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Stefanye Rodrigues Macedo - Câncer de Pâncreas
"Minha avó amada foi descansar, a sua dor acabou."
Em novembro de 2020 eu estava gestante e fui passar as férias do serviço com a minha avó. Lá vi que ela está tomando dipirona, dizendo que estava com dor no abdômen e costas e com a dor, vinha a indisposição.
Ela estava aguardando o exame de ultrassom que seria feito em fevereiro/21 (SUS). Foi orientada a tomar Luftal, os médicos achavam que eram gases e também havia tratado infecção urinária por 2 ou 3 vezes durante o ano de 2020.
Eu havia pedido diversas vezes para ela ir fazer o ultrassom particular, mas ela não aceitou. Eu retornei para minha casa e alguns dias depois ela me ligou (dez/20) dizendo que estava ictérica (amarela) e que suas fezes estavam claras e urina escura, a dor havia aumentado e a barriga seguia um pouco distendida.
Eu tive que enganá-la, disse que um amigo médico iria fazer o ultrassom, mas que ela precisaria vir para São Paulo e que não poderia desmarcar pois ele estava abrindo espaço na agenda. Ela veio e no dia seguinte eu inventei outra mentira sobre o meu amigo e a levei no hospital Santa Marcelina (São Paulo).
Lá foi coletado sangue e urina, feito medicação na veia e fomos para o ultrassom, onde o médico teve um pouco de dificuldade de ver o pâncreas pela quantidade de gases no abdômen e disse que a vesícula biliar dela estava hiper distendida e havia algumas alterações no fígado características de hepatite C (ela fez tratamento em 2014 para hepatite). Então ela foi encaminhada à tomografia e ao sair da sala de ultrassom eu disse que deveria ser cálculo na vesícula.
Fizemos a tomografia com contraste e esperamos todos os exames saírem. Hepatite sob controle, os exames de sangue ok e urina com cristais de bile e o restante ok, mas havia uma massa apontada pela tomografia na cabeça do seu pâncreas e a médica nos disse que era câncer. Minha avó, que era a mulher mais forte que eu já conheci, disse que já desconfiava e eu me vi perdendo minha avó.
A médica receitou dipirona para casa e foi agendada consulta com a equipe do fígado e nos mandaram para casa: acho que ela deve ter esquecido que a vesícula da minha avó estava HIPER distendida.
Os dias passaram e a dor continuava, minha avó comia bem, havia perdido peso nos últimos meses, mas era discreto (8kg em 3 meses) e a consulta com o especialista do fígado chegou em 03/Janeiro/2021.
Ele nos explicou brevemente sobre o câncer, pediu uma biópsia e a internou pois havia risco da sua vesícula romper (lembra que a médica esqueceu?) e o pigmento da vesícula poderia prejudicar seus órgãos.
Ela foi internada, foram feitos alguns exames pré operatórios para colocar um stents para drenar o conteúdo da vesícula, os exames deram o ok para a cirurgia que não era invasiva e ela ficou bem no pós cirúrgico, a dor diminuiu um pouco mas não muito.
Após alguns dias ela teve alta, eu havia ganhado meu filho e ela veio para casa com ajuste na medicação (tramal, dipirona, paracetamol+codeína) e mesmo assim ainda sentia dor.
Ela estava com um pedido de endoscopia e biopsia para ver o tipo de câncer. Os dias iam passando, minha avó com muita dor, chorava, dizia que parecia estar vivendo um pesadelo e que queria acordar, mas ainda continuava muito ativa, me ajudava em casa, lavava a louça e recolhia as fezes dos meus animais.
Com a demora para marcar o exame da biópsia decidimos ir para casa dela, eu fiquei a semana com ela e vi que ela estava bem para ficar, o meu medo era a medicação causar algum efeito, mas vi que estava tudo bem.Ela ficou super feliz, pois eu moro num apartamento e ela mora num sítio cercado de natureza, nada como a casa da gente.
Ela retornou para São Paulo e fez a biópsia, que levou mais alguns dias para indicar o resultado de adenocarcinoma (maligno). O tempo foi passando e ela segue com dor, que havia aumentado e perda de peso, de março a abril acredito que ela tenha perdido 8 kg, ela estava bem magra, continuava comendo, mas em menor quantidade e só tinha disposição para fazer as coisas básicas de higiene.
A convenci de ficar aqui em casa novamente, mas precisaríamos voltar para sua casa para deixar seu companheiro no sítio, neste dia ela havia tomado a vacina da COVID e passou muito mal, eu achei que iria perder ela, mas algumas horas depois de medicar houve melhora e viemos para São Paulo.
A minha avó comia cada vez menos, sentia muita dor e havia uma outra consulta (7/maio) com o especialista do fígado, como estávamos em pandemia ela entrou sozinha no consultório. Ela havia feito uma tomografia uns dias antes para analisar a possibilidade de cirurgia e ao sair da consulta ela estava estranha, pediu um tempo quando eu perguntei o que o médico falou e após uns minutos me contou que o câncer havia crescido (4 cm) e que estava instalado na artéria e não havia mais possibilidade de cirurgia e que seria feito quimioterapia para controlar o seu crescimento e se ele regredir eles estudariam a possibilidade da cirurgia e a sua medicação agora era a morfina.
