Uma tuberculose que era câncer de pulmão
Em outubro de 2018, a nutricionista de Pernambuco Larissa Silva (nome fictício*), 30 anos, começou a se incomodar com uma tosse seca que já durava quase um mês. “Levei essa tosse achando que podia ser uma alergia, mas um mês depois eu também comecei a sentir dor no tórax, como se eu tivesse feito algo errado na academia”, conta. “Mas só procurei um médico quando veio a falta de ar”.
Larissa ainda não sabia, mas esses sintomas indicavam o início da jornada com o câncer de pulmão, uma das doenças mais comuns no Brasil. E também uma das mais desafiadoras.
De acordo com o Instituto Nacional do Câncer, o câncer de pulmão ocupa a quarta posição entre os tumores mais incidentes no país, não considerando o câncer de pele não melanoma. Com relação à mortalidade, no entanto, ele ocupa o primeiro lugar, superando o número de mortes por cânceres muito mais incidentes, como o de mama e próstata.
Entre as razões para esse cenário, especialistas apontam a dificuldade do diagnóstico precoce do câncer de pulmão. De acordo com a Global Lung Cancer Coalition (GLCC), coalizão global de instituições que atuam com o câncer de pulmão e da qual o Oncoguia faz parte, o diagnóstico precoce aumenta significativamente as chances de sobrevivência dos pacientes.
Por exemplo, no Reino Unido, aqueles diagnosticados nos estágios um ou dois (iniciais) têm quase 20 vezes mais chances de sobreviver por cinco anos ou mais do que aqueles cujo câncer é detectado em estágios posteriores. No Brasil, dados disponíveis no Radar do Câncer mostram que mais de 90% dos pacientes de câncer de pulmão iniciam seu primeiro tratamento em estágios avançados (3 ou 4).
Entre os desafios para o diagnóstico precoce, a GLCC aponta o desconhecimento dos principais sintomas por parte da população.
Conhecendo os sintomas do câncer de pulmão
Em uma noite, Larissa sentiu muita dificuldade para respirar, deixou o trabalho depois de um plantão noturno e seguiu para o pronto-socorro mais próximo.
Lá, o médico suspeitou de uma crise de ansiedade e a mandou para casa com uma receita para diazepam, um remédio comum para aliviar sintomas da síndrome da ansiedade. “Mas eu já tinha uma suspeita diferente, então também pedi para ele solicitar um raio-x”.
O raio-x e a tomografia de tórax são dois dos exames de imagem mais comuns usados na jornada de diagnóstico do câncer de pulmão.
Feito o exame, as suspeitas passaram a ser outras. “O exame acabou indo para a mão de outro médico, e ele já viu que o raio-x estava meio estranho. Foi minha sorte”.
No mundo, uma a cada três pessoas não conhecem nenhum sintoma de câncer de pulmão. A constatação é do último estudo multinacional publicado pela GLCC. Para jovens (com idades entre 18 e 24 anos), esse número é ainda maior, com 45% dos entrevistados não conhecendo nenhum sintoma. O estudo foi produzido em 29 países, inclusive no Brasil.
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Segundo o levantamento, uma das razões pelas quais as pessoas não conhecem os sintomas do câncer de pulmão é porque eles são muito difusos e similares a outras doenças respiratórias mais comuns.
No caso de Larissa, as manchas em seu raio-x de tórax levaram a outra suspeita: tuberculose. Ela foi para casa com uma receita de antibiótico e um atestado de alguns dias para evitar o contágio. Mas os sintomas não iam embora.
Com uma dor debilitante, Larissa voltou ao pronto-socorro onde constatou, em um novo raio-x, que seu pulmão não tinha sinais de melhora. “Foi aí que o plantonista me orientou a procurar um especialista para fazer uma tomografia. Mas esse exame eu não ia conseguir fazer na minha cidade”.
Larissa precisou ir até Teresina, no Piauí, cidade onde seus pais moram, para conseguir passar por um pneumologista. “Fiz a tomografia e um teste para tuberculose, que deu negativo. Mas mesmo assim o pneumologista insistiu que era tuberculose. Me prescreveu medicação e disse que em um mês eu deveria melhorar”, conta ela.
