Confira aqui os depoimentos
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Carol - Tumores Cerebrais / Sistema Nervoso Central
"Ela foi o maior exemplo que eu poderia ter, todos que conheciam ela não tinha nada de mal pra falar dela, ela era guerreira, mulher de fé, amável, doce. Ela era um anjo aqui na terra."
Final de maio de 2019, num domingo, acordo com meu irmão me chamando pra ir ao hospital, pois minha mãe tinha perdido os sentidos do lado esquerdo do corpo quando fazia compras no supermercado com meu pai. Enquanto ela estava no hospital também teve uma leve convulsão. Com a tomografia foi descoberto manchas no cérebro que poderiam ser alguma infecção ou até mesmo câncer. Marcamos uma consulta com um neurologista e, enquanto o dia da consulta não chegava, eu torcia para que fosse alguma infecção, pois sabia que se fosse tumor as chances eram mínimas. Fiquei muito aflita. Na consulta, o neurologista disse que era necessário fazer cirurgia para dar o diagnóstico. Essa cirurgia custava em torno de 20 mil. Foi feito mais uma RM para visualizar melhor as manchas e o meu desespero ficou cada vez maior. Passei 3 dias direto chorando pois na minha cabeça era mesmo câncer. Em meio o desespero eu tentava parecer calma para não demonstrar para minha mãe. Éramos praticamente só nos duas por que meu pai e meu irmão trabalhavam viajando.
Resolvemos ir para outra cidade fazer o acompanhamento já que nela tínhamos parentes para dar apoio e conseguiríamos atendimento pelo SUS mais rápido, já que um dos parentes trabalhava no hospital de lá e conseguiu nos ajudar a acelerar o processo.
No mesmo dia ou no outro dia já fomos atendidos por um oncologista e ele imediatamente internou minha mãe para fazer exames e começar o tratamento logo, caso ela estivesse com algo.
Minha mãe ficou num período de um mês internada fazendo exames e nesse meio tempo tive que voltar pra outra cidade, pois eu estava em época de provas da faculdade. Nesse tempo meu pai e alguns parentes ficaram com minha mãe. Logo foi marcada a cirurgia para biópsia e eu tendo que lidar com pressão da faculdade e preocupação com minha mãe. O mais difícil foi ter que ficar longe enquanto ela estava passando por uma cirurgia da qual poderia não sair viva ou sair com sequelas graves. A todo momento eu ligava pro meu pai pra saber se a cirurgia tinha acabado. Quando recebi a notícia de que tinha acabado fiquei muito aliviada de saber que tudo ocorreu bem. Minha mãe em todo momento se manteve esperançosa e sem medo, acho que ela foi a única a não ficar desesperada naquela situação. Todos ficamos muito gratos por ela voltar da cirurgia praticamente sem nenhuma sequela.
Julho de 2019, término do período de provas da minha faculdade e término do semestre. Finalmente entrei de férias e pude voltar e ficar com minha mãe. Enquanto não saia o resultado da biópsia eu e minha mãe ficamos na casa da minha tia. Quando achamos que estava tudo bem, minha mãe teve alergia a um remédio pós cirúrgico e teve manchas por todo corpo, além de descamação na pele. Foram várias voltas ao hospital para tratar da alergia. As sequelas também começaram a ficar mais evidentes como falta de coordenação motora e paresia.
Em agosto, chegou o dia da consulta com o oncologista para saber o diagnóstico. Era gliosarcoma grau IV. O médico a todo momento tentou parecer que não era algo tão grave e nos passou esperança. Acredito que seja porque a minha mãe estava perto. O médico rapidamente passou o tratamento com químio e rádio para começar.
Uma semana depois meu pai procurou o médico para resolver umas coisas burocráticas e o médico foi franco em relação ao estado da minha mãe. Ela tinha de 6 meses a 1 ano de vida.
Tudo que eu mais temia era real. Eu iria perder minha mãe. Eu sabia que Deus poderia fazer um milagre mas com as pesquisas que eu fazia sobre esse câncer eu não conseguia ter esperanças.
Acabou o meu período de férias então tranquei a faculdade para mudar pra cidade que minha mãe fazia o tratamento.