No dia 10/junho ela foi internada novamente. Ela, que antes comia por volta de 100g por dia, estava aceitando caldo de miolo. A dor mesmo com morfina não passava e os stents haviam dobrado, ela estava com infecção de urina e na ll a cirurgia, ficou internada por 10 dias e desde o dia que foi internada não andou mais, pois a perna esquerda não tinha mais firmeza e sentia dor.
Ela retornou para minha casa, estava cada dia mais magra, só aceitava comer gelatina, só conseguia sentar na cama, usava fralda e estava com diarreia. Foram dias muito corridos para mim, ela estava tomando muitas medicações por conta da cirurgia e a diarreia era muito intensa e eu tenho um bebê que tinha acabado de fazer 5 meses.Superamos isso, ela voltou a se alimentar, mas não comia nem 50 g, mas pelo menos estava comendo comida de verdade e às vezes até aceitava o suplemento.
Por conta da sua desnutrição ela resolveu não ir à primeira consulta com o oncologista que seria no dia 11/julho. Cada dia que eu acordava ela parecia ter emagrecido mais e a morfina era tomada muitas vezes em dose máxima mas a dor nunca ia embora.
No dia 24/julho ela começou a vomitar muito, era de cor preta esverdeada e estava há quase 2 dias sem comer, então no dia 25 ela aceitou ir ao hospital, eu havia convencido ela de fazer o convênio há alguns dias, então ela só ficou de observação e coletaram exames laboratoriais, tudo estava ok e o vômito tinha passado no caminho do hospital.
Lá, o meu marido conversou um pouco com o médico que o informou que tudo seria paliativo, que não teria mais cura e que não havia um tempo de vida exato, ela poderia viver mais um mês ou 1 ano. Ela voltou para casa, completamente sonolenta, foi a primeira vez que eu a vi sem dor, mas dormiu o dia inteiro, eu achei que ela não iria sobreviver, mas no dia seguinte ela estava melhor, um pouco confusa sobre o que tinha acontecido por conta das medicações e no decorrer da semana ela parou de ficar confusa.
No final de semana eu precisei ir para o litoral resolver uma pendência e a deixei com a minha mãe, quando eu voltei a minha mãe me disse que ela passou o dia sem tomar o remédio, que estava olhando fixo e não respondia, quando ela foi embora eu fui pro quarto da minha avó e perguntei se ela queria a medicação, e se estava com dor e ela prontamente me disse que sim, na segunda ela chorava de dor, me pedia remédio chorando e eu falava que eu só poderia dar 3 comprimidos de uma vez.
Na terça-feira eu perguntei a ela porque estava demorando para me responder e ela me disse que era a morfina que a estava deixando letárgica. na quarta estava um pouco mais difícil de ter uma resposta, eu a chamava diversas vezes e quando finalmente ela me olhava e me respondia não passava de um "oi?".
Cada dia que se passava ia piorando, o olhar fixo sempre, cada vez mais letárgica, chegava a dormir com a comida na boca, a morfina tinha que ser triturada e diluída pois acabava se perdendo na boca dela, mas ela estava comendo bem melhor, a última coisa que eu ouvi foi "calma!" a sexta-feira ao pedir para ela engolir a comida que ela é mastigando fazia muito tempo, no sábado por mais vezes ou mais alto que eu falasse ela não me respondia, então na madrugada eu passei monitorando ela e vi que ela estava com febre, dei dipirona e às 5 am a febre tinha diminuído um pouquinho e então eu dormi até as 8, quando eu acordei ela olhava fixo para a direita e havia um leve roxo no seu olho, respirava pela boca e estava ofegante, eu pinguei soro no nariz dela e uma secreção que estava entupindo o nariz desceu para a garganta mas respiração continuava um pouco rápida e agora ruidosa, então eu decidi chamar o SAMU e em 30 minutos eu perdi a minha avó. Ela foi até 6 dias antes de falecer.
Foram meses de sofrimento, meses de dor intensa e eu não entendo como Deus deixa uma pessoa tão boa, que pensou em todos antes dela até nós últimos dias de sua vida, que cuidou de muitos pacientes e de muitas pessoas morrer assim, definhando e sofrendo até o último segundo de sua vida, sinceramente não consigo entender.
A única coisa que me conforta é que ela morreu nos meus braços e em casa, ela tinha muito medo de morrer sozinha e no hospital, e finalmente ela não sente mais aquela dor desgraçada e nem passar fome ou chora de vontade de comer algo e não conseguir. Vó, a senhora foi minha mãe, meu pai, meu tudo, se eu não tivesse o Alê, eu não sei como eu ainda estaria aqui, eu sinto tanta falta e às vezes sinto vontade de ir com você.
Eu te amo demais, eu queria muito ter feito diferente, ter levado ela em outro hospital, ter salvado a pessoa mais importante da minha vida e eu não pude. Eu sei que fiz o máximo e o melhor que podia, mas não foi o suficiente, afinal ela não está aqui.