X Fórum Nacional de Políticas de Saúde em Oncologia - Dia 02 - 04/08/2020

Abertura: Luciana Holtz, Fundadora e Presidente do Instituto Oncoguia

Importância do diagnóstico precoce do câncer: discutindo prioridades e propostas de soluções
Coordenador: Tiago Farina Matos, Diretor de Advocacy no Instituto Oncoguia

  • Abertura da mesa e contextualização - Tiago Farina Matos, Diretor de Advocacy no Instituto Oncoguia

Tiago Matos abriu o segundo dia do Fórum falando um pouquinho sobre as discussões que seriam realizadas ao longo do dia e deu um panorama geral dos desafios encontrados quando o assunto é diagnóstico precoce.

Ele inseriu no debate os resultados da auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) que apontou que no Brasil 56% dos diagnósticos de câncer são realizados em estágio avançado. Para pacientes com câncer de pulmão, são mais de 80% de diagnósticos em estágios 3 e 4. Ou seja, no país, os diagnósticos são, em sua maioria, tardios.  

Tiago também comentou sobre a lei dos 30 dias que entrou em vigor em 2020. A lei determina que o diagnóstico deve ser realizado em 30 dias após o médico apontar câncer como principal hipótese diagnóstica. Segundo ele, a lei ajuda na criação de metas para gestores perseguirem, coloca o assunto na agenda política e dá perspectiva para os pacientes. 

  • Desafios e prioridades da patologia no Brasil - Clóvis Klock, ex-Presidente Sociedade Brasileira de Patologia (SBP)

Clóvis iniciou sua fala apontando alguns aspectos dentro da patologia que prejudicam o diagnóstico precoce no Brasil. Segundo ele, este é um dos principais gargalos do diagnóstico do câncer no país. Entre as causas apontadas, estão a baixa quantidade de vagas de residência em patologia ocupadas, a quantidade de patologistas no Brasil é defasada e há má distribuição dos profissionais em território nacional, sendo que na saúde pública, a presença de patologistas não é uma realidade em quase metade do Brasil.

Além disso, ele apontou que muitos laboratórios de patologia no país estão defasados, e destacou o armazenamento inadequado dos materiais coletados como um dos principais prejuízos para a qualidade do diagnóstico.

Clóvis ainda questiona como que o país pretende aplicar a lei dos 30 dias se muitas vezes só a demora entre a coleta do material e a chegada até a mesa do patologista já demora mais do que isso?

O especialista encerrou sua fala comentando sobre a expectativa de aumento na demanda da patologia no pós-Covid-19, o que pode prejudicar ainda mais o diagnóstico precoce do câncer. Segundo ele, um possível plano de retomada deveria ser um trabalho em equipe com organização das sociedades científicas junto a gestores públicos para garantir diagnósticos de qualidade aos pacientes, principalmente no SUS.

  • A importância da lei dos 30 dias para a garantia do diagnóstico precoce do câncer - Maira Caleffi, Mastologista, Presidente voluntária da FEMAMA e líder do comitê executivo do City Cancer Challenge (C/Can) em Porto Alegre

Maira apontou a importância do diagnóstico precoce para que o Brasil consiga alcançar outros países mais desenvolvidos na redução da mortalidade por câncer. Segundo ela, um exemplo de como aprimorar esta demanda é ouvir a reclamação de pacientes com câncer de mama quando elas vão ao posto de saúde e dar atenção e encaminhamento adequado para esta paciente.

“Quanto menor o estadiamento no momento do diagnóstico, maiores oportunidades de tratamento e cura”, afirma a especialista. Maira ainda destaca que quando falamos em SUS, a diferença de chance de sobrevida ou de pacientes livres de progressão é ainda mais precária.

Maira também apresentou dados da auditoria do TCU que apontam que no Brasil, o tempo médio para o diagnóstico do câncer na rede pública é de 270 dias. Além disso 80% dos pacientes começam o tratamento em estágios avançados da doença. Para Maira, a saída é convencer os gestores da importância do investimento para que a lei dos 30 dias funcione. 

  • Papel do Estado na garantia do diagnóstico precoce do câncer - Carlos Eduardo de Oliveira Lula, Secretário de Estado da Saúde do Maranhão e Presidente do CONASS

Segundo o secretário de Saúde do Maranhão, é delegado aos Estados o papel de tratar de casos de média e alta complexidade. Sendo que a atenção primária, onde se inclui trabalhos de prevenção, acaba sendo delegado aos municípios.

No entanto, Carlos acredita que o Estado precisa sim olhar para a atenção primária, pois, fortalecendo essa base, os impactos na média e alta complexidade são menores.

Para ele, alguns desafios que os Estados podem encarar são: ampliação e descentralização da rede especializada, estímulo à realização de exames preventivos, criação de mecanismos de combate à obesidade e ao consumo de álcool e tabaco, além do incentivo à hábitos mais saudáveis da população, ou seja, medidas que contribuem para a prevenção do câncer.

