[REPORTAGEM] Amor, terapia imprescindível na jornada contra o câncer
Kelly Barbosa está animada. Está dedicada aos preparativos do casamento, que acontecerá em setembro de 2014, em Minas Gerais.
O amor que prenunciou há algumas primaveras, cresceu e fortaleceu-se quando um câncer de mama atingiu Kelly no ano passado - quando tinha apenas 24 anos - e o namorado Cristiano, como em uma missão assumida, prometeu que não permitiria ver sua menina sofrer, apesar de todo o impacto e dor causados pela doença.
O sofrimento físico e emocional por vezes bateu e abateu, mas Cristiano estava lá. Por perto, presente. Brincando, abraçando, levando-a no estádio para ver o Galo jogar, costurando sentidos e medidas para – como diz – "arrancar o sofrimento de Kelly com as mãos”.
Compartilhando também o choro, a fraqueza, a cabeça pelada.
"Eu dava um puxão na rédea dela! Levantava sua cabeça, não permitia que ela caísse. Afastei aquelas pessoas que lhe faziam mal e trouxe para perto de nós as presenças que fortaleciam”.
Embora o compromisso assumido com a compaixão, a amizade e o acolhimento pareçam naturais e certos quando se vê sofrer quem se ama, milhares de pacientes experimentam situações de abandono, de solidão, de desamor.
Medo de não ter o que dizer, de não saber como agir, de defrontar a possibilidade da morte (...) são inúmeras as razões que podem fazer uma pessoa se afastar de um paciente oncológico.
Mas nunca razões fortes o suficiente para isso.
Abandono
Jusciane Ferreira, 36 anos, residente em Capivari é uma mulher forte que se vê nos olhos e luta contra o câncer que atingiu sua mama há 7 anos. A guerreira acolhe centenas de outras pacientes nas redes sociais, em matérias de imprensa, nos projetos que faz parte, nos corredores do hospital. Mas quando o diagnóstico fez sumir o chão abaixo dos seus pés, seu coração foi desabrigado por quem primeiro esperou aconchego e calor. O marido.
"Eu deixei o diagnóstico em cima do aparador, onde costumávamos colocar as correspondências. Era bem tarde quando chegou (ele trabalhava a noite) e escutei-o lá do quarto abrindo o papel. Ele viu e depois jantou, e não foi ao quarto me ver. Eu fiquei lá, quietinha, e as lágrimas correndo.... Eu adormeci chorando, e ele não apareceu”.
O ex-marido com quem teve sua filha Amanda, 13 anos, não apareceu naquela noite para lhe confortar, nem foi à consulta do dia seguinte, como houvera combinado.
O silêncio e a ausência do companheiro se fizeram ainda mais cortantes que o diagnóstico por si só.
Jusciane, tirando coragem não sabe de onde, pediu a ele que deixasse a sua casa logo após o diagnóstico e, apesar das inúmeras tentativas de retorno do ex-marido, ela não reatou o casamento.
"Se ele não estava do meu lado nesse momento, que mais poderia esperar dele?”, questiona.
Jusciane, a quem se vê nas fotos do Facebook sempre entre sorrisos, abraços, amigos, encontrou seu porto seguro dentro da família, do hospital onde realiza o tratamento, dos braços de pacientes amigas de jornada.
Ela diz que a Amanda e a mãe, Nair (76) são as fontes de sua determinação à vida e ao amor. "Minha mãe é minha base. Minha filha é meu coração que bate forte fora do meu peito. Em casa estou segura, protegida, confortável”, diz.
No hospital, Jusciane encontrou, também, o seu porto seguro. Fala com carinho do enfermeiro Valdeci Marion de Paula Santos, que cuidou dela no momento mais difícil do tratamento, quando esteve internada na unidade de cuidados paliativos.
"Eu adoro o Valdeci de um tanto que você não imagina! Ele foi muito importante para mim. Ajudou-me a levantar, com os cuidados clínicos e o carinho, quando eu achei que não pudesse mais resistir (....)”.
