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  • Fran. -
    "Mutação BRCA1"

Me chamo Fran, tenho 41 anos, e felizmente não tenho câncer, sou apenas mutada em BRCA1, mas pelo histórico e alta penetrância na minha família, sentia que minha hora chegaria. 

Eu, meu marido e filho de 6 anos largamos toda vida que tínhamos e viemos morar e cuidar da minha mãe que estava com metástase e segundo os médicos teria um ano de vida. E tinham razão, depois de um longo e doloroso ano, ela se foi aos 60 anos. Foi muito sofrido para toda família vê-la indo embora devagarinho, mas agradecemos por podermos cuidar e nos despedir. 

Graças a uma prima, também lutando e controlando um câncer há anos, que testou positivo para o BRCA1, o restante da família também pôde fazer a investigação. E dentre tantas outras coisas que podia herdar da minha linda e boa mãe, fiquei também com essa parte dela, diferente dos meus irmãos, que felizmente testaram negativo. 

Fiquei bem triste e revoltada no início quando soube, mas ainda assim me senti abençoada, afinal minha mãe, várias primas e minha avó não tiveram nenhuma escolha a não ser lutar contra a doença e nem sempre venceram! Na época procurei geneticista, oncologista e mastologista para entender quais eram meus riscos e quais eram as recomendações e por mais estranho que fosse, retirar os órgãos mais propícios ao desenvolvimento do câncer era a alternativa que reduzia os riscos significativamente. 

Segundo meu teste, o risco de desenvolver um câncer de mama, era por volta de 80%, ovários, 60% e pâncreas 5%. Então tinha duas opções diante do resultado, fazer semestralmente o rastreio bem de perto e ficar com a sombra da doença ou extirpar os órgãos com maior risco e diminuir consideravelmente minhas chances de desenvolver a doença. Decisão tomada; faria a retirada desses órgãos. 

Por causa da vivência com minha mãe e todo meu histórico familiar, senti uma bomba-relógio, teria câncer, então essa atitude me levaria para uma diminuição em até 90% das chances de desenvolver câncer de mama. Me deixaria com os mesmo riscos de toda mulher ao longo da vida. Então ao longo de um ano e meio conversei com muitos médicos para alinhar e decidir quando, como e com quem. E ainda tinha uma coisa antes de ser resolvida. Queríamos ainda ter nosso segundo filho, então como eu e meu marido tínhamos dificuldades, fizemos várias coletas de óvulos e uma transferência de um bom embrião, mas infelizmente não deu certo. E estava já correndo riscos aumentados segundo o geneticista que apontava que deveria tirar as mamas até 45 anos e os ovários até 40 anos e já estava nos meus 41, onde a curva de probabilidades ascendia bastante. 

Nesse meio tempo consultei os melhores médicos ginecologistas, mastologistas e plásticos de SP e RJ. Eles distinguiam muito nas orientações do que e como eu deveria fazer. Tinha aquele mastologista que queria tirar tudo, pele, mamilo, aréola, rodar músculo grande dorsal e tirar sentinela, tinha aquele outro que não faria grandes abordagens, tiraria todas as glândulas, mas colocaria prótese logo abaixo da pele que ficaria bem fina correndo risco dessa prótese extruir, além da técnica eu tinha o agravante de ser bem magra, que me deixava em desvantagem quanto a camada de gordura que ficaria sob a pele, então abaixo do músculo, sobre o músculo, mantendo aréola e mamilo, ou tirando tudo, além disso, os médicos também divergiam nas etapas de reconstrução que seriam feitas, alguns sugeriram a colocação da prótese de imediato, outros, colocariam expansor e somente no segundo momento, a prótese.

 Ah tinha também a questão das incisões que cada mastologista prefere uma, na aréola, no sulco mamário que já tinha por já ter prótese subglandular há mais de 15 anos, ou Y/T para facilitar chegar lá em cima para retirar o maior número de glândulas possíveis. Era questionável também se era necessário e viável tirar ou não pele, já que já tinha amamentado 2 anos e tinha uma leve ptose/queda...enfim muitas e muitas dúvidas e opiniões distintas. E quanto aos ovários, também foram muitas dúvidas, mas menos médicos e falavam uma língua mais parecida, tinham indicações similares, mas não podia ser tão simples, retirar ou não, também o útero por conta da reposição hormonal que muito provavelmente teria que fazer depois, isso era discutível e cada médico tinha uma opinião. Ah a reposição, outro tema polêmico e gerador de muitas dúvidas. 

O que eu gostaria de ter recebido ao longo desse difícil processo de tomada de decisão era que houvesse na medicina uma unanimidade protocolar do que se deveria fazer em casos como o meu, levando em consideração os riscos, minha genética e minha anatomia e o que encontrei foram várias linhas de abordagem para o mesmo problema e cabia a mim, leiga no assunto, sensibilizada pela morte da minha mãe e a sombra da doença que atacou muitos da minha família, decidir qual caminho tomar. Conversei com amigos, familiares, pessoas com câncer, na Oncoguia, participei de vários grupos de mutadas, no facebook, estreitei laços com desconhecidos vivendo a mesma situação e depois de passar em mais de 20 médicos diferentes entre mastologistas, ginecologistas, geneticistas e oncologistas, tomar as decisões e agir. 

Percebi também que existiam vários caminhos possíveis para chegar ao mesmo lugar e que eles, classe médica, não estavam de todo errado, apenas cada um no seu percurso criou habilidades para fazer de uma forma ou de outra, e que a medicina, não é ciência exata, isso sim ficou bem claro. Com a ajuda de toda essa rede de apoio e principalmente do meu marido e família consegui encontrar um excelente cirurgião oncológico para parte uroginecológica e uma médica mastologista muito humana e competente que me acolheu e pegou na minha mão para eu fazer o que precisava ser feito e o médico cirurgião plástico de sua equipe que foi um presente, em profissionalismo e assertividade que eu tanto precisava naquele momento. Hoje, escrevo após uma salpingooforectomia e histerectomia total, onde retirei as trompas, os ovários, e útero, por ora sem reposição hormonal, ainda avaliando os benefícios x malefícios. 

E enfim, passei também por uma adenomastectomia bilateral, onde retirei toda glândula mamária, preservando mamilos, aréolas e pele em duas etapas, a primeira já concluída com sucesso e agora indo no próximo mês para a segunda e se Deus quiser, última etapa onde vou substituir o expansor submuscular, pela próteses definitiva. Já bem aliviada por aqui, posso dizer que em breve estarei comemorando o final dessa etapa árdua e dolorosa da minha vida. Me sentindo muito privilegiada por poder fazer o que a medicina tem de mais estudado e avançado nessa área nos dias de hoje e abençoada por ter podido escolher opções para tentar driblar a chegada dessa doença tão cruel que devasta tantas vidas e lares. Esse meu longo e detalhado relato quer chegar em quem está vivendo a descoberta dessa mutação e poder tentar ser útil e quem sabe encurtar de alguma forma seu processo. Ele pode ser mais leve e assertivo para você. Me coloco à disposição, com o coração aberto, para conversar com quem sentir desejo. 

 

Grande beijo

Fran.