Setembro amarelo: acompanhamento psicológico no tratamento do câncer
Apesar de ter sido criada com foco na prevenção do suicídio, a campanha Setembro Amarelo também abre espaço para discutir a importância dos cuidados com a saúde mental. No caso dos pacientes com câncer, o acompanhamento psicológico é fundamental.
O diagnóstico de câncer pode virar a vida de qualquer um de cabeça para baixo. Medos, incertezas e desconfortos físicos causados pela doença e seu tratamento passam a ocupar lugar central na vida do indivíduo, e podem pesar no bem-estar emocional
Um estudo do Instituto Nacional do Câncer (INCA), publicado na Revista Brasileira de Cancerologia, mostra que a ansiedade e depressão são distúrbios prevalentes em grande parte dos pacientes oncológicos. Na pesquisa, mais de um quarto dos pacientes demonstraram componentes de transtornos psicológicos (26,18% ansiedade e 31,33% depressão).
Esses transtornos, além do psicológico, também afetam o indivíduo de forma social, espiritual e fisicamente, o que pode interferir na habilidade de lidar efetivamente com o câncer.
Para explicar melhor como o cuidado com a saúde mental influencia durante um tratamento oncológico, a reportagem do Oncoguia conversou com a psico-oncologista Regina Liberato, coordenadora do Comitê de Saúde Emocional do Instituto e membro da Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia.
Veja abaixo a entrevista:
Reportagem Oncoguia: É comum que pacientes com câncer desenvolvam doenças psicológicas, como ansiedade e depressão? Por que?
Regina Liberato: O câncer é uma doença historicamente relacionada com a dor e ao sofrimento, considerada ameaçadora para a vida. Esse sofrimento acompanha a pessoa adoecida e seus familiares por muito tempo, então é possível e provável que se desenvolva aspectos emocionais tais como ansiedade, depressão e fobias.
RO: O que pode interferir na saúde mental de um paciente com câncer?
RL: O impacto inicial do diagnóstico de câncer, por exemplo, provoca essas respostas emocionais negativas que são reforçadas pela espera dos exames e procedimentos terapêuticos, muitas vezes dolorosos e invasivos, até assustadores em certo sentido. Por isso, ao longo do tratamento, o paciente vivencia perdas de diferentes origens que contribuem para aumentar a incerteza em relação ao futuro, interferindo no equilíbrio emocional.
Além disso, o câncer promove nos pacientes algumas preocupações e instabilidades relacionadas com a perda do controle sobre a própria vida. Algumas mudanças na autoimagem, tais como alopecia, mutilações importantes (como uma mastectomia), medo dos efeitos dos procedimentos (quimioterapia, radioterapia, cirurgia), estigmas relacionados ao câncer, o medo da progressão da doença e da recidiva, medo do abandono, raiva e até o medo da morte. Tudo isso causa um desequilíbrio no emocional.
RO: É recomendado que um paciente com câncer faça acompanhamento psicológico?
RL: Nem todo mundo precisará de um atendimento especializado. Porém, é preciso chamar atenção para a dificuldade que as pessoas ainda possuem em procurar ajuda psicológica que é associada a diversos estigmas.
Tem se discutido a necessidade de compreender e tratar a pessoa adoecida de maneira que ela possa ser assistida integralmente. Para tanto, é preciso ter um olhar amplificado e sistêmico. Nisso, o atendimento psicológico pode funcionar como facilitador de processos que melhoram e muito o fluxo do tratamento da doença.
RO: Como deve ser o acompanhamento psicológico de um paciente com câncer?
RL: O atendimento psicológico tem como finalidade a consideração de diversos fatores e deve ofertar cuidados relacionados:
- Ao acolhimento do sofrimento presente no diagnóstico do câncer.
- À aceitação do diagnóstico e eventual evolução da doença.
- Facilitar a identificação de medos, dúvidas e expectativas do paciente.
- Ajudar o paciente a lidar emocionalmente com desdobramentos da doença (efeitos colaterais, perdas, sintomas).
- Incentivar a descoberta de recursos de enfrentamento do câncer considerando a demanda psicossocial do paciente.
- Manejo do estresse envolvido nas diversas fases do tratamento.
- Reflexões sobre o processo de luto e a busca de recursos para ressignificar perdas pertinentes ao adoecimento grave e crônico.
- Cuidar do social, ou seja, rever relacionamentos significativos e suas particularidades com amigos, familiares e demais pessoas próximas.
- Retomar reflexões sobre a finitude e a morte, gerando consciência da vulnerabilidade e os sentimentos relacionados à perda de controle da vida.
RO: Que sintomas o paciente com câncer deve se atentar quando falamos sobre transtornos psicológicos relacionados ao câncer?
RL: Alguns dos sintomas relacionados à ansiedade por conta de um câncer são: tensão muscular, náuseas e vômitos, tremores, dificuldades para respirar, distúrbios de sono, irritabilidade, dificuldades de concentração, medo constante, preocupação exagerada com aquilo que não é realidade (suposições negativas e projetadas no futuro incerto), pensamentos descontrolados e obsessivos sobre determinado problema.
A depressão, entretanto, se caracteriza, essencialmente, por fadiga, desânimo e a autoestima gravemente atingida. Além disso, também é possível sentir dores no corpo, fadiga, perda de apetite, sensação de peso no peito, apatia, problemas de concentração, falta de interesse nas atividades que antes eram prazerosas, esquecimento, sensação de vazio e isolamento social.
Além desses, também se observa casos de síndrome do pânico em pacientes com câncer, que seria uma espécie de ansiedade. Nesses casos, podem aparecer sintomas tais como: vertigens e tonturas, problemas gastrointestinais, respiração e batimentos cardíacos descontrolados, sensação de morte, medo incontrolável e descontrole emocional.
RO: Além do acompanhamento com profissionais especializados, o que mais pode ajudar no bem-estar e saúde mental do paciente com câncer?
RL: É importante estar presente na vida. Lembrar-se que uma doença não define ninguém. O ser humano é muito maior do que qualquer aspecto que faça parte dele e o fato de estar doente é apenas uma das experiências que a pessoa experimenta naquele momento.
Além de ser um paciente com câncer, a pessoa trabalha, tem relacionamentos, é pai, é mãe, é filho(a), tem tios, amigos, ou seja, desempenha papéis diversos e nenhum deles, chegam a definir uma pessoa em toda sua complexidade.
É importante cuidar da vida, cuidar de si, viver e aprimorar a qualidade da vida que se vive.
Conteúdo produzido pela equipe do Instituto Oncoguia.
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