Valdeci, lembra que quando Jusciane chegou à unidade podia apenas mexer as sobrancelhas. Não conseguia falar, se alimentar. "Enquanto cuidava dela, eu a encorajava, dizia baixinho para que tivesse força e não se entregasse”, lembra.
Para Valdeci, o cuidado do paciente oncológico deve transcender o técnico, o clínico. "O profissional que trabalha com oncologia deve entender e sensibilizar-se para isso. A humanização da saúde, que tanto se fala, é mais que fundamental quando se trata do câncer”, aponta.
Hoje Valdeci e Ju hora ou outra se encontram na porta do Hospital. "Ele me vê e diz para todo mundo que está por perto: sabe essa menina? Ela mexia apenas as sobrancelhas. Olha agora! Ela é danada!”.
Casa cheia, coração quente
Elizabeth de Castro Lomaski, 49 anos, residente em São Paulo, dá risadas prolongadas a cada dez palavras! Diz com segurança que é alegre, engraçada, prática e que todos gostam de sua companhia.
Mãe de dois filhos, mulher de um homem atencioso, colecionadora de amigos e familiares queridos, ela descobriu o câncer nas duas mamas após fazer uma mastectomia bilateral em decorrência de uma displasia mamária que a acompanhava desde jovem. O câncer foi descoberto em estágio inicial, neste ano, e por conta disso não foi necessário o tratamento adjuvante com quimio e radioterapia.
No dia em que recebeu o diagnóstico, diz Beth entre uma e outra risada, havia uma comitiva no consultório ("Tenho sempre comitivas comigo nas consultas!"): Mastologista, ginecologista, mãe e marido acompanhavam-na no momento mais difícil.
"Não preciso dizer que saí de órbita, né? É um momento de sensações inexplicáveis", lembra. Naquele dia, apesar do impacto e do semblante de preocupação em cada um dos presentes, ela agiu com praticidade.
"Tá bem. Por onde temos que começar?", questionou os médicos.
Após a consulta que revelou o diagnóstico, uma rede de acolhimento já se formara na casa da mãe de Beth. "Meus filhos saíram de onde estavam, minhas amigas foram para lá, o telefone não parava de tocar. A minha coragem e segurança partiram disso. Família, amigos, carinho. É isso o que importa. É isso o que encoraja!", e finalizou rindo mais uma das gargalhadas sonoras.
O amor que prenunciou há algumas primaveras, cresceu e fortaleceu-se quando um câncer de mama atingiu Kelly no ano passado - quando tinha apenas 24 anos - e o namorado Cristiano, como em uma missão assumida, prometeu que não permitiria ver sua menina sofrer, apesar de todo o impacto e dor causados pela doença.
O sofrimento físico e emocional por vezes bateu e abateu, mas Cristiano estava lá. Por perto, presente. Brincando, abraçando, levando-a no estádio para ver o Galo jogar, costurando sentidos e medidas para – como diz – "arrancar o sofrimento de Kelly com as mãos”.
Compartilhando também o choro, a fraqueza, a cabeça pelada.
"Eu dava um puxão na rédea dela! Levantava sua cabeça, não permitia que ela caísse. Afastei aquelas pessoas que lhe faziam mal e trouxe para perto de nós as presenças que fortaleciam”.
Embora o compromisso assumido com a compaixão, a amizade e o acolhimento pareçam naturais e certos quando se vê sofrer quem se ama, milhares de pacientes experimentam situações de abandono, de solidão, de desamor.
Medo de não ter o que dizer, de não saber como agir, de defrontar a possibilidade da morte (...) são inúmeras as razões que podem fazer uma pessoa se afastar de um paciente oncológico.
Mas nunca razões fortes o suficiente para isso.
Abandono
Jusciane Ferreira, 36 anos, residente em Capivari é uma mulher forte que se vê nos olhos e luta contra o câncer que atingiu sua mama há 7 anos. A guerreira acolhe centenas de outras pacientes nas redes sociais, em matérias de imprensa, nos projetos que faz parte, nos corredores do hospital. Mas quando o diagnóstico fez sumir o chão abaixo dos seus pés, seu coração foi desabrigado por quem primeiro esperou aconchego e calor. O marido.
