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Natalia - Câncer de Fígado
Câncer em dose dupla: minha irmã e minha mãe.
Esperava que nos meus 30 anos ia fazer uma grande festa de "arromba", pois não tinha dúvidas que essa idade juntava a graça e a leveza da juventude com a maturidade da vida adulta. Mas, essa festa eu nunca fiz...Esse dia nessa forma nunca chegou.
A estória foi bem diferente daquilo tudo que havia planejado e almejado, esse dia passei sentada horas a fio no HC aguardando a minha irmã , que com uma emocionante carta havia me presenteado, realizar uma operação de câncer na suprarrenal para depois poder fazer a operação seguinte de câncer no pâncreas. Lembro como se fosse hoje esse dia, 17 de dezembro de 2012. Sentada ao lado do meu cunhado, lendo sua carta e chorando como nunca tinha feito antes. Sentia que o chão tinha sumido e os prédios da cidade caiam todos em cima do meu corpo. Chorava tanto que doía todo o meu corpo e a minha alma. Deus? Nessa hora, onde ele tinha ido? Como podia fazer aquilo com a minha irmã mais nova? Qual era o sentido dessa vida? Ela sempre saudável e feliz, estava agora passando por isso?
Cheia de indignação, com muita dor no corpo e na mente parti para o meu doutorado em outro país, logo depois de sua cirurgia no pâncreas em março de 2013. Meus pais estavam anestesiados.... Sentia que nesse dia os havia perdido, eles não existiam mais como antes.
Sentia que nos meus 30 anos tinha me tornado realmente adulta e que se tinha dúvidas que a vida era sofrida fui para a África para estudar e perceber que a vida não era dura só para mim, eu não era tão importante assim que havia qualquer tipo de complô dos deuses contra a minha existência e da minha família.... Na verdade, a vida era muito mais dura para os outros, para aqueles não tinham nada a comer, nada a viver, nada a reclamar... pois sabiam que a morte a eles logo que ia chegar.... a vida era rara na África, pois a vida é cara.
Essa tristeza amarga que na África comigo chegou ... Logo, dissipou-se nos mares do Indico e quando voltei ao Brasil, a fé, a esperança e o pensamento positivo tinha voltado a minha alma. Pois, percebi que nem eu, nem minha irmã, nem meus pais éramos injustiçados, na verdade, percebi que éramos gratificados pelas condições financeiras que tínhamos para lidar com toda aquela situação.
Essa luz de esperança e fé deu nascimento ao meu filho, que com a sua graça veio alegrar toda a família em 2014.
Essa percepção que eu tive depois da minha viagem a África não foi acompanhada por toda família, enquanto a minha irmã como uma fonte de inspiração retomava suas atividades na escola e se reinventava achando um nova paixão, a culinária orgânica.... Os meus pais ainda se encontravam tristes com tudo que havia passado.
Em 2015, mais um choque na família, meu pai sofreu um AVC que embora tenha revertido o processo de paralisia física, esse AVC adensou ainda mais seu estado de depressão, tornando, às vezes, a situação toda muito difícil. Pois, era hora de propagar o otimismo e não a dor.
Após essa situação de dor entre nós e quando pensei que tudo tinha se acalmado, o câncer da minha irmã que já estava estabilizado com um novo tratamento voltou com força total. Passávamos por apuros no hospital, até que ela finalmente encontrou uma nova medicação que possibilitou ela não só viver a vida, mas achar ainda mais o significado na alimentação saudável, expandindo suas atividades e tornando-se uma referência nessa área.. Ou como dizem nos dias de hoje, uma digital influencer.
Entre 2016 e 2017, tudo caminhava bem, cada um com seus afazeres, embora houvessem momentos de tristeza escondidos... Pois, na minha família essa conversa era proibida. Não podia conversar sobre isso com a minha mãe e meu pai. Penso que na verdade o meu espaço de filha se perdeu naquele meu aniversário de 30. Assim que quando sentia um vazio era com o meu marido e meu melhor amigo que desabafava.
Esse ano, porém, o câncer voltou com tudo em nossas vidas....O quadro da minha irmã piorou significativamente, e a minha mãe que era uma fortaleza foi diagnosticada com câncer retal.... Em resumo, vivo uma situação de Câncer em Dose dupla: irmã e mãe.
Sinceramente, quero avisar aos Deuses que eu só gosto de dose dupla de café, Gin ou até mesmo Whisky. Essa estória de estar com duas pessoas amadas e admiradas na família doentes não é do meu feitio. Se é que vocês me entendem grupo de deuses que ficam aí no paraíso?
Enfim, o fato é que a situação tem sido muito difícil. Lembro sempre do trecho da música de Vinicius ... " Tristeza não tem fim, felicidades sim”. Mas, logo em seguida, penso novamente que essa é vida. É preciso ser vivida. É preciso aproveitar o máximo o momento que estamos aqui. É preciso amar. É preciso dançar. É preciso sorrir. É preciso voar. Assim que todo dia penso que preciso viver intensamente e com a minha mãe e minha irmã penso em carpe diem.
Obrigada por proporcionar esse espaço de desabafo!
Com amor,
Natalia