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Eliana Cunha - Câncer de Pâncreas
" Da descoberta da doença ao falecimento foi uma semana "
Em meados de Novembro/2020, após o aniversário de 80 anos, meu pai começou a sentir algumas dores nas costas, não sentir mais gosto nos alimentos e nem ter mais apetite. Como ele era muito ativo, lúcido e independente, sempre ia sozinho ao médico e nunca quis incomodar nenhum de nós. Ele ia aos finais de semana em pronto socorro e chegou a marcar com um geriatra, que nada detectou, mas também não solicitou nenhum exame, apenas encaminhou para uma nutricionista. Insisti com ele para que marcássemos uma consulta com um gastro, já que se queixava de barriga dura, ânsia, não ia ao banheiro com frequência e parecia que não tinha mais digestão. Cheguei a implorar um dia para irmos a um PS e solicitar um ultrassom, mas ele não quis, disse que esperaria pela consulta com seu cardiologista. Como ele havia feito safena em 1997, tinha seu cardiologista de confiança e passou com o mesmo em Dezembro, um mês depois desses sintomas, pois nele confiava. O cardiologista ficou espantado dessas indas e vindas ao PS e ninguém solicitar ultrassom, nem mesmo o geriatra, ele então fez a solicitação do ultrassom, endoscopia e colonoscopia. Só conseguimos marcar esses exames em janeiro/ 2020 e ele aceitou que eu o acompanhasse. No ultrassom, o médico disse que tinha dado um probleminha no fígado, tipo cirrose, nada sério. Na endoscopia, a enfermeira veio trazê-lo e me disse que não tinha nada grave, apenas uma úlcera gástrica e o próprio médico da endoscopia passou um remédio. Assim que esses exames ficaram prontos, consegui um encaixe com o gastro que achou muito estranho um homem que nunca bebeu, nem fumou ou teve hepatite ter cirrose e solicitou uma ressonância magnética e alguns exames. Quando retornamos com a ressonância, ele disse que tinha uma lesão no pâncreas, seguindo para o duodeno, estava estranho o exame, ele iria pedir um exame de marcador tumoral. A partir desse dia, comecei a chorar. O medo do meu pai ter um tumor era muito grande, embora ele não tivesse histórico na família. Fizemos o exame. A essa altura, meu pai estava bem debilitado: comia pouco, tinha muita água na barriga, falta de ar já que essa água comprimia o diafragma, em compensação tinha pouca dor. Ele, que sempre foi um homem ativo, antenado, assinava dois jornais, assistia a todos os noticiários da TV, acessava internet, whatsapp, passou a ficar deitado, sem vontade para nada. Era da cama para o sofá, do sofá para a cama. Tinha 1,82 de altura, pesava 88kg, chegou a ficar tão magro, que dependendo de onde sentava ele dizia que os ossos machucavam. Fui checando o protocolo do exame e consegui acessar 2, as referencias dos exames estavam alteradas, um deles a referência era 37, o dele deu 700. Fiquei apavorada, verifiquei na internet para que eram aqueles exames, a resposta era para detectar tumores de pâncreas, fui verificar sobre esses tumores e tive a pior das respostas: é um dos mais letais. Eu, que até então não tinha contado a ninguém sobre isso e meu pai não escutado sobre o tipo de exame, fui contar para o meu irmão, era dia 01/02/2020. No dia 03/02, fui levar todos os exames para o cardiologista de confiança, consegui entrar primeiro sem ele ou minha mãe perceberem e, o cardiologista, neste dia confirmou o que eu suspeitava, mas não queria acreditar: meu pai tinha um tumor maligno na cabeça do pâncreas. Parecia que o mundo estava desabando sobre mim, comecei a chorar e dizer o que eu ia fazer da minha vida, minha mãe, estavam casados há 57 anos, meu filho... Meu pai era o porto seguro, era o esteio da casa, o centro, era o conselheiro, era o encanador, o eletricista, o motorista, o caixa eletrônico... O cardiologista me olhou e pediu para eu ter calma que ele precisaria de mim, assim como minha mãe, também paciente dele. Eu disse que não tinha comentado nada com nenhum dos dois e ele, conhecendo bem meus pais, achou melhor manter assim. Saí de lá com um encaminhamento para a oncologista. Quando fomos ao gastro no outro dia ( eu consegui entrar primeiro ), ele só confirmou o diagnóstico do cardiologista, fez o mesmo encaminhamento e pediu para que a nutricionista do seu consultório nos atendesse, pois meu pai deveria se fortalecer para o tratamento, ele comia o mínimo. Quando fomos à oncologista, ela disse que precisava de uma biópsia guiada para saber o tipo de tumor e solicitar a quimioterapia, mas foi bem sincera, ela me chamou numa sala à parte e disse que as imagens e o exame de marcador tumoral levavam a crer que era um tumor de pâncreas e esses tumores são extremamente agressivos, debilitam demais o paciente e são silenciosos, quando dão sinais é porque já se alojaram em outros órgãos, principalmente nas placas de gordura. Perguntei sobre a estimativa de vida, ela me respondeu que seriam 3 meses, sem tratamento e de 6 meses a um ano com o tratamento, mas que o tratamento debilita mais ainda o paciente e se fosse o pai dela, ela não saberia o que fazer. Saímos de lá com um encaminhamento para um exame de sangue, obrigatório para realizar essa biópsia no outro dia. Chegamos ao hospital para realizar essa biópsia e o médico me chamou e explicou que analisando as imagens era melhor fazer essa biópsia por endoscopia e não por tomografia, pois havia muita água na barriga e ele tinha um espaço mínimo para