Mais uma vez, os sintomas não melhoraram, nem seus exames. “Vendo que eu não tinha melhorado nada, o médico disse que eu teria que fazer uma biópsia. Aí me bateu medo”, lembra a nutricionista. “Fiz a biópsia no fim de dezembro. No início de janeiro recebi o resultado e, finalmente, o diagnóstico de câncer de pulmão”. Larissa demorou um total de quatro meses desde a primeira consulta até o diagnóstico correto.
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Qual a diferença entre os sintomas do câncer de pulmão e a tuberculose?
Segundo Fernando Moura, oncologista clínico do Centro de Oncologia do Hospital Israelita Albert Einstein e membro do Comitê Científico do Oncoguia, os sintomas de câncer de pulmão podem se sobrepor aos sintomas de tuberculose. “Além de compartilharem alguns sintomas, o câncer de pulmão também aumenta a propensão do paciente para infecções, o que pode levar à coexistência das doenças”, explica o especialista.
Os sintomas mais característicos do câncer de pulmão são:
- Tosse persistente, que pode ser com expectoração mucosa (pigarro) ou sangue;
- Dor no peito (região do tórax);
- Rouquidão;
- Perda de apetite;
- Perda de peso inexplicada;
- Falta de ar;
- Fadiga;
- Infecções respiratórias de repetição.
A tosse, com secreção ou não, também é um sintoma característico da tuberculose, assim como a falta de apetite, emagrecimento e cansaço. Os sinais da infecção que se diferem do câncer de pulmão são a sudorese, mais acentuada durante a noite, e febre.
Segundo Moura, a coincidência de sintomas é um dos fatores que pode atrasar o diagnóstico correto, tanto pelo desconhecimento do paciente quanto pela falta de familiaridade da equipe médica, que tende a desconfiar de outras doenças que afetam o trato respiratório. “O médico generalista, que atende no pronto socorro na maioria das vezes, ou até o profissional da atenção primária, são expostos com maior frequência a pacientes com tuberculose e outras infecções respiratórias que também causam esses sintomas. Isso acaba criando, naturalmente, um viés de diagnóstico”.
Essa confusão também aconteceu com Aparecida de Fátima Dal Santo, 59, de Fernandópolis, no interior de São Paulo, que trata um câncer de pulmão desde 2018. “A suspeita do primeiro médico foi alergia”, conta. A costureira aposentada procurou atendimento por causa de uma tosse que já durava dois meses. “Achava que era a poeira da cidade”.
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Pela idade e por não ter feito exames de rotina recentemente, Aparecida foi encaminhada para um raio-x de tórax, que apontou uma alteração no pulmão. Entretanto, por não ter mais sintomas além da tosse leve, ela não foi orientada a buscar um especialista. “Eu fui fazer tudo quanto é exame, fiz até exame de AIDS para ter uma noção. Daí ele (o médico generalista) suspeitou de tuberculose”.
O diagnóstico de câncer de pulmão só foi confirmado depois de meses, um teste negativo de tuberculose e mais exames. “Precisei ir para outra cidade para uma broncoscopia e uma biópsia. Quando peguei o resultado, nem precisei voltar ao médico. Minha filha, que é enfermeira, já me avisou do que poderia ser”, contou.
Para Luciana Holtz, presidente do Oncoguia, o caso de Larissa e Aparecida mostra como o processo de diagnóstico do câncer de pulmão é demorado, o que pode prejudicar o desfecho do tratamento do paciente. “Uma estratégia importantíssima e que não vemos na prática seria a capacitação de médicos de pronto-socorros e UBSs para os sinais e sintomas do câncer de pulmão”, afirma. “Dessa forma, podemos alcançar maior agilidade de um possível diagnóstico e melhorar o prognóstico dos pacientes. É preciso ensinar a pensar que pode ser câncer”, finaliza.
Reportagem especial produzida pela equipe do Instituto Oncoguia
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