iniciativas de conscientização e pesquisas pelo mundo. 

Para Luciana Holtz, a conscientização deve ser o primeiro passo. “Aprender a cuidar da saúde, priorizando-a de forma consciente, responsável e ativa faz muita diferença quando estamos falando de prevenção e detecção precoce. Dessa forma estamos fazendo manutenção da saúde e não correndo atrás após algo diferente surgir.”

Outro exemplo que pode melhorar esse cenário é implementar programas de rastreamento, ou triagem. Segundo o inca, o rastreamento tem por objetivo encontrar o câncer pré-clínico ou as lesões pré-cancerígenas, por meio de exames de rotina em uma população-alvo saudável, ou seja, sem sinais e sintomas sugestivos do câncer rastreado.

“Hoje no Brasil temos programas de rastreamento para câncer de mama  com mamografia e colo de útero com papanicolau. Ambos com problemas de adesão e seguimento. Apesar disso, precisamos começar a falar de rastreamento para câncer colorretal e pulmão e dessa forma começarmos a mudar a realidade também desses outros tipos de câncer”, encerra Luciana. 

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