passar o aparelho, se ele errasse seria fatal, então para preservar a vida do meu pai. Essa biópsia seria realizada na terça feira, dia 11/02. Expliquei para o meu pai que ele não faria o exame, mas faria na terça feira. Voltamos para casa com a sensação de tempo perdido e ele muito cansado. Isso foi num sábado e ele me disse: se eu morrer, você não terá remorso, está fazendo por mim até mais do que eu faria. No domingo, ele até que conseguiu se alimentar sem vomitar, mas de modo escasso como vinha fazendo, um leite pela manhã, uma batata amassada no almoço, Sustagen à tarde, alguns biscoitos de polvilho, um chá à noite. Na segunda feira, fui pegar o pedido médico com a oncologista e disse a ela: "Dra, ele até q passou bem ontem, mas está com pés inchados e sente tanta falta de ar..." Ela me respondeu: "Minha querida, seu pai está sendo consumido pela doença". Fui para o carro e chorei como criança... minhas lágrimas caíam sobre o volante e molhavam minha calça, mesmo assim, encontrava forças para prosseguir, deixei o pedido médico no hospital e segui para o meu trabalho. Por volta das 16h, minha mãe me ligou pedindo para eu ir embora que meu pai estava passando mal. Saí correndo e quando cheguei ele mal respirava, estava tremendo, sentia frio e tinha um catarro que quando escarrava era algo rosa. Implorei para irmos ao hospital, ele, sempre sendo ele, senhor de si, lúcido, disse que não iria que queria que o médico viesse até ele. Chamei o SAMU que o convenceu a ir ao hospital, fui com ele na ambulância e o vi entrar na emergência. Após algumas horas, o médico me chamou e disse que ele estava com muito líquido no pulmão, mas que estavam trabalhando para conter, mas não me deixaram vê-lo ainda. Depois de mais um tempo, o médico me chamou e disse: vem cá falar com seu pai que ele está preocupado com você, meu pai sendo sempre meu pai... perguntei como ele estava e ele me disse que só estava vivo por conta de três pessoas e pediu que eu perguntasse os nomes, meu pai sempre foi muito grato, sempre voltava com um presente para as pessoas que o ajudavam e tenho certeza que ele gostaria de voltar e agradecer aos médicos. E falei para ele ficar bom logo, que eu o amava muito, quando pediram para eu sair e que a pressão estava aumentando de novo. Logo vieram trazer um termo para eu assinar de internação na UTI e quando ele subiu para a UTI estava agitado, com máscara de oxigênio, amarrado e pedindo para que o desamarrassem, não me deixaram chegar perto e pediram que eu fosse pelas escadas. A médica da UTI veio falar comigo e me disse que o caso era grave, que eu tivesse claro que ninguém vem para uma UTI à toa e ainda completou se eu tinha lido algo sobre esse tipo de tumor, no que eu respondi afirmativamente, ela me falou que então eu já sabia q a estimativa de vida era curta e que se meu pai estava desde novembro com sintomas, ele estava dentro do prazo de um paciente sem tratamento. Ela colocou que agora cuidariam dele, iriam entubá-lo para tentar manter seu corpo funcionando e ele mais tranquilo e que eu fosse descansar e voltasse no outro dia. A UTI tinha 3 horários de visita: manhã, tarde e noite. Fui sozinha pela manhã e ele estava inconsciente, estava entubado e fiquei duas horas falando com ele, rezando, cantando, contando as coisas. À tarde, voltei com meu irmão e o médico conversou conosco, repetiu o que a Dra disse e meu irmão questionou: "não há mais nada para fazer?" o médico disse que não e completou que ele iria embora daquele jeito, sem dor e sem sofrimento. Meu irmão insistiu: "mas será tão rápido assim? Hoje? Amanhã?" O médico disse que não podia precisar quando, mas que seria logo. Saímos estilhaçados da visita, até porque nos pediram para sair duas vezes da UTI que precisariam socorrer alguns pacientes. Voltamos para casa, tomei um banho e a esposa do meu irmão me ligou dizendo se eu preferia que que ela fosse comigo ao hospital ou ficaria com minha mãe, que estava em minha casa, eu disse que ela ficasse à vontade, nesse momento meu celular tocou e era do hospital, o dr da UTI pedia que eu fosse falar com ele e levasse um documento original do meu pai. Eu suspeitei que meu pai havia falecido, pois duas amigas minhas passaram por essa mesma situação. Fui para o hospital, minha cunhada foi encontrar comigo e uma amiga também e o dr. só confirmou o q eu já esperava. Infelizmente, da descoberta da doença até o falecimento foi uma semana. Posso dizer que cada dia é um dia, as pessoas tentam nos consolar dizendo que foi rápido, que ele não sofreu, mas é sempre muito difícil. Lido com essa dor todos os dias, procuro falar com as pessoas, tenho dificuldade em olhar as fotos e entender como pode uma pessoa grande, forte, cheia de vida e de saúde, disposto, que dirigia ir embora assim, tão rápido... olho seus carros, suas coisas e fico num saudosismo exacerbado. Nós, como cristãos, não entendemos os desígnios de Deus, mas cremos em sua sabedoria e no melhor para todos. Tento fazer tudo como ele gostaria, mantenho as coisas em ordem em relação a sua casa, trouxe minha mãe para morar comigo, cuido dela, das contas, entre outras coisas, procuro ajuda em grupos, faço terapia e converso com outras pessoas que perderam entes queridos também. Levanto e deito, e sempre me lembro dele todos os dias, peço que Deus o tenha em um bom lugar e que ele me ajude onde quer que esteja a ser uma pessoa forte como ele foi.