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M.A.P.J. - Câncer de Mama Avançado
"Mãe, a certeza total e completa de que tudo sempre ficará bem."
Qual o significado que a mãe tem na vida da gente? Se alguém aqui conseguir responder a essa pergunta de maneira objetiva e em poucas palavras, tem a minha admiração eterna.
Mas, numa tentativa bem tímida de descrever o que minha mãe representou para mim, e já correndo o risco de ser muito óbvio, eu diria que ela era o porto seguro, a certeza total e completa de que tudo ficaria bem, não importando quão ruim as coisas estivessem. E tudo o que precisava era só ouvir a voz dela me chamando de "meu filho”, o equilíbrio voltava e tudo ia para o seu devido lugar.
A pessoa mais incrível e humana com a qual eu tive o privilégio de conviver. Como eu a descreveria? Inabalável, genuína, incrível, uma fortaleza para toda a família. Mas enfim, vamos aos fatos. Minha mãe sempre foi uma pessoa extremamente ativa e independente, trabalhava, ia à igreja, etc.
O único problema de saúde crônico era a artrite reumatoide (já controlada com medicamentos de uso contínuo) e dores na coluna, que passavam após injeções para dor nos postos do SUS, e a vida seguia. Em 2012, teve uma piora nessas dores, mas foi levando. Sempre fazia os exames preventivos de rotina, porém ficou dois anos sem fazer o de mama. Em junho/2022, ela sentiu um caroço no seio esquerdo, fez ultrassom, mamografia e mais tarde, biópsia e qual não foi a surpresa quando foi diagnosticada com câncer de mama triplo negativo, um dos tumores de mama mais agressivos e com crescimento rápido, e com pouca resposta aos tratamentos convencionais, representando apenas cerca de 5-10% dos casos conhecidos e com péssimo prognóstico, segundo os médicos. Curiosamente ela havia retirado um tumor benigno da mesma mama em 2004.
A partir daí, foram incontáveis exames, incluindo tomografia computadorizada (TC) de abdômen (setembro/2022) e cintilografia óssea (janeiro/2023), em busca de metástases. Na época, ela se mudou para a casa do meu irmão em Guarulhos (somo de MG), onde seria mais fácil conduzir o tratamento, já que nós dois moramos no estado de SP. Ao dar entrada no Instituto do Câncer, a oncologista solicitou 8 sessões de quimioterapia (4 vermelhas e 4 brancas), em seguida faria a remoção total da mama e rádio. Como na ocasião não foram identificados tumores secundários, estávamos extremamente confiantes que ela ficaria bem após todo esse processo. Conversávamos, dizíamos "após a cirurgia, as coisas vão ficar mais tranquilas, a senhora poderá voltar para casa, para as suas atividades de rotina”, porém estávamos muito decepcionados, infelizmente.
Entre outubro/2022 e janeiro/2023 ela fez as sessões de quimioterapia, passava muito mal nos primeiros dias, ficava melhor em seguida, o cabelo se foi. Apesar disso, ela estava bem, viajava para Minas 2 vezes por mês durante as sessões, se alimentava bem e mantinha a rotina normal, mas as dores na coluna ficavam cada dia mais intensas e algo me dizia para nos prepararmos, que as dores na coluna eram reflexo de uma coisa muito mais grave. Tristemente, em março/2023, a cintilografia óssea só confirmaria meus temores: o resultado dizia que houve concentração do radiofármaco em vários pontos do esqueleto, incluindo, bacia, coluna, vértebras, e nas imagens via-se nitidamente pontos pretos em quase todo o esqueleto. Silenciosamente eu desmoronei, não podia falar dos meus temores para ela obviamente, e filtrava o que passava para o meu irmão na época, já que ele lidava de forma diferente com isso tudo desde o início. Lendo