Arrumamos uma casa pra alugar e trouxemos todos os móveis da outra casa pra essa. Éramos eu e minha mãe apenas, meu pai e meu irmão tinham que trabalhar. Era outra vida. Uma nova jornada. Um começo de uma luta.
Meses passando, sessões de químio, efeitos colaterais, vômitos, fraqueza, cada vez em estado mais debilitado, visão piorando, dificuldades para se movimentar até ter que começar a fazer uso de cadeira de rodas.
Eu me tornei mãe, dona de casa, enfermeira de uma vez só. Cada vez mais eu me sentia sobrecarregada. Minha mãe sempre se manteve firme apesar de todo sofrimento. Sempre falava de Deus, sempre sorria, nunca reclamava do que estava passando.
Até que em abril de 2020, começo de pandemia, minha mãe piorou muito, ela já quase não enxergava mais, não conseguia ficar sentada direito, não conseguia manter a postura ereta. Já não sabia mais o que era dormir pois as dores de cabeça foram ficando mais intensas, muitas vezes entrava em delírio. Como era começo de pandemia uma prima que morava perto ficou uma semana sem trabalhar, então ela vinha na minha casa todo dia ajudar com minha mãe. Mas depois de uns dias ela não podia mais me ajudar tanto pois tinha que voltar a trabalhar, então arrumaram uma cuidadora para me ajudar. Na verdade já devíamos ter arrumado uma cuidadora a muito tempo mas só perceberam que precisava mesmo quando minha prima veio me ajudar e viu o quanto era difícil.
Com a vinda da cuidadora as coisas ficaram mais fáceis, mas ao mesmo tempo mais difíceis pois minha mãe perdia cada vez mais seus movimentos. Antes da pandemia minha mãe fazia fisioterapia todo dia mas com a pandemia a fisioterapia parou. Eu e a cuidadora tentávamos estimular as movimentações da minha mãe, levávamos ela na rua todo dia de cadeira de rodas pra passear, a cuidadora estimulava a minha mãe a levantar e dar uns passos na rua. Era uma luta a cada dia e tinha dias que minha mãe estava melhor, tinha dias que ela estava pior, mas ela sempre teve fé e sempre agradecia a Deus apesar de tudo.
Apesar da ajuda com a cuidadora, eu passei grande parte cuidando da minha mãe praticamente sozinha pois com a vinda da pandemia os parentes não podiam dar essa força. Eu ia em todas as consultas, em todos os dias de quimioterapia, a minha tia que morava perto nos levava de carro, mas era muito sofrimento pra minha mãe fazer coisas simples como sair do carro, sair de casa todo dia pra ir ao hospital fazer o tratamento. O tratamento tem como função melhorar a qualidade de vida do paciente, mas para fazer o tratamento minha mãe tinha que se submeter a muitos esforços desgastantes, que eram simples para pessoas saudáveis, mas para ela, que nem estava conseguindo andar direito, era um sacrifício.
Em maio o médico optou por cessar as sessões de quimioterapia já que elas estavam mais trazendo malefícios do que benefícios e encaminhou para os cuidados paliativos.
Eu e meus parentes (por parte da minha mãe) nunca tocamos nos detalhes da doença, sempre desviamos desses assuntos quando estávamos juntos para aproveitarmos os momentos juntos sem energias ruins. Eu sempre passava para eles as coisas que os médicos falavam, enviava os exames, meu pai sempre falava com eles para aproveitarmos enquanto há tempo por que não sabíamos o dia de amanhã. Cheguei a perguntar pro meu pai se ele contou pros parentes da minha mãe que o câncer dela era incurável e ele disse que sim. Mas pelas atitudes deles pareciam que eles não sabiam por que não faziam tanto esforço para estar presente. Tudo bem que com a pandemia eles tiveram que se afastar, mas mesmo antes da pandemia começar eles já estavam vindo visitar menos, e mesmo em meio a pandemia, sabendo que minha mãe estava com uma doença terminal, acredito que tem meios de se proteger para vir de vez em quando auxiliar em algo e trazer amor e felicidade pra minha mãe. No começo ela perguntava muito deles e com o passar do tempo ela nem perguntava mais quando eles iam vir, pq a memória dela ia cada vez piorando mais e ela lembrava só de quem estava com ela todo dia. Meu pai apesar de trabalhar fora quase todo fim de semana vinha, mesmo com a pandemia.
