[REPORTAGEM] Câncer de mama hereditário: investigar é um ato de amor

Há alguns meses a atriz Angelina Jolie chamou a atenção de todo o mundo ao anunciar publicamente que retiraria as mamas, pois descobrira ser portadora de uma mutação genética rara, no gene BRCA-1, que aumenta em 87% as chances de uma mulher ter câncer de mama e em 50% de ter câncer de ovário.

A cirurgia de Angelina Jolie gerou polêmica e dividiu opiniões de médicos, pacientes, imprensa etc. Muitos consideraram a medida radical e mutilatória, outros aprovaram e parabenizaram a atriz por ser ‘mais rápida’ que o câncer.

Sobre a decisão pela intervenção, não há porque discutir. É pessoal e tomada a partir de argumentos individuais e emocionais. O grande benefício do anúncio da atriz, no entanto, foi ampliar o debate sobre a oncogenética, o câncer hereditário, a mutação nos genes BRCA-1 e BRCA-2.

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BRCA-1 e BRCA-2

Os genes BRCA-1 e BRCA-2 são ‘pedaços’ do DNA responsáveis pelo controle de proliferação e reparo das células da mama. Quando tais genes falham, as células perdem o comando de parada de crescimento, além de acumularem quebras do DNA, ‘lixinhos’ no seu interior, que podem transformam-se em câncer.

As mutações, como explica Dr. José Claudio Casali, oncogenetecista e membro do Comitê Científico do Instituto Oncoguia, podem ser esporádicas ou hereditárias.

"A mutação pode acontecer durante a vida da mulher por razões como o ambiente e o estilo de vida. Neste caso, ela terá um câncer esporádico e não passará o traço aos descendentes. Por outro lado, se a pessoa nasce com a mutação em um desses genes, terá um traço de predisposição e poderá passá-lo para os descendentes”.

O oncogenetecista acrescenta que a ciência já conhece 22 mutações que causam o câncer de mama e que apenas 25% das mulheres diagnosticadas com a neoplasia apresentam os genes BRCA-1 e BRCA-2 mutados. Para identificar-se mutações são realizados testes genéticos.

"É importante frisar que se o resultado der negativo para BRCA-1 e BRCA-2, não significa que a investigação deve ser cessada. É preciso continuar a apuração em outros genes. Para isso, é necessário um teste mais completo”.

Dr. Casali diz que tal teste ainda não existe no Brasil e os centros de oncogenética do país enviam material coletado para análise em outros países.

Que mulheres devem ser investigadas?

Apenas 10% das mulheres diagnosticadas com câncer de mama tem a doença por causa hereditária. A recomendação para a investigação e aconselhamento genético se dão às diagnosticadas abaixo dos 45 anos, àquelas com histórico de outros tumores em qualquer idade e/ou de casos de câncer na família, do lado materno e /ou paterno.

Também de Pai

Dr. Casali salienta que embora muitos acreditem que a influência para o câncer de mama seja apenas materna, isso é um equívoco. "O homem pode carregar o traço sem que o câncer se manifeste, já que a sua mama é pequena e não possui ambiente hormonal para a doença. Mesmo sem ter o câncer, ele pode passar o traço para seus descendentes”.

O ideal é toda e qualquer paciente que se enquadre em um ou mais fatores seja investigada. Descobrindo-se a mutação nos genes BRCA-1 e BRCA-2 ou outros, membros de sua família em primeiro e segundo graus (pais, irmãos, tios, avós, sobrinhos) devem também realizar os testes.

Aos indivíduos com casos positivos para mutações sugere-se a participação em programas de prevenção e rastreamento, para os quais já existem guidelines nacionais e internacionais. Os objetivos do rastreamento são diagnosticar a doença precocemente e impedir que ela apareça, a partir de mudanças no estilo de vida.

"Todos nós nascemos com vários traços genéticos. Costumo dizer que eles são como interruptores desligados e que dependendo de nossa idade, saúde emocional, hábitos alimentares (...) eles podem ser ligados em algum momento da vida, aparecendo como um câncer”.

Legado de amor

A dermatologista carioca Christiane Gonzaga descobriu e tratou um câncer de mama agressivo em 2012, aos 38 anos, logo após o nascimento da segunda filha. Desde os 30 anos de idade, a médica passava por exames de mamografia, já que tem histórico de câncer de mama na família, em primas de segundo grau.

Mas foram a pouca idade e o tipo histológico raro da doença, que levantaram em seu oncologista e mastologista a suspeita da hereditariedade e recomendaram que a paciente passasse pelo teste genético.

O resultado foi positivo para o gene BRCA-1.

"A partir daí, fui descobrindo mais casos no lado materno da minha família. Soube que a minha avó faleceu de câncer de ovário e que primas distantes e irmãs da minha avó também tiveram câncer”.

Dra. Christiane passará por cirurgias de redução de risco em breve. Fará mastectomia total e retirará os ovários. Ela conta que a decisão, para ela, foi fácil, rápida.

"Eu já passei pelo câncer. Foi um processo difícil e doloroso. Não quero mais, e ponto. A cirurgia é sim agressiva, mas o tratamento do câncer é mais – e não é somente agressivo ao corpo, mas às emoções, aos filhos, à família. No entanto, esse é um arbítrio pessoal e deve ser respeitado. A mulher pode querer acompanhar, operar, ou fazer nada”.

Às mulheres com recomendação para realização do teste, Dra. Christiane diz: "Vocês já são vitoriosas pelo enfrentamento do câncer. Tenham coragem e investiguem, pois estarão deixando um legado, uma contribuição de amor para as próximas gerações de sua família”.

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