bastante cintilografia, depois conversando com a oncologista dela - que era bastante econômica com as palavras – percebi definitivamente que o quadro não era nada bom. Apesar de já estar muito ciente da situação, ainda mantinha as esperanças, uma vez que os pontos pretos, segundo a médica, não necessariamente significava metástases (apesar da altíssima probabilidade), pois ela tinha outra condição de saúde que poderia justificá-los (além da artrite, desgaste). Eu moro no interior e revezava com meu irmão nas agendas médicas; quando era minha vez de acompanhá-la nas consultas eu ia e ficava uns dias, depois voltava para a rotina. Assim, dia 16 de março de 2023 foi marcada a mastectomia, que seria 09/05, mas nessa época, as dores na coluna já tinham se tornado insuportáveis, nem Tramadol, nem codeína tiravam. A cirurgiã encaminhou para a radioterapia, pois também achou que se tratava de múltiplas metástases ósseas (M.O)., foi marcada uma consulta para 27/03, quando a radioterapeuta pediu um TC da coluna (feita em 15/04). Minha mãe continuava se alimentando, fazendo suas atividades, cuidando da casa e do neto, que era o xodó dela. Abril chegou e as dores na coluna só pioraram. Nisso, ela tinha uma consulta 18/04 com a oncologista dela e, com a suspeita de M.O., foi pedido outra TC de abdômen (feito em 29/04) para nova pesquisa de metástases, porém a médica tinha tanta convicção do acometimento que já encaminhou para a quimio específica para os ossos. Nesse dia também, foi receitado morfina/gabapentina/amitriptilina para as dores, e o apetite dela, foi diminuindo cada vez mais, eu e meu irmão fazíamos de tudo para ela comer. Depois do dia 18/04, ela começou a ficar deitada a maior parte do tempo, uma sonolência extrema e um pouco de confusão mental, mal sabíamos que era o início do fim, e eu não podíamos aceitar que a mulher mais perfeita que conhecíamos estava partindo diante dos nossos olhos; pensávamos que esses eram efeitos colaterais da medicação.
A partir daí foram idas reiteradas ao PA para tomar soro e morfina, pois nesse ponto nenhum outro remédio trazia alívio. Ela foi ficando cada dia mais fraca, perdeu as forças nas pernas, mal conseguia ir ao banheiro sozinha. No dia 29/04, dia da TC de abdômen, ela teve uma queda ao sair do carro, e as coisas foram só complicando. Nós nos falávamos, no mínimo, duas vezes por dia, pela manhã e à tarde ou noite, entretanto, entre 29/04 a 03/05 ela vinha apresentando sinais de piora na confusão mental, passou a andar só com ajuda, nem o celular ela conseguia mais segurar. Eu voltei correndo para casa do meu irmão no dia 03. Quando eu chegava, ela sempre me recebia com um sorriso indescritível no rosto, mas nesse dia ela não desceu...eu tive uma sensação aterrorizante. Ao chegar no quarto, ela estava deitada, eu chamei, ela me reconheceu, porém respondeu bem baixinho. Eu fui ao banheiro, chorei muito, pois eu soube, naquele momento, que uma parte dela já tinha ido embora. Voltando aos fatos, naquele dia fomos ainda ao P.A. à noite, ela tomou soro e morfina, voltou um pouco mais alerta para casa. Nos dias seguintes, o quadro pouco mudou, praticamente só beliscava a comida, isso com muita insistência nossa. E então, um volume começou a se formar no abdômen, os olhos dela foram ficando amarelados...e nós ainda queríamos acreditar firmemente que era mesmo a combinação de morfina e gabapentina a responsável por aquele cenário (havíamos lido muito sobre os efeitos colaterais, dessa combinação os quais, em princípio, poderiam explicar o que observamos). Os médicos suspenderam essa última, mas não houve melhora.