"Eu deixei o diagnóstico em cima do aparador, onde costumávamos colocar as correspondências. Era bem tarde quando chegou (ele trabalhava a noite) e escutei-o lá do quarto abrindo o papel. Ele viu e depois jantou, e não foi ao quarto me ver. Eu fiquei lá, quietinha, e as lágrimas correndo.... Eu adormeci chorando, e ele não apareceu”.
O ex-marido com quem teve sua filha Amanda, 13 anos, não apareceu naquela noite para lhe confortar, nem foi à consulta do dia seguinte, como houvera combinado.
O silêncio e a ausência do companheiro se fizeram ainda mais cortantes que o diagnóstico por si só.
Jusciane, tirando coragem não sabe de onde, pediu a ele que deixasse a sua casa logo após o diagnóstico e, apesar das inúmeras tentativas de retorno do ex-marido, ela não reatou o casamento.
"Se ele não estava do meu lado nesse momento, que mais poderia esperar dele?”, questiona.
Prepare-se para acolher e amar E agora, o que devo dizer a ela? Como me comportar diante de um momento de dor? Devo insistir para que ela fique sempre para cima? Fico próximo o tempo todo? São inúmeros os questionamentos que surgem com o diagnóstico de câncer em quem se quer bem e é natural que haja dúvidas sobre como se comportar diante do sofrimento da pessoa amada e, também, da própria dor causada pela dor do outro. Viver o período de luto e de assimilação é natural e fundamental para o enfrentamento e ajuda posteriormente. A presidente do Instituto Oncoguia e psico-oncologista, Luciana Holtz, aponta que a ajuda profissional, de um terapeuta, neste momento pode ser importante para os familiares e amigos. "Ninguém precisa estar pronto para lidar com o sofrimento da pessoa amada e o seu próprio sofrimento. É difícil, doloroso. Mas é importante que, sentindo-se frágil, busque-se ajuda, se fortalecendo para poder assim fortalecer o paciente”. Sobre o que dizer, como agir, se comportar, Holtz afirma: "Você não precisa de um arsenal de palavras certeiras, de coragem, todo o tempo. Mas esteja lá, com os braços dispostos a abraçar, pronto para ouvir e compartilhar as vitórias e as dores. É também fundamental que se respeite as vontades do paciente. Não quer se levantar hoje da cama? Está sentindo-se deprimido? Aceite, pois isso é absolutamente verdadeiro e normal. Mas esteja lá, perto...”. |
Jusciane, a quem se vê nas fotos do Facebook sempre entre sorrisos, abraços, amigos, encontrou seu porto seguro dentro da família, do hospital onde realiza o tratamento, dos braços de pacientes amigas de jornada.
Ela diz que a Amanda e a mãe, Nair (76) são as fontes de sua determinação à vida e ao amor. "Minha mãe é minha base. Minha filha é meu coração que bate forte fora do meu peito. Em casa estou segura, protegida, confortável”, diz.
No hospital, Jusciane encontrou, também, o seu porto seguro. Fala com carinho do enfermeiro Valdeci Marion de Paula Santos, que cuidou dela no momento mais difícil do tratamento, quando esteve internada na unidade de cuidados paliativos.
"Eu adoro o Valdeci de um tanto que você não imagina! Ele foi muito importante para mim. Ajudou-me a levantar, com os cuidados clínicos e o carinho, quando eu achei que não pudesse mais resistir (....)”.
Valdeci, lembra que quando Jusciane chegou à unidade podia apenas mexer as sobrancelhas. Não conseguia falar, se alimentar. "Enquanto cuidava dela, eu a encorajava, dizia baixinho para que tivesse força e não se entregasse”, lembra.
Para Valdeci, o cuidado do paciente oncológico deve transcender o técnico, o clínico. "O profissional que trabalha com oncologia deve entender e sensibilizar-se para isso. A humanização da saúde, que tanto se fala, é mais que fundamental quando se trata do câncer”, aponta.
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