Carlos encerrou com alguns exemplos realizados no Maranhão, como a criação do Fundo de Combate ao Câncer que tem parte dos recursos voltado para políticas de prevenção da doença. Essa e outras ações ajudam a cuidar da atenção primária, diminuindo os custos da atenção hospitalar e ajuda no diagnóstico precoce, tornando mais barato o tratamento do câncer. 

  • Diagnóstico genético e molecular - Rodrigo Guindalini, Oncologista e Oncogeneticista da Oncologia D’OR

Rodrigo abordou o papel dos testes moleculares na linha de cuidado do paciente oncológico. Segundo ele, existem dois momentos em que isso é importante. Primeiro, na descoberta de cânceres hereditários. Rodrigo explicou que ao saber que um paciente apresenta predisposição a determinado tipo de câncer, a prevenção é feita com base em um rastreamento diferenciado do “padrão” para toda a população, aumentando as chances de evitá-lo ou de descobri-lo precocemente.

Num segundo momento, quando o paciente já apresenta um diagnóstico de câncer, o conhecimento do perfil molecular do tumor possibilita o direcionamento do melhor tratamento para cada paciente com base nas individualidades do caso, isto é conhecido por medicina personalizada ou de precisão.

Apesar de já se mostrarem de grande valia para o mundo do câncer, infelizmente os testes moleculares ainda não são uma realidade no SUS. E na saúde suplementar, alguns convênios já cobrem a realização dos testes e também já disponibilizam algumas terapias-alvo para determinados tratamentos. Mas ainda precisa melhorar muito.

Rodrigo aponta que pensar na adoção de testes moleculares seja na saúde pública ou privada é uma forma de poder racionalizar os gastos, pois há um encaminhamento mais inteligente dos casos de câncer ao longo da jornada do paciente.

Por um tratamento do câncer menos desigual, mais ágil e efetivo no Brasil

  • Contextualização – Rafael Kaliks, Oncologista no Hospital Israelita Albert Einstein e Diretor Científico Instituto Oncoguia

Rafael Kaliks iniciou a segunda mesa de debates do dia abordando o cenário oncológico no Brasil e no mundo e ressaltou que os caminhos dos pacientes com câncer têm percalços nos dois sistemas, seja público ou privado.

Como exemplos, Rafael citou a quase inexistência de diagnóstico precoce de câncer colorretal no país; a falta de mamógrafos e a escassez de mamografias realizadas mesmo em mulheres com indicação para a realização do exame; a baixa qualidade da citologia cervical e a deficiência da patologia principalmente no SUS. 

  • Prioridades dos CACONS - Pascoal Marracini, Presidente da Diretoria Executiva da ABIFICC

Segundo Pascoal, cabe aos Cacons (centros de assistência de alta complexidade em oncologia), a garantia de exames para o diagnóstico definitivo de câncer, a realização de estadiamento, acompanhamento dos pacientes, inicialização do tratamento e seguimento dos pacientes, além de adoção de uma conduta mínima para cuidados paliativos.

O presidente da ABIFICC apontou ainda que a busca por tratamentos menos desiguais, mais ágeis e efetivos se encontra na soma de realização de diagnósticos precoces com oferta de tratamentos. Porém, atualmente, o sistema encontra-se desorganizado dentro da rede de oncologia, desarticulado da sua forma diagnóstica e desestruturado em termos de regulação.

Por fim, Pascoal apontou algumas propostas para tornar o tratamento menos desigual, entre elas: garantir o acesso a serviços de saúde de forma adequada, garantir os princípios de equidade e integralidade, fomentar o uso e a qualificação das informações dos cadastros de usuários, estabelecimentos e profissionais de saúde, elaborar, disseminar e implantar protocolos de regulação, diagnosticar, adequar e orientar os fluxos de assistência, construir e viabilizar as grades de referência e contra referência, capacitar equipes que atuarão em unidades de saúde, subsidiar planejamento, controle, avaliação e auditorias em saúde, entre outras. 

  • Prioridades da radioterapia – Marcus Simões Castilho, Secretário Geral da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT)

Marcus apresentou dados que mostram a escassez de radioterapias realizadas em pacientes do SUS. Segundo números apresentados pelo palestrante com base em levantamentos realizados no país, nos últimos 12 meses, havia uma perspectiva de que no SUS 77% dos pacientes com câncer realizassem radioterapia. Na prática, 63% efetivamente fizeram o tratamento. No setor privado, a estimativa era de que 23% seguissem essa linha terapêutica, quando na realidade 31% realizaram radio, ou seja, mais do que o esperado no privado e menos do que o esperado no público.

Marcus chamou a atenção para a desigualdade apontada pelos números e apontou como possíveis problemas do SUS a subnotificação, a dificuldade de diagnóstico e a dificuldade de acesso à radioterapia (por falta de equipamentos ou pela demora nas filas de tratamento).

Ainda com base em dados apresentados, o palestrante destacou que a estimativa para a próxima década é de aumento da população idosa no país, o que supõe um aumento no número de casos de câncer e expectativa de aumento na necessidade de radioterapias. Para ele, a solução (que compõe o Projeto RT 2030), é que com planejamento, seja possível garantir que até 2030 toda a população tenha acesso racional à radioterapia. Esse planejamento, segundo Marcus, deve contemplar questões de infraestrutura, equipe, custeios, gestão e estratégias para montar diferentes cenários avaliando todas as possibilidades e sempre pensando na sustentabilidade econômica, ambiental e social. 