Nós a tratamos com tanto amor, ela já nem conseguia segurar o garfo, comida tinha que ser na boca, tínhamos que levá-la ao banheiro, buscamos o melhor jeito de segurá-la, pois um toque no lugar errado e ela gemia de dor. Morfina a cada 4 horas. Pode parecer indelicado, mas nessa altura eu já estava vivenciando um luto antecipado, pois a pessoa que estava na cama, aquela que sempre foi independente e tão reservada com o corpo, e agora dependia dos filhos para tudo, não era mais minha mãe. O dia 09/05 chegou e a levamos para mastectomia, com o coração transbordando de expectativa, mal sabíamos que eram os últimos dias dela. Correu tudo bem, ela teve alta dia 13/05, foi para casa. No outro dia, ela parou de urinar e continuávamos tentando fazê-la comer, que fosse uma colher de comida, era uma dificuldade tremenda, locomoção só com cadeira de rodas. Dia 15/05 tinha retorno na rádio. Olhando a TC de coluna, a radioterapeuta nos disse o que temíamos tanto, eram mesmo M.Os. praticamente em toda a coluna e na bacia. A médica foi bastante cautelosa, não nos alarmou, mas não restava nenhuma dúvida da gravidade. Eu havia lido bastante, vários especialistas explicando que é muito comum câncer de mama evoluir para M.Os, indo os tumores principalmente para a coluna, onde crescem e pressionam a medula, e isso explicaria os sintomas neurológicos que vinham se manifestando, os quais são irreversíveis, dependendo do caso. Conversei com a médica sobre essa possibilidade, mas ela achou pouco provável, o que reiterou nossa confiança de que a suspensão da gabapentina iria reverter o quadro. Aqui eu faço um parêntese, porque essa doença é tão complexa que até os médicos mais experientes se enganam às vezes. Enfim, foi solicitada uma T.C de crânio para investigar se tinha metástase no cérebro, que poderiam justificar o quadro de confusão mental, segundo a médica. Nesse dia, nossa mãe estava gemendo de dor, e tinha a primeira quimio dos ossos marcada, subimos com ela, mas a enfermeira não quis dar a medicação, achou melhor levá-la para o pronto socorro primeiro. A médica plantonista pediu exames de sangue para ver a situação dos rins, deu infecção e comprometimento da função renal, e a internou, indo para os cuidados paliativos. Ela olhava para a gente com aquele olhar perdido, parecia alheia a tudo que ocorria à volta dela, quase não emitia nenhum som. Justo ela, tão dona de si, a vida toda...que sofrimento vê-la daquele jeito, como doía. Nos sentíamos completamente impotentes, vendo nossa mãe ir embora diante dos nossos olhos. Só chorávamos. Eu tenho a impressão que ela começou a morrer aos poucos quando, nos momentos de consciência, se percebia sendo cuidada por nós, o que para ela era, sobre todas as formas, inaceitável. Ela nos dizia que pedia a Deus que quando fosse a hora, a levasse sem que ela precisasse dar trabalho aos outros. De certa forma, foi o que ocorreu, porque a pior fase durou exatamente 16 dias.
Enfim, eu ficava com ela à noite, e meu irmão durante o dia. Ela já não falava mais, só murmurava e gemia. Na quarta, 17, conversei com a médica dela, as coisas só pioraram: a nova T.C mostrou metástase no fígado e no pulmão. Estavam explicados a cor amarela dos olhos e o volume no abdômen. A médica não nos disse quantos dias de vida ela tinha, disse que iria entrar com corticoides e se ela estabiliza, faria ainda quimioterapia e radioterapia nos ossos. Nesse dia, precisou de oxigênio para respirar e apenas dois dias depois, ela daria seus últimos suspiros exatamente às 10h da manhã. Hoje, quase um mês depois dessa perda indizível, eu estou encarando um processo de luto muito complicado; o que mais me machuca é ter visto a evolução tão rápida da doença e nós ali, de pés e mãos atados. Além disso, a esperança frustrada também dói demais, tínhamos tanta fé que ela ia ficar mais alguns anos conosco. Será que, se tivéssemos descoberto antes que os sintomas neurológicos eram a doença pressionando a medula, teria feito diferença? Ou ainda, se ela tivesse feito o exame preventivo que não fazia a dois anos teria mudado alguma coisa?
Será mesmo que fizemos todo o possível? Será...será...?! questionamentos e mais questionamentos. Embora eu ainda esteja totalmente perdido sem minha amada mãe, uma saudade AVASSALADORA, vontade imensa de falar com ela sobre meu dia, sobre coisas triviais, sobre a chuva que cai agora, sobre o frio que fez na madrugada, sobre dicas para cozinhar, lavar, enfim, VIVER, eu entendo que foi melhor assim, e tenho certeza de que ela está PLENA e exatamente do jeito que eu sempre a conheci, esteja onde estiver. Eu gostaria de agradecer por este espaço, através dele consegui algum conforto durante essa provação terrível.