Em dezembro de 2017 meu pai foi diagnosticado pela segunda vez, depois de 16 anos, com um câncer no pescoço decorrente do HPV.

 Ele nunca fumou e só bebia socialmente. O primeiro tratamento tinha sido um sucesso mesmo com toda apreensão que esse diagnóstico causa, nos enchemos de esperança e nos preparamos para a batalha, mas era só o começo. 

Meu pai operou e o tumor foi totalmente retirado. Em dezembro de 2018 voltaram pequenos nódulos, ele fez radioterapia e quimioterapia, o tratamento também foi considerado um sucesso: os nódulos desapareceram, mas sabíamos que a doença não poderia voltar pois as possibilidades de tratamento estavam muito limitadas, tendo em vista que ele tinha feito radioterapia até o limite possível e aceitável pelo corpo humano. Até então ele tinha apenas algumas sequelas da cirurgia e do tratamento, como dificuldade de engolir e de levantar o braço acima da cabeça e a boca seca por causa da radioterapia.

Em 2020, por causa da pandemia, ele passou um ano inteiro sem acompanhamento e em dezembro através de uma tomografia de rotina, e muito postergada, tivemos o mais triste diagnóstico: a doença voltou em dois lugares de difícil acesso. Os médicos chegaram a abrir para tentar um procedimento cirúrgico mas totalmente sem sucesso, meu pai já saiu da cirurgia com sonda nasogástrica e traqueostomia.

Daí foi só ladeira abaixo, com o prognóstico de quimioterapia paliativa sem nenhuma perspectiva de cura. Meu pai era um homem incrível, forte, ele amava comer, falar, viver e se esforçou muito, mas a doença tirou tudo dele e nos mostrou que quando parecia o limite do sofrimento ainda era possível sofrer mais.

Os tumores cresceram absurdamente e produziam hemorragias muito intensas pelo tráqueo, as dores eram controladas por morfina e uma combinação com muitos outros remédios.Por causa das hemorragias constantes ele teve uma anemia muito forte e precisou ser hospitalizado para tomar uma bolsa de sangue, quando os médicos viram a intensidade das hemorragias o impossibilitaram de receber alta e diante de uma hemorragia incontrolável e depois de muito sofrer meu pai descansou em maio de 2022.