  • Prioridades dos tratamentos sistêmicos - Gustavo Fernandes, Diretor Geral do Hospital Sírio-Libanês Unidades Brasília

Segundo Gustavo, o Brasil apresenta pequenas diferenças em termos de acesso a tratamentos sistêmicos quando comparado com outros países. A maior disparidade, segundo ele, é interna, entre a saúde suplementar e o SUS.

Gustavo acredita que a desatualização de pagamentos de APACS prejudicam a inclusão de novos medicamentos, tornando o acesso no SUS desatualizado e insuficiente para a demanda dos pacientes.

O palestrante ainda apontou que a disparidade número um é relacionada à imunoterapia. Este já é e vai se tornar cada vez mais o tratamento mais comum em oncologia e o SUS está completamente defasado. Apesar de já existirem comprovações de que imunoterapia é melhor para melanoma, pulmão (sem mutações específicas), bexiga, cabeça e pescoço, os custos ainda são muito altos, o que inviabiliza a incorporação no SUS.

Para ele, entre as possibilidades de solução estão: admitir que se tem um problema grande e não questionar a qualidade técnica do tratamento, mas, sim, discutir preço e forma de oferecer isso. Seria estratégico pro Brasil desenvolver alguma forma de nacionalizar alguma droga ou estudos com drogas que já estão em andamento no mundo que possam ser ofertadas no Brasil a preços acessíveis.  

  • O desafio da desigualdade existente no acesso ao tratamento sistêmico oncológico no SUS – Maria Inez Gadelha, Chefe de Gabinete na Secretaria de Atenção à Saúde (SAS/MS)

Segundo Maria Inez, do ponto de vista de procedimentos e normas, inexiste desigualdade no SUS, tendo em vista que as normas e os procedimentos são os mesmos para todos os estabelecimentos em todo o Brasil, na assistência oncológica e em outras áreas. Ela apontou que no país, o complexo de atendimento à oncologia do SUS soma 345 estabelecimentos.

Ao apontar as desigualdades existentes dentro do próprio SUS, Gadelha acredita que a mais visível seja a diferente de porte tecnológico entre estes estabelecimentos oncológicos. Ela destacou que os hospitais mais providos de tecnologia são do SUS, sendo a maioria privado, com finalidade filantrópica e universitários. Enquanto outros, carecem dessas tecnologias.

Outro ponto de desigualdade apontado por ela está entre a natureza pública e não pública (privado sem fins lucrativos e com fins lucrativos) destes estabelecimentos. Isso porque dependendo dessa natureza, alguns se dedicam à pesquisa clínica e aqueles que por questão de acesso a mercado, adotam premissas e modus operandi diferentes.

Por fim, Gadelha ainda ressaltou que até mesmo na saúde suplementar há desigualdades internas, como por exemplo a existência de diferentes tipos de contrato de acordo com cada plano de saúde, diferentes operadoras e nível individual de contratos.

  • O papel do MP para que o tratamento seja mais igualitário, rápido e efetivo - Luis Otavio Stedile, Analista do Ministério Público da União e Assessor Jurídico do Núcleo da Saúde da Procuradoria da República do Rio Grande do Sul

Ao longo de 5 anos participando do Fórum Nacional Oncoguia, Luis Otavio aponta que colheram informações, como por exemplo sobre medicamentos não fornecidos pelos Cacons apesar de prescritos por médicos, medicamentos às vezes incorporados ao SUS e não fornecidos. Com isso, puderam aprender o porquê disso acontecer e o que poderia ser feito nessas situações pelo MP em relação ao tratamento sistêmico, que é o que normalmente gera judicialização.

Ele aponta que prevenção e diagnóstico são os aspectos mais fundamentais quando se fala em acesso. O que tem chegado nos últimos cinco anos para ele de demanda é essa dificuldade de acesso ao tratamento sistêmico. Com essa demanda, pode-se chegar a um ponto de virada onde o MP conseguiu identificar os problemas que estão havendo no fornecimento de alguns medicamentos e tomar atitudes, orquestrando ações civis públicas de nível nacional.

Muitas vezes o paciente não sabe qual seu direito em relação ao acesso de determinados medicamentos. Então uma das requisições do MP é para que o Ministério da Saúde defina isso de forma bem clara: quais medicamentos são de direito de acesso no âmbito do SUS e que essa definição não fique mais à mercê da escolha dos Cacons, mas que seja centralizado no MS, sendo esse um dos eixos para garantir igualdade ao acesso.

Já para garantir efetividade, ou seja, disponibilizar o melhor tratamento possível com recursos escassos, entra-se na questão do financiamento, especialmente das drogas incorporadas ao SUS e que as APACs não cobrem. Sobre isso, o MP ajuizou uma ação com essa demanda ao MS para que decida se mantém o modelo atual de financiamento, e se mantê-lo, que sejam reavaliados seus valores. 

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