Em junho minha mãe passou a não conseguir ficar sentada mais, não conseguia engolir direito, não enxergava e não tinha mais memória. Bem nessa época a cuidadora tinha tirado umas semanas pra viajar então meu pai largou o serviço e veio ficar com a gente. O banho era só de leito, e mesmo assim era muito sofrimento pra ela, ela as vezes ficava 3 dias direto sem dormir, só ficava gemendo de dor e não sabia mais falar onde estava doendo pra gente dar o remédio certo, ela ficava se debatendo a noite inteira quase caindo da cama e não podíamos e nem conseguíamos dormir pra ficar vigiando ela. Meu pai pegou a pior fase dela. Mesmo com morfina ela tinha dores. A parte da alimentação também foi complicada pois tínhamos que dar comida na seringa pq ela não conseguia mais mastigar e não conseguia mais engolir direito. Ela passou a ficar sem defecar por umas 2 semanas e por uns 3 dias não engolia e ficava engasgando, então a médica falou para tomarmos a decisão de entubá-lá ou deixar ela descansar. Eu e meu pai ficamos muito aflitos, pois era uma decisão muito difícil de se tomar: deixar ela continuar vivendo, mas através de tubos, que ficam causando incômodo na paciente, ou permitir ela sair desse sofrimento e ir descansar? Um dia depois, ao amanhecer minha mãe não acordava, respirava com dificuldade mas não reagia aos estímulos, então levamos ela às pressas ao hospital pois ela estava engasgando com a própria saliva, não estava conseguindo engolir então a saliva estava entrando nos pulmões, lembro de enquanto estávamos no carro a caminho do hospital eu colocar a mão no peito da minha mãe e sentir o peito dela chiar. Sabia que o estado dela estava muito grave. Chegando no hospital eu que fiquei de acompanhante. Assim que a médica viu ela eu percebi o olho da médica encher de água, mas ela disfarçou, ela sabia que minha mãe estava nos seus últimos momentos. Ela falou pra mim que ela poderia ir a qualquer momento. Como estávamos em meio a uma pandemia eles desconfiaram de possível infecção pelo vírus porém com os resultados de exame que fizeram concluíram que era a evolução da doença mesmo. Minha mãe ficou 3 dias internada no hospital com máscara de oxigênio e apagada. A cada respiração dela era um esforço enorme para puxar o ar. Ainda lembro do barulho que fazia para inspirar. Era agonizante. No terceiro dia de internação, quando as enfermeiras estavam dando banho de leito na minha mãe, elas me perguntaram o que sou dela. Quando acabaram de dar banho fui passar creme hidratante no corpo dela e o médico chegou para analisar os sinais vitais, então ele me deu o sinal que ela tinha ido descansar. Fiquei 5 minutos sem sentir nada. Lembro de olhar pra ela e ver seus lábios brancos. Depois que a ficha caiu eu comecei a chorar, mas sabia que era o melhor que podia acontecer pra ela. Ela ficou durante 1 ano lutando e sofrendo. Agora ela está descansando ao lado Deus. Quando eu vi o semblante dela no caixão eu fiquei encantada e muito emocionada, pois era um semblante de paz, que não estava mais em dor, que estava com Jesus. O meu conforto hoje é esse, minha mãe teve a sua salvação, saiu desse mundo e foi pra um lugar melhor, foi pro Paraíso. Dói muito lembrar que ela teve que passar por muito sofrimento, dói saber que ela não está comigo em todos os meus momentos mais, mas isso será passageiro, pois um dia nos reencontraremos! Ela foi o maior exemplo que eu poderia ter, todos que conheciam ela não tinha nada de mal pra falar dela, ela era guerreira, mulher de fé, amável, doce. Ela era um anjo aqui na terra. Ela não merecia ficar nesse mundo então Deus veio buscá-la. Que Deus abençoe cada família e cada paciente que esteja passando